O Câncer sob a ótica da Homeopatia

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(Este artigo é parte do trabalho intitulado “O Câncer na Visão de Pietro Ubaldi”, o qual deveria ser lido na íntegra para se compreender a abordagem aqui apresentada)

É de interesse que conheçamos, ainda que ligeiramente, o que nos permite deduzir a homeopatia, a ciência médica instituída na Terra pela sabedoria de Samuel Hahnemann, a respeito da patogenia do Câncer.

O fundador da medicina dos semelhantes, a partir das observações dos efeitos de seus medicamentos ultradiluídos, desenvolveu uma interessante teoria, segundo a qual a vida seria produzida por um impulsor fundamental, de natureza imaterial ou dinâmica, que ele denominou força ou energia vital. As enfermidades adviriam fundamentalmente de perturbações dessa força vital, as quais posteriormente terminariam impressas no corpo físico, na forma dos diversos e conhecidos distúrbios orgânicos e seus muitos sintomas2.

Por faltar-lhe palavras adequadas para denominar os novos conceitos que suas observações e sua apurada intuição lhe suscitavam, Hahnemann chamou de miasma a essa pulsão alterada da força vital. Definida por ele como uma perturbação dinâmica, esse campo sutil mórbido impregnaria o organismo como uma emanação essencial, induzindo-o ao adoecimento natural3.

Palavra em desuso no jargão médico, se consultarmos o termo miasma nos dicionários correntes encontraremos que designa espécie de “emanação a que se atribuía o contágio das doenças infecciosas e epidêmicas”, além de referir-se à “exalação pútrida que emana de animais ou vegetais em decomposição” (Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa). A homeopatia incorporou-o, no entanto, com o significado de uma pulsão ou força enfermiça, não pertinente ao domínio físico do ser humano, de natureza energética e indutora das subsequentes perturbações orgânicas.

O moderno conceito de campo da Física ajuda-nos a entender muito bem o que seria o miasma homeopático. Define-se campo como a “região sob influência de alguma força ou agente físico – por exemplo, campo eletromagnético, campo gravitacional etc.” Assim, de igual modo, poderíamos admitir a existência de uma força ou tendência orgânica capaz de gerar em seu raio de manifestação um campo mórbido. Este seria o miasma hahnemanniano, passível de impregnar uma determinada região do organismo, levando suas células a se perturbarem. Hahnemann introduz-nos assim no conceito de uma entidade dinâmica ainda não identificada ou definida pela ciência atual, mas que pode muito bem ser constatada pelos seus efeitos2.

Observando o comportamento das perturbações miasmáticas em nossa espécie, o fundador da homeopatia, nos profícuos oito últimos anos de sua vida, compreendeu que elas podem se manifestar de três maneiras distintas: existem aquelas que se restringem a perturbar as funções celulares; outras produzem perda de massa orgânica, ocasionando ulcerações e eliminações pútridas; e temos as que induzem o organismo a construções impróprias, que crescem além de seus naturais limites. As primeiras são as doenças funcionais, responsáveis pelas disfunções orgânicas, os defeitos de funcionamentos de nossos órgãos, sem que sofram perda ou ganho de massa; as segundas representam as enfermidades de caráter destrutivo, aquelas que levam à subtração de tecidos; e as últimas assinalam as moléstias de aspecto neoformativo ou produtivo, que produzem sempre o aumento de biomassa. Em resumo, para Hahnemann existiriam então três formas básicas de se produzir o adoecimento humano: a doença funcional, a degenerativa e a hiperformativa, respectivamente. O mestre da medicina dos semelhantes, mais uma vez, por faltar-lhe terminologia mais adequada, denominou o primeiro distúrbio, a disfunção, de Psora (termo grego que significa mancha); o segundo, a perturbação de caráter destrutivo, de Sífilis, por ser esta, em sua época, a mais comum das enfermidades que roubam massa do organismo; e ao adoecimento hiperformativo de Sicose (palavra também de origem grega que significa verruga, o mais frequente dos crescimentos orgânicos impróprios)3.

Psora, Sífilis e Sicose passaram então a designar, em homeopatia, as três formas de adoecimento “miasmático” ou energético do homem, capazes de induzir-lhe as lesões orgânicas conhecidas. Ressaltemos que Hahnemann referia-se a forças mórbidas que levam o organismo a adoecer, e não a entidades clínicas propriamente ditas3.

Com o avanço das perquirições e pesquisas homeopáticas, chegou-se, enfim, à compreensão de que os miasmas partem não de meros caprichos da força vital, mas dos estados psíquicos e emocionais do ser humano, os quais se tornam então o foco de toda e qualquer enfermidade. A Psora foi compreendida como oriunda da instabilidade emocional, da vivência inadequada de nossas angústias existenciais, em suas expressões de carências, temores e culpas, experienciadas como ansiedades, inquietudes e inseguranças. Se encontramos então um ser humano com seu sofrimento fixado em angústias, sentindo-se portador de carências as mais diversas e sofrendo-as de modo inadequado, identificamos nele a manifestação da Psora. Se, no entanto, esse mesmo indivíduo encontra-se dominado pelo desalento, com intenção de abandonar suas atividades e refugiar-se em estados depressivos, ele estará alimentando o miasma sifilítico. E, pelo contrário, se o entusiasmo lhe excede e ele parece estabelecer-se em um patamar de superioridade de suas forças psicofísicas, então o veremos sob os embalos da Sicose. Identificamos assim um estado mental distônico fundamental, um hipotônico e outro hipertônico, a alimentar, respectivamente, a Psora, a Sífilis e a Sicose, nos domínios dinâmicos e físicos do ser humano, configurando posteriormente suas correspondentes enfermidades físicas5,6,7.

A partir dessas pertinentes observações, modernos estudiosos da homeopatia propuseram então que a Psora fosse também denominada egodistonia, representando as desarmonias do ego humano; a Sífilis homeopática, egolise (do latim ego, o eu de qualquer indivíduo, + lýsis, do grego, que é rotura ou quebra), configurando os estados degenerativos endógenos do homem; e egotrofia (ego+trophía, do grego, nutrição ou desenvolvimento) para os quadros de manifesto exagero do ego6,7.

A homeopatia passou assim a entender e estudar os miasmas como consequência direta dos estados vividos e alimentados pela personalidade humana. São hábitos com que se veste a personalidade. E chega-se, assim, à compreensão de que o homem adoece como um todo, desde seus planos mais profundos aos superficiais, sendo o corpo físico um espelho daquilo que se passa em sua intimidade psíquica, emocional e dinâmica. Se identificamos, então, uma doença degenerativa de qualquer natureza, encontraremos seguramente o predomínio dos estados egolíticos em algum momento da vida do enfermo. E se estamos diante de um nítido adoecimento hiperfuncionante e hiperformativo, seja orgânico ou mental, reconheceremos que a egotrofia está ou esteve atuante na maior parte da existência do indivíduo.

Essas pulsões mórbidas nada mais seriam, no entanto, do que a expressão no campo orgânico da mesma dualidade de forças que impera em todo o nosso universo. Ou seja, todos os fenômenos universais estão subordinados a dois impulsos alternantes e complementares que se fundem para produzi-los: a contração e a expansão. Assim é que nosso cosmo se faz, em todas as suas instâncias, uma dança permanente de construções e destruições, mediante a combinação dessas duas potências, uma positiva e outra negativa. Psora e Sífilis correspondem ao estado negativo ou de contração das forças ego-orgânicas, e a Sicose, ao de expansão. E encontramo-nos com o fato de que nossa personalidade, assim como o universo, está permanentemente embalada por um pulso duplo de forças em oposição. São as mesmas forças yin e yang abraçadas na unidade do Tao, da concepção taoista e que embalam todos os seres vivos. E são os mesmos instintos erótico (amor, vida) e tanático (morte), identificados por Freud e em ação na instância psíquica do homem.

O tema abre-se a muitas conjecturas, porém não se trata do enfoque deste pequeno texto. E embora seja também importante o estudo detalhado da egodistonia e da egolise, devemos deixá-los para analisar com um pouco mais de detalhes o que ora nos importa na etiogenia do câncer: a tão comum egotrofia humana – a hipertonia do ego. Esse hábito, com o qual se expressa o ego em seus aspectos sentimentais e comportamentais, caracteriza-se pela supervalorização do próprio indivíduo em relação aos demais, ou seja, o egoísmo franco, a soberba desenfreada e as atitudes autoritárias e imperialistas, próprias daquele que se posiciona e se impõe sobre os demais – tendência normalmente acompanhada de excessivo entusiasmo, desmedida vontade realizadora, impetuosidade e agressividade, visando nada mais que a projeção da própria personalidade acima dos semelhantes6,7.

Deduz-se, assim, que por trás de toda doença de caráter hipertrófico e hiperformativo (as neoplasias) existe uma tara sicótica impulsionando as células ao exagerado desenvolvimento. E essa pérfida desorientação do campo vital advém nada mais que dos hábitos humanos de crescer além dos limites e impor-se sobre os demais – a expansão do ego além de suas barreiras naturais, ou a “supervalia” do eu. E assim se compreende que o câncer, do ponto de vista homeopático, é o resultado de nossos hábitos egotróficos empreendidos durante a vida (ou nossas muitas vidas) – uma sicose maligna, na linguagem de Hahnemann. Ou seja, se o organismo é impulsionado a produzir mais biomassa é por estar embalado por um correspondente pulso hipertônico (se há mais energia haverá também mais massa, por lei de equilíbrio). O câncer seria, então, o resultado, na carne, da máxima egotrofia do homem, nada mais que o reflexo de seu perverso comportamento ególatra diante de seus semelhantes. Observemos que essa perversão sicótica muitas vezes pode dar-se apenas no plano das intenções, uma vez que o homem adoece não somente por agir e atuar, mas igualmente por pensar e sentir de uma forma inadequada na vida6,7.

A seguir, no desenvolvimento de nosso pequeno trabalho, veremos que essa brilhante hipótese é inteiramente corroborada pelas revelações de Ubaldi, mostrando-se um retrato da realidade. Portanto, dificilmente conseguiremos contrapor-nos ao legado de Hahnemann. E agreguemos, sem demora, que ela encontra também uma correspondência na Doutrina dos Espíritos. André Luiz, no livro Evolução em Dois Mundos1, informa-nos que “o perispírito, (...) é suscetível de sofrer alterações com alicerce na adinamia, proveniente de nossa queda mental, ou na hiperdinamia, imposta pelos delírios da imaginação”. E agrega que nossas enfermidades “nascem do estado de hipo ou hipertensão do movimento circulatório das forças que nos mantêm o organismo sutil”. (Os destaques são nossos.) Vemos assim que o sábio mentor espiritual deixou-nos esboçada a mesma tese miasmática vislumbrada por Hahnemann, atestando-nos que os movimentos orgânicos de hipo ou hipertrofia são ocasionados por campos perispiríticos hipo ou hiperdinâmicos, respectivamente.

Abre-se assim para nossas conjecturas a perspectiva de que o câncer não resultaria de um esgarçamento perispiritual, ou seja, uma rotura de suas malhas energéticas, o que levaria ao pressuposto movimento de cicatrização dos tecidos físicos. Seria, sim, produto de um impulso hiperpositivo mórbido, uma hiperdinamia do campo biomagnético que nos sustenta – a “hipertensão das forças sutis”, como exarou André Luiz. Hiperdinamia que então estimula o alucinado desenvolvimento celular típico do câncer e que advém, em última análise, da egolatria humana. Poderíamos, assim, deduzir que aquilo que o mentor denominou de “delírios da imaginação”, talvez por faltar-nos ainda melhores condições de compreensão, refira-se às nossas comuns megalomanias, induzidas pelos desvarios da arrogância e do orgulho, desencadeados pelo ego doentiamente hipertrofiado.

Dessa forma, como sugere a homeopatia, faz-se a perfeita correspondência entre o caráter do câncer e o da pulsão enfermiça com a qual se move a personalidade. Ou seja, ambos situam-se na hiperpositividade doentia. E elucubramos que uma fenda biomagnética, como propõe a “teoria do esgarçamento perispirítico”, diria respeito muito mais a uma falha ou hipotonia dinâmica, e como tal, não se ajusta à natureza hiperformativa dos tumores.

Belo Horizonte, primavera de 2012

Gilson Freire

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Bandoel, M C. Los Fundamentos Filosóficos de la Clínica Homeopática. Buenos Aires: Editora Albatros; 1986.
  2. Hahnemann, S. Organon da Medicina. Buenos Aires: Editora Albatros; 1978.
  3. Hahnemann, S. The Cronic Diseases. New Delhi: Jain Publishing Co.; 1983.
  4. Kent, J. Filosofia Homeopática. Buenos Aires: Editora Albatros; 1978.
  5. Roberts, H. Los Principios y el Arte de Curar por la Homeopatía. Buenos Aires: El Ateneo; 1983.
  6. Elizalde, M. Homeopatia Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Luz Menescal; 2004.
  7. Elizalde, M. Clases de Homeopatia – apostilas de aulas gravadas. Buenos Aires; 1980. (6)
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