Vitalismo em Homeopatia

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O VITALISMO EM HOMEOPATIA

 INTRODUÇÃO

O que é a vida?

“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente” – Gênesis 2:7

A vida só pode ser definida pelo que ela é, ou seja, pelas suas propriedades e não admite outra mais clara definição, por mais que tenham tentado tal tarefa os grandes filósofos do passado. Os pensadores modernos a definem como um padrão que se caracteriza pela capacidade de se auto-organizar. A biologia a define pelas propriedades que se manifestam nos seres que a possuem, eximindo-a de definir-se a si mesma. Os seres que vivem, diferentemente dos corpos inanimados, têm a possibilidade de crescimento intrínseco, de dentro para fora, de liberdade de movimento, de reação aos estímulos do meio e de se copiarem a si mesmos, no fenômeno da reprodução. Tais propriedades, no entanto, em última análise, não são mais patrimônio exclusivo da vida. Ao penetrarmos na intimidade atômica, desaparecem e se igualam todas as possibilidades verificadas no ser vivente, onde nos encontramos com entidades interativas e tão vivas quanto à própria vida. E se no microcosmo a vida nos confunde, no macrocosmo ela continua nos intrigando, pois já se fala que a natureza é viva e o planeta reage como se fosse um imenso ser vivo que se autorregula.

O que há no medicamento homeopático?

Dê-me um fato e derrubarei todas as teorias que se contrapõem a ele– Descartes

A natureza especial do medicamento homeopático atesta que o organismo vivo possui unidades sutis inalcançáveis pelo conhecimento científico moderno. Que energia está presente no medicamento homeopático, diluído até o desaparecimento da matéria que o constitui? Qual a natureza intrínseca deste elemento? Seria apenas uma questão de crença? Como comprovar a ação do medicamento homeopático? Como explicá-lo?

A veracidade dos efeitos dos medicamentos homeopáticos é verificada diariamente na prática clínica, denotando ser o organismo vivo o único aparelho, até o momento, capaz de constatar-lhe a ação, dita dinâmica. Sua atuação, inclusive em animais, atesta que não se trata apenas de uma atuação por indução de efeitos psicológicos.

As propostas teóricas apresentadas até então são inconcludentes e facilmente reputadas pelos métodos reducionistas e dedutivos da atualidade. A memória do soluto, as experiências com registros Kirlian e a física quântica ainda não foram satisfatórios para se convencer o pensamento científico moderno de sua realidade.

  

CONCEITO

O Vitalismo é a doutrina que afirma a existência de um princípio irredutível ao domínio físico-químico para explicar os fenômenos vitais. Nesta concepção o corpo físico dos seres vivos é animado e dominado por um princípio imaterial chamado força vital, cuja presença distinguiria o ser vivo dos corpos inanimados e sua falta ou falência determinaria o fenômeno da morte.

No Vitalismo a força vital é definida como a unidade de ação que rege a vida física, conferindo-lhe as sensações próprias da vida e da consciência. Esse princípio dinâmico, imaterial, distinto do corpo e do espírito, integra a totalidade do organismo e rege todos os fenômenos fisiológicos. O seu desequilíbrio gera as sensações desagradáveis e as manifestações físicas a que chamamos doença. No estado de saúde mantém as partes do organismo em harmonia. Sua natureza não pôde até hoje ser comprovada, mas admite-se que estaria próxima de outras manifestações energéticas do ser vivo, como a energia calórica e a bioelétrica. Tal força não seria dotada de uma inteligência própria e independente, mas funcionaria como um sensor da inteligência espiritual, que comanda o ser como um todo.

A maioria dos vitalistas não distinguiu força, energia e princípio vital.

O Vitalismo influenciou a Medicina até o século XIX, quando a mentalidade mecanicista ofereceu novas explicações ditas racionais para a compreensão dos fenômenos vitais, banindo-o das concepções médicas. A partir desses avanços considerados científicos, os postulados vitalistas sofreram ataques imediatos dos antivitalistas, chamados mais tarde de materialistas, que consideravam um retrocesso científico-ideológico atribuir aos fenômenos da vida as conotações metafísicas do Vitalismo.

A energia a que os vitalistas se referiam não era apenas aquela medida pelo trabalho mecânico, nem tampouco a hoje denominada energia potencial da física. Eles evocam a existência de uma energia essencial que move a vida, que antecede a atividade mecânica e elétrica do organismo e que, na verdade, é sua mantenedora.

Distinguem-se duas escolas principais na evolução do pensamento vitalista:

VITALISMO DUALISTA: o princípio vital e o corpo, embora unidos, são substâncias separadas – concepção platônica, parcialmente admitida por Hahnemann no parágrafo 9 do Organon.

VITALISMO UNICISTA: também chamado animista, distingue o princípio vital em ação no organismo, mas sua natureza não é distinta da alma, sendo desta um desdobramento, com a qual mantém a unidade do organismo – concepção aristotélica, mantida por Hahnemann, no parágrafo 15 do Organon.

 

HISTÓRIA DO VITALISMO

Ao longo da história do pensamento humano, surgiram várias escolas filosóficas e científicas que se preocuparam com a interpretação do fenômeno vida, em base a existência de força além da própria matéria. Por isso a história do Vitalismo se confunde com a história da própria Medicina, sendo tão antiga quanto esta.

O VITALISMO NA MILENAR CULTURA CHINESA

O tratado de Medicina mais antigo que se conhece é o Huangdi Neijing. Segundo a tradição, foi composto por Huang Di, um dos lendários imperadores que reinou entre 2698 e 2599 a.C., e reunia ensinamentos de antigos sábios que já mencionavam que o corpo humano funcionava devido à presença de forças ocultas, estabelecendo as primeiras concepções de Vitalismo. Segundo esse célebre compêndio médico, conhecido como Cânone de Medicina do Imperador Amarelo, essas forças, compondo a energia vital, se dividiam em uma potência positiva (yang) e uma negativa (yin) de cujo equilíbrio dependeria a saúde. Suas afirmações foram preponderantes para o sustento do pensamento filosófico e médico da China antiga até os nossos dias e sua história se confunde com a do Taoísmo, do Confucionismo e da Acupuntura.

O VITALISMO NA GRÉCIA ANTIGA

No século V a.C. Hipocrates fundou a escola médica da ilha de Cos, considerada a primeira escola formalmente instituída de Medicina na História. O pai da Medicina pregava uma ciência que priorizava o enfermo como uma unidade. A doença era vista como uma perturbação deste e não como processos independentes de seus órgãos. A escola de Cos, como ficou conhecida, procurava ressaltar os aspectos do temperamento e da constituição na concepção da enfermidade, preconizando a existência de doentes e não de doenças. Esta escola esboçou a idéia de um princípio unificador e diretor do organismo, chamado “eidolon” que fazia parte da natureza e era considerada a psique individual trazendo a mesma conceituação que hoje se dá à alma.

Mas tarde funda-se a escola de Cnido (Cnidus – cidade da antiga Grécia, próxima a ilha de Cos, hoje pertencentes à Turquia) que se opôs ao pensamento hipocrático. Esta escola preconizava que a doença era uma perturbação dos órgãos e um desequilíbrio local, que deveria ser tratada com métodos materiais. Seu maior representante foi Galeno, médico grego que viveu 6 séculos mais tarde, considerado o fundador da escola médica da atualidade.

Na escola cóica a saúde dependia do principio imaterial organizador da vida. Na escola cnidia, em contraposição, a desorganização do organismo por si só justificava a enfermidade, sendo esta o desequilíbrio das interações físicas e químicas dos órgãos, o que deu origem à concepção mecanicista da vida. A escola cóica somente floresceu com o advento da Homeopatia. Cos e Cnido estão hoje representados pela Homeopatia e Alopatia, respectivamente. A primeira é filha de Hipócrates, a segunda de Galeno. A primeira preconiza o uso dos semelhantes e aborda a unidade orgânica, a segunda, preconiza o uso dos contrários e compreende a doença como uma perturbação local e aleatória do mundo celular e bioquímico.

Os principais pensadores gregos que influenciaram o pensamento vitalista nesta época foram:

Hipócrates (460-377 a.C.) – considerado o pai da Medicina, dizia que havia na natureza dos seres vivos um duplo dinamismo que os faziam crescer e movimentar-se, um princípio de ação que seria a alma – o anima, aquilo que anima, que atuaria através do cérebro, nutrindo e animando o corpo. Essa alma se desprenderia com a morte. Era um sopro (pneuma) que vem de fora e opera as maravilhas do pensamento, uma espécie de ar que penetrava no corpo ao nascer, animando-o de vida, e preenchia em graus de qualidades diferentes, sendo mais pura no cérebro, onde produzia o pensamento. Assim segundo este pensador, a vida é produto da alma. Estabeleceu ainda que a alma impunha a vis medicatrix nature como o impulso que opera em todos os seres vivos para a manutenção da saúde, trazendo em si a possibilidade da própria cura. O médico deveria limitar-se a agir como servidor dessa força natural. Para ele a alma e força vital eram um só princípio, o anima, tendo sido o fundador do pensamento animista, que admite a alma como entidade que organiza e dinamiza, vivificando, todo o organismo. Pode-se considerar Hipócrates como o pai do pensamento vitalista.

Platão (428-347 a.C.) – estabelece um pensamento dualista, admitindo a alma como entidade separada do corpo. Além disso, a divide em três porções: razão, emoção e animalidade, que residiam no cérebro, no tórax e no abdome, respectivamente.

Aristóteles (384-322 a.C.) – discípulo de Platão, para ele a alma não é o corpo, mas não pode existir sem ele, assim como não há luz sem objeto luminoso. As funções da alma seriam a nutrição e o pensamento. Mas há uma unidade de corpo e alma, diferentemente do dualismo platônico. Junto com Hipócrates representa os principais pensadores animistas. A alma forma e dá vida ao corpo, diferenciando-o da matéria bruta. Aristóteles confere ainda à alma uma concepção de substância.

Galeno (130?-200? d.C.) – médico grego que priorizava a parte em detrimento do todo e com isso “materializou” a alma. Estabeleceu a teoria dos humores, que foi a base da Medicina medieval, até o século XVII. Segundo essa teoria, a saúde estava vinculada à combinação harmoniosa dos quatro humores, correspondentes aos quatro elementos: o sangue, correspondendo ao fogo, a bílis negra à terra, a bílis amarela ao ar e o fleugma (linfa), ao elemento água. Foi na verdade um médico romano, filho de pais gregos, que ficou famoso por ter curado o imperador Marco Aurélio de uma ferida de guerra. Seguia os ensinamentos da escola grega de Cnido, tendo sido o seu maior representante. Firmando o principio dos contrários, influenciou a Medicina dos nossos dias.

O VITALISMO NA IDADE MÉDIA

Durante a Idade Média, no entanto, o médico deveria tratar o corpo, a alma era assunto da Igreja e nesta não lhe cabia meter-se. Talvez por isso, a Medicina galênica tenha prevalecido com o apoio da Santa Sé. A teoria dos humores foi largamente empregada, onde se via nos doentes excessos ou falta dos quatro elementos constituintes da natureza. Para retirá-los empregava-se as sanguessugas, os vesicatórios, os purgativos e as sangrias. O conhecimento hipocrático ficou restrito aos mosteiros, mantido pelos monges ao longo da noite escura da Idade Média. Este conhecimento foi ressuscitado por Paracelsus, considerado o precursor da Homeopatia.

Os principais pensadores que influenciaram a evolução da concepção vitalista neste período foram:

Avicena (980-1037) – médico e filósofo persa autor do “Cânon da Medicina”, o livro em que se baseou a Medicina européia até o século XVII. Admitia a existência da alma, que mantinha as relações do corpo com a mente, obedecendo a princípios teleológicos.

Santo Agostinho – afirmava que a alma que pensa é a mesma que anima o corpo, dando-lhe vida. E a ela atribuía as doenças do corpo.

São Tomás de Aquino – considera a unidade do homem, dizendo que todas as almas são na verdade uma só que tanto controla a razão como a vida vegetativa do homem.

Venetus – responsável pela crença predominante na época de que a alma se dividia em alma sensível, a sua parte corruptível, a alma racional, a parte imortal e as almas vegetativas, diversas almas que animavam e desempenhavam as variadas funções orgânicas.

Paracelsus (1493-1541) – médico suíço, ressuscita os ensinamentos de Hipocrates, voltando-se à visão unitária do homem, sendo considerado o precursor da Homeopatia. Segue também o mesmo raciocínio de Venetus, admitindo um princípio ativo e organizador dos seres vivos, mas expande esse conceito para todos os corpos da natureza. Por isso considerava o espírito do sal, do enxofre, do mercúrio, dos cristais, etc. No corpo ele divide este princípio vital em arqueus, as almas menores que presidem as funções dos órgãos. Aproxima seu pensamento da lei dos semelhantes de Hipocrates e cria a Lei das signaturas – uso de plantas orientado pela forma aproximada do órgão doente. Considerado o pai da bioquímica, foi um dos primeiros médicos medievais a rejeitar a teoria dos humores de Galeno. Influenciou o pensamento de Hahnemann que incorporou a concepção de uma força oculta no homem, capaz de amplas ações em todo o organismo, inclusive na mente.  

O VITALISMO NA ERA MODERNA

Até meados do século XVII dominavam a Medicina os mesmos pensamentos que moviam a Idade Média, subordinada-a a um empirismo dogmático, destituído de qualquer sustento lógico. A cirurgia era exercida pelos barbeiros e a teoria dos humores ainda era a única a favorecer algum subsídio para as práticas médicas. No século XVIII a escola vienense de Medicina passou a dominar o pensamento médico da época, trazendo uma forte necessidade de se implantar uma metodologia no estudo desta disciplina. Nesta época são criados ambulatórios e enfermarias e a teoria dos humores começa a ser contestada.

Na mesma ocasião, florescem duas outras escolas médicas: a alemã e a francesa. A escola francesa, defendida pelos Enciclopedistas, oriundos do Iluminismo, pregava também a necessidade de se racionalizar o estudo médico. Os iluministas lutavam para libertar o pensamento científico das imposições religiosas, passando a caminhar por vias livres e divergentes dos teólogos medievais. Nasce a metodologia científica nesta época, com a necessidade de se chegar ao conhecimento pelas vias da experimentação objetiva. Surge aí o movimento mecanicista e materialista da Medicina, que estrutura a visão do organismo como uma máquina, em obediência a separação da ciência e da fé, e refletindo a mentalidade moderna que se apoiava em raciocínios objetivos, exigentes de lógica. Surge a necessidade da busca de novas etiologias para as doenças, segundo a compreensão mecanicista do homem, nascendo a nosologia, ao se estabelecer critérios para a classificação metodológica das enfermidades. Estava dado o primeiro passo para as especializações médicas. O organismo humano era destituído definitivamente da alma, apartando-se a Medicina do Vitalismo hipocrático.

A escola alemã, embasada pelos idealistas e influenciados por Leibniz, mantinha a visão do ser humano como uma unidade de funcionamento, baseada no magnetismo animal. Era a única que ainda fomentava fortemente o Vitalismo, mantendo-se uma escola universalista, vendo o ser humano como uma totalidade e com tendências naturalistas, imitando nos procedimentos terapêuticos as ações da natureza, em consonância com o pensamento hipocrático.

            Seguindo a história do vitalismo no pensamento médico, nesta época se destacam:

René Descartes (1596-1650) – filósofo francês que propôs resolver os grandes enigmas da filosofia e da ciência com o uso da razão e com ela alcançar a verdade. Empregando o método analítico deu origem ao reducionismo que consiste em decompor pensamentos e problemas em suas partes mínimas e dispô-las em uma ordem lógica, a fim de se compreendê-los. Via o corpo humano como uma máquina funcionando com a força motriz gerada pelo calor que vinha do coração. Esta concepção vital é classificada como dinamismo – concepção que pressupõe a existência de forças agindo no organismo, determinando os seus variados movimentos. A influência de Descartes foi preponderante para o surgimento do pensamento moderno na ciência, estendendo-se à Medicina. Suas idéias racionalizaram a compreensão do homem, distanciando-a do animismo hipocrático, estabelecendo-se as práticas iatroquímicas e iatromecânicas da Medicina atual. Identificando na alma a essência do pensamento, proferiu a sua famosa frase: “penso, logo existo”. A alma, sendo pensamento, só pode fazer o que é sua função, pensar, portanto o corpo não é mais sua função, estabelecendo-se a dicotomia alma e corpo. A vida passa a ser atributo do corpo e não da alma, e este adquire uma existência própria e independente. A alma é apenas pensamento puro. A vida, destituída de alma, tornou-se, deste modo, um ato mecânico, embora Descartes admitisse a existência nela de uma espécie de fogo animador, uma essência vital mal definida. O maior golpe ao Vitalismo veio do mecanicismo cartesianismo, quando a Medicina, dominada pelo pensamento iluminista, orienta-se finalmente para o uso do quimismo na solução dos problemas do ser e da dor.

Leibniz (1646-1716) – este importante filósofo alemão manteve-se no pensamento vitalista, sendo considerado o maior animista da filosofia moderna. O corpo estaria sob a ação da mônada, o “eu feito de também de uma substância, porém de essência puramente imaterial. Enquanto que a mônada seria uma substância simples, o corpo seria um agregado de várias substâncias ou mônadas compostas. Contudo, o corpo seria uma espécie de planta, organizado pela alma, a mônada superior, que o nutre com a sua força organizadora e mantenedora, que ele chama de energia vital, e que lhe mantém em constante atividade.

Ernest Stahl (1660-1734) – este filósofo seguiu Leibniz, aplicando o Vitalismo à Medicina na Alemanha, partindo da idéia de que a vida não é produto de um funcionamento mecânico e o ser vivo não é uma máquina, reagindo contra a Medicina mecanicista e química que nascia do pensamento cartesiano. Para ele a origem dos movimentos orgânicos é a alma, princípio vital, da qual os órgãos são simples instrumentos. Concebe assim a doença como uma alteração não do corpo, mas do seu governo, retornando ao animismo de Hipócrates. Possivelmente baseando-se em Paracelsus, já pregava que a ação do semelhante podia tratar as doenças. Segundo o seu animismo, somente descobrindo-se a finalidade das atividades corporais, que servem às potencias da alma, se poderia entender as suas perturbações.

Von Haller (1708-1777) - pertenceu à Escola Médica de Montpellier que foi o centro máximo de produção e sustentação das teses vitalistas entre os séculos XVII e XIX. Com ele o Vitalismo encontrou uma observação experimental renovada. Suas observações terminaram apontando para a necessidade de uma nova ordem de conhecimento em Medicina. Propôs a experimentação dos medicamentos no homem, para se estudar os seus efeitos, que no entanto não chegou a praticar. Sua veemente crença no Vitalismo ajudou a mantê-lo vivo nas escolas médicas da época e dizem que exerceu positiva influência em Hahnemann.

Paulo Josef Barthez (1734-1806) – médico da escola de Montpellier, filósofo e poeta francês promoveu uma separação entre animismo e Vitalismo. Em seu trabalho “Ensaio para um novo princípio para o homem” concebeu um princípio vital que anima e confere vida ao homem. Princípio, no entanto que não é idêntico à alma, o que coincide com a visão do Vitalismo hahnemaniano. Considera-se que seja ele o criador do conceito de princípio vital.

Samuel Hahnemann (1755-1843) – de origem presbiteriana, nasceu em meios às diferenciadas visões que iniciavam a morte do Vitalismo, a exceção da Medicina alemã que ainda se mantinha na mesma idéia, sustentada por Leibniz. Contam seus biógrafos que ele se encantou de início com o Corpus hippocraticum e ressuscitou-o com a Homeopatia. Pela observação ele logo notou a presença dos miasmas contagiantes nos barbeiros que drenavam abscessos e nas parturientes que se contaminavam pela falta de assepsia. Em sua fase pré-homeopática foi um grande químico, experimentava tudo que lia. Desencantado com a prática médica vigente, passou a se dedicar a traduções e à solução de problemas de química. Atuou na saúde pública e na higiene industrial ao estudar a intoxicação dos trabalhadores das minas de carvão. Dizia-se na época que era o mais ilustre médico entre os químicos e o mais ilustre químico entre os médicos. De 1777 a 1796 ele publicou 37 trabalhos científicos e efetuou 17 traduções. Em 1790, no entanto, é que inicia a Homeopatia, ao traduzir a obra de Culen que descrevia os efeitos curativos da quina na malária, imputando sua ação ao fato de ser um tônico para o estômago. Hahnemann não estando de acordo com essa explicação, decidiu procurar outra e resolveu experimentar em si mesmo os efeitos da quina, sendo acometido, para surpresa sua, de um acesso febril. Recordou-se então de Hipocrates que já anunciara o princípio do semelhante: uma doença se cura por uma droga capaz de produzir os seus mesmos sintomas. Juntou ao fato a sua observação de que as doenças semelhantes se excluíam mutuamente e não podiam conviver simultaneamente no organismo. Por exemplo, um episódio agudo de diarréia trata uma colite crônica, a vacina curava e prevenia a varíola pelos mesmos motivos. Hahnemann criou então a experimentação no homem são, estabelecendo assim um dos princípios fundamentais da Homeopatia. E graças a isso chegou ao estudo do psiquismo humano, o que não conseguiria com experimentações em animais. Desta forma, foi o precursor do método experimental em Medicina, iniciando-as no homem antes mesmo de Claude Bernard instituí-las nos animais.

Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821-1894) – médico alemão, criador do oftalmoscópio e professor da Faculdade de Medicina de Berlin. No ano de 1813 realiza estudos de termodinâmica, eletrodinamismo e movimentação de fluídos, concluindo e afirmando que nenhuma força de natureza espiritual atua no organismo humano, senão as forças físico-químicas conhecidas. Exclui assim, das escolas médicas, o que ainda restava de Vitalismo, como se simplesmente por não enxergá-lo com seus grosseiros métodos de pesquisas, ele não fosse uma realidade. A escola alemã, onde o pensamento de Leibniz mantinha vivo as idéias animistas, tem assim abolida todas as práticas médicas que visavam estimular estas pretensas forças, como o magnetismo.

Claude Bernard (1813-1878) – fisiologista francês que procurou estabelecer um neovitalismo imaginando que a força vital seria somente uma força legislativa e não executiva. Foi o pai da fisiologia moderna. Seu primeiro trabalho, datado de 1843, concluiu pela inexistência do Vitalismo ou qualquer força de natureza espiritual que atue no interior do homem, de forma invisível e material. Todas as forças que atuam no organismo podem ser conhecidas e seriam provenientes de agentes físicos. Considera-se que foi o iniciador do método experimental em Medicina, introduzindo os testes em animais, dando origem à técnica de conhecimento da ação dos medicamentos em cobaias, tal como hoje é realizada, onde se pretende conhecer apenas a sua ação puramente fisiológica e material, mesmo no plano mental. Os conhecedores da Homeopatia, no entanto, sabem que a primazia de tal método pertence, merecidamente, a Hahnemann.

A Era Moderna, com o advento destes pensadores, assiste, paulatinamente, às idéias mecanicistas dominarem o campo médico, extinguindo o que ainda havia de vitalismo. Restava apenas um dos maiores trunfos dos vitalistas, até meados do século XIX, o de que as substâncias, ditas orgânicas, ao contrário das inorgânicas, somente podiam ser produzidas pelos seres vivos e jamais seriam obtidas de uma síntese artificial. Esta era a última cartada do Vitalismo, servindo-se para atestar a existência da força vital, a única entidade capaz de produzi-las. Estas jamais seriam copiadas, este era o trunfo final que, como uma vingança, estreitava os mecanicistas, pois estes jamais seriam capazes de copiar artificialmente a vida. Contudo, um fato em 1828, cuidou de mudar radicalmente tal crença, apunhalando de morte o Vitalismo e firmando as idéias mecanicistas da vida: o químico alemão Friedrich Wohler, misturando duas substâncias inorgânicas: o cianato de prata e o cloreto de amônio, conseguira produzir uréia. Wohler rompeu a “barreira do organicismo”. A teoria de que somente a força vital era capaz de produzir substâncias mediante atributos sagrados e divinos, estava derrubada. Abriram-se as portas, não somente para se contestar o Vitalismo, como para se iniciar a produção de materiais sintéticos em substituição aos orgânicos, como as vitaminas e depois os hormônios, nascendo aí a farmacoquímica moderna.

Em 1858, o eminente médico alemão, Rudolph Virchow (1821-1902), pai da patologia, publica a sua obra, Die Cellularpathologie, demonstrando que a doença, em sua última origem, deveria ser procurada na célula. Com o uso do recém-criado microscópio, ele desvenda o diminuto mundo dos tecidos orgânicos, onde passou a identificar as patologias, afastando definitivamente a idéia de que estas se originavam de humores invisíveis. Afirmava o grande pesquisador que “a essência da doença é uma parte modificada do organismo, ou melhor, uma célula modificada ou uma junção de células”. Embora seja inegável o imenso avanço que Virchow propiciou à medicina, permitindo compreender a fisiopatologia no plano orgânico, suas concepções terminaram por alicerçar o materialismo médico, ao fixar na célula o substrato último da doença. A medicina partiu então no encalço das alterações celulares pretensamente responsáveis pelas enfermidades, a fim de corrigi-las, desviando-se de uma visão do todo, onde, certamente, se esconde a derradeira origem da patologia celular.

Com o predomínio do pensamento materialista, o Vitalismo é nesta época definitivamente banido da Medicina. As escolas de Berlin e Viena se juntam nesta nova idéia à escola francesa, influenciando de modo decisivo todo o pensamento médico moderno, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O Vitalismo começou a ser combatido na Alemanha e Hahnemann se refugiou na França, em 1835.

A escola francesa, embora embalada pelas novas idéias mecanicistas, felizmente sempre teimou em fazer ao contrário do que seus amigos anglo-saxônicos e deu guarida ao maior representante do Vitalismo na época: Hahnemann. Acolheu-o depois que sua presença foi indesejada na Alemanha, mantendo a Medicina homeopática em suas escolas e dando o impulso inicial à Homeopatia, que dali se difundiu para todo o mundo. Os oito últimos anos de Hahnemann foram vividos em Paris, para onde se mudou e aonde veio a falecer. A Homeopatia unicista, com seus avançados postulados, foi basicamente formulada na fase francesa da vida de Hahnemann, quando se dedicou a escrever sobre as doenças crônicas.

Na época, todo o saber médico se concentrava na Europa. As escolas de Viena, de Montpelier (França), de Palermo e de Berlin detinham todo o ensino da Medicina ocidental. Para lá se dirigiam os estudantes norte-americanos no fim do século passado e início do século XX, a fim de se formarem em Medicina. Nesta época Freud, a partir de 1850, inicia seus estudos do consciente, desdobrando um novo panorama para o entendimento da patologia humana, permitindo o desenvolvimento da psicologia e da Medicina Psicossomática. Antes disso a Homeopatia, através de suas patogenesias já havia descoberto o “campo mental” do homem e o estudava com critérios de totalidade. A escola freudiana, embora seguindo um caminho correto, encaixou-se na dicotomia analista da Medicina galênica, cnidia, enquanto a Homeopatia seguia, apesar das imposições contrárias, o Vitalismo e a totalidade da escola de Cos.

O VITALISMO NO SÉCULO XX

A partir dessa época, início do século XX, a história do Vitalismo passa a se confundir com a história da Homeopatia, embora coadjuvado por outras áreas do pensamento vitalista ocidental que continuaram sustentando e desenvolvendo-o, como a Teosofia e o Espiritismo.

Seguindo as pegadas da Homeopatia, o Vitalismo no final do século XIX acompanha as peripécias do médico austríaco, Constantin Hering. Por ser um brilhante aluno, foi encarregado por um de seus professores a defender uma tese contra a Homeopatia. No entanto, após estudá-la detidamente, deixa-se convencer pela sua veracidade e passa a defendê-la ardorosamente, tornando-se um homeopata. Era um missionário presbiteriano e por isso foi enviado em missão religiosa para as Guianas, trazendo consigo a Homeopatia para a América. Das Guianas mudou-se para os EUA e na Filadélfia criou a primeira escola americana de Homeopatia, no início do século, a Post-Graduate School of Homeopathy. Posteriormente transferiu-se para Chicago, onde fundou a Hahnemann Medical College and Hospital e depois a Hering Medical College. Aí se formou um dos mais eminentes e conhecidos homeopatas depois de Hahnemann: James Tyler Kent. Outro renomado homeopata que nos legou importantes obras, Henry Allen, formou-se também na escola médica de Hering, onde passou a lecionar. Kent criou a sua própria escola de Homeopatia em Nova York, deixando como seguidores nomes como Timoty Allen e Pablo Paschero, o famoso homeopata argentino.

Na América do Norte, até o início do século, as escolas homeopáticas e alopáticas conviviam de forma harmoniosa. A produção de medicamentos era artesanal e limitada. Foi quando o grande magnata americano, Rockefeller comprou 70% das patentes de remédios produzidos nos EUA e começou a produzi-los em larga escala, em forma industrializada. Aplicou na farmácia a produção em série de Henry Ford (o fordismo). O filho de Rockefeller continuou a idéia de seu pai e exerceu forte influência no governo americano, mostrando que as escolas médicas do país não seguiam uma padronização no uso de medicamentos e na formação dos médicos. Convencido da necessidade de se organizar e padronizar o ensino da medicina no país, o governo encomendou então a Abraham Flexner um estudo pormenorizado do perfil das escolas médicas e do exercício da profissão em toda a nação americana. Apesar de sustentar-se na idéia da necessidade de padronização do ensino e da prática médica, contam os bastidores da história que o lobby exercido pela indústria farmacêutica foi preponderante nesta empreitada, pois se necessitava de dar uma vazão, em grande escala de sua profícua linha de produção.

Abraham Flexner empreende em 1910 um amplo estudo sobre as escolas médicas americanas, demonstrando que, das 155 escolas existentes na época, somente uma delas, a Johns Hopkins School, de Baltimore, atendia as exigências levantadas pela indústria farmacêutica. Cria então um relatório, conhecido como Flexner Report (Relatório Flexner) que padronizou o ensino médico no EUA, segundo um modelo considerado científico. Conta-se que, sendo amigo íntimo de Rockefeller, quem detinha na época o poder econômico da indústria farmacêutica, convenceu-se das idéias do magnata que apregoava a necessidade de se produzir medicamentos confiáveis, através de uma linha de fabricação industrial, em detrimento da existente manipulação individual. Empregou seis milhões de dólares na instalação de seu programa de educação médica, mudando o panorama do ensino e da prática de saúde vigente. A Medicina, de uma formação geral, passou a empregar a especialização, a se basear no diagnóstico tecnológico e mecanicista e o tratamento passou a priorizar sobretudo a supressão da doença. A Medicina tornou-se um ato técnico e perdeu o contato com a alma humana, assumindo uma postura eminentemente galênica, em franco desacordo com os postulados vitalistas. A manipulação farmacêutica artesanal deixou de existir e passou a consumir-se em larga escala a produção industrial de medicamentos como pretendido inicialmente pelos seus magnatas.

O Relatório Flexner passou a ser padrão de ensino para as escolas médicas americanas e o governo cortou todos os subsídios das escolas que não obedeciam aos seus preceitos. Como a Medicina homeopática vitalista não se encaixava em seus postulados, foi assim varrida dos EUA e dos paises sob sua influência na América Latina, onde a Medicina flexneriana atua decisivamente até os nossos dias. A Homeopatia morria com a morte de Kent, em 1916, último dos grandes homeopatas americanos, aniquilada pelos novos padrões exigidos pela Medicina tecnológica nascente.

A nova Medicina devia utilizar medicamentos padronizados, produzidos em escala industrial e basear-se em avanços tecnológicos para curar. Estava sepultada a Medicina humanitária e intuitiva que priorizava a totalidade do doente, fixando-se o seu exercício, definitivamente, na tecnologia e no mecanicismo materialista. Com decisiva influência a mesma idéia foi implantada no Canadá e logo atravessava o Atlântico, agora em sentido contrário, devido ao seu grande sucesso econômico, rumo à velha Europa, onde enterrava definitivamente toda e qualquer concepção vitalista sobrevivente. Todo o mundo ocidental embalou-se nesta revolução médica que acompanhava a era industrial e tecnológica que se iniciava.

A Medicina flexneriana baseando-se no raciocínio mecanicista da doença, na especialização médica, no diagnostico técnico-laboratorial, na linguagem objetiva da anátomopatologia e nos medicamentos de produção industrial, pretensamente confiáveis, difundiu-se por todo o mundo ocidental, sob a influência do positivismo e do imperialismo monetário americano. Grandes grupos econômicos se consorciaram nos EUA para a produção dessa Medicina de vultosos rendimentos financeiros, formando os poderosos laboratórios que em curto tempo dominaram o cenário mundial de comercialização da saúde. A publicidade, a competitividade econômica e depois os grupos de seguros médicos tomaram, enfim, as rédeas de toda a prática médica. O médico passou a receitar medicamentos formulados industrialmente, segundo forte aparato propagandista e não simplesmente visando as reais necessidades do paciente. O exemplo máximo de que novos objetivos de interesse puramente econômicos passaram a conduzir a Medicina, encontra-se na história da vitamina B12, a cianocabalamina. Antes considerada uma substância de grande valor médico e indicação precisa, passou a comparecer largamente nos receituários médicos, aplicada em toda sorte de queixas e patologias, sem uma razão que justificasse tal abusivo uso. E se antes era utilizada em diminutas e eficazes doses da ordem de microgramas, suficientes para preencher toda a reserva hepática, considerada na ordem de 2000 a 5000 mcg, passou a ser prescrita em milhares de mcg diárias (15000 a 20000 mcg) muitíssimo acima de 1 mcg exigido diariamente pelo organismo. Um único e oculto objetivo movia tal pecado da prática médica: estimular o seu consumo para satisfazer a ganância de seus produtores, pois se descobriu que tão preciosa substância era um subproduto da produção de antibióticos e se acumulava em milhares e inúteis tonéis em seus laboratórios, necessitando transformarem-se em cifrões para a alegria de poucos e pesar de muitos.

Uma Medicina pragmática, rápida, passou a ver o homem como máquina de produção que não pode parar a fim de não dar prejuízos. Casou-se com o tecnicismo e o capitalismo, moldando-se à era industrial, mas perdeu a alma do homem. Uma Medicina que emprega seu esforço, sobretudo no ato supressivo da doença, em seu pretensioso ato curativo dos males humanos que, se são estancados momentaneamente, retornam depois agravados, avolumando sofrimentos e impondo ao doente sobrecargas financeiras e tóxicas de um quimismo artificial, muitas vezes nocivo à sua vida.

Sob a imposição do relatório Flexner e com o advento dos medicamentos de efetiva e imediata ação supressiva, como os antibióticos, os corticosteróides e outras potentes drogas, a Homeopatia entrou em decadência nos países ricos. Os grandes laboratórios passaram a dominar toda a prática médica, voltada para a produção de suas grandes fortunas, sem dúvida a indústria mais rendosa do mundo. O medicamento homeopático, desprovido de patentes e possuindo reduzido potencial de lucros, não se mostrou de forma alguma compatível com os interesses das grandes multinacionais produtoras de quimismos de moda. Cifras milionárias são consumidas na produção de medicamentos, que depois se tornam caríssimos para trazerem de volta seus altos gastos convertidos em lucros fabulosos. Servem por um tempo para logo depois se verem substituídos por outros ainda mais caros, mudando-se o panorama terapêutico como se muda a moda, sempre ávida de novidades e promessas miraculosas, que jamais se cumprem.

Com a revolução cubana em 1960 e a conferência de Punta Del Leste em 1961, os paises do Cone Sul adotam caminhos próprios para resolução de seus problemas de saúde, intentando desvencilharem-se parcialmente das escolas flexnerianas. Em obediência a estes novos e incipientes ideais, em 1968 algumas escolas brasileiras iniciaram a formação do médico generalista. A Santa Casa de São Paulo formou em 1969 a primeira turma destes profissionais mais voltados para as necessidades da população local, com vistas a um atendimento geral do paciente. Mas ainda não representava uma libertação da influência do tecnicismo e do poderio econômico das grandes indústrias farmacêuticas americanas. A Escola Paulista de Medicina, a Faculdade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro realizaram movimentos semelhantes, diante do impacto econômico que Medicina flexneriana exigia em seu exercício, totalmente dependente da importação de conhecimentos, de tecnologia e de medicamentos americanos, altamente dispendiosos para os países do terceiro mundo. Em Minas Gerais, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal adotou nesta mesma época um programa semelhante, implantado a partir dos anos 70 a formação de médicos generalistas, quando as grandes e tradicionais cadeiras médicas foram desfeitas e instituiu-se o Internato Rural, sob influência do pensamento socialista, remanescente nos meios acadêmicos.

Tais medidas, no entanto, não foram suficientes e nos dias atuais a moda na medicina segue, de forma preponderante, o especialismo norte-americano, com suas concepções e práticas puramente materialistas, voltadas essencialmente para o diagnóstico e a supressão de sintomas. Os avanços tecnológicos nos meios diagnósticos criam a necessidade de um número cada vez maior de especialistas, exigindo-se ainda o dispêndio de vultosas somas monetárias para o seu exercício. Chega-se ao ultramolecular, às cadeias genéticas, onde a Medicina se curva como o último elo da doença do homem.

A influência da formação flexneriana nas escolas médicas de todo mundo ainda é muito grande. Os EUA passaram a ser um exportador de tecnologia médica, sem dúvida importante, mas que fez do médico um mero leitor de análises laboratoriais, esquecido que tem diante de si um doente, que está enfermo sobretudo da alma. Os novos profissionais formados nestes frios academicismos tecnológicos ressentem-se, contudo, de uma Medicina humanitária e Vitalista, que lhe facultem visões mais abrangentes do ser humano. Cansados de tecnicismos vazios, sentem-se necessitados de uma Medicina filosófica, que estude o esfacelado homem moderno como um todo unitário e indivisível. Que considere a doença de suas partes como um desequilíbrio desse todo. Uma Medicina não somente vitalista, mas também social e psicológica, enfim uma Medicina que saiba ver e tratar a alma humana e recupere a relação médico-paciente, satisfazendo sobretudo os anseios dos enfermos, perdidos em complexas e frias máquinas de diagnósticos.

A Medicina defensiva dos EUA passou a ser um imenso obstáculo ao livre exercício da abordagem médica homeopática. Aí o Vitalismo encontrou sérios obstáculos em uma prática médica constantemente ameaçada por processos caríssimos. Enquanto o médico em outras partes do mundo, ao entrar um paciente, pergunta-se o que curar nele, nos EUA, ele se pergunta, como se proteger do paciente que chega.

No Canadá a Homeopatia é tolerada como uma prática de Medicina popular, mas proscrita para uso médico. Como ela não é reconhecida, o médico está proibido de exercê-la. Ou ele é médico ou é homeopata, ambos não se pode ser.

Na França e na Alemanha exerce-se uma Homeopatia médica, com certa aceitação pela Medicina alopática, no entanto sem um reconhecimento oficial. Nestes países, entretanto, o serviço público reembolsa os gastos com a Medicina homeopática. Na França a Homeopatia é tolerada, porque o povo francês respeita as liberdades de escolha pessoal e a simpatia popular a sustenta. Oficialmente se proíbe, no entanto, a prescrição de medicamentos acima da 12a diluição, pois não se pode comprovar que contenham alguma coisa. Na Inglaterra existe o Hospital Real, que forma médicos homeopatas e atende a população com Homeopatia, mas não conta com o apoio das associações médicas oficiais e estagnou-se no “organicismo”.

Na Índia, a Homeopatia foi levada pela colonização britânica, iniciada em meados do século XVIII e encontrou um campo fértil para crescer no misticismo indiano. Aí se edita atualmente quase a totalidade dos livros de Homeopatia publicados em língua inglesa e a Homeopatia é exercida em profusa mistura com a fitoterapia védica secular. Cerca de metade dos médicos neste país são homeopatas e reconhecidos pelo governo, tratando-se da nação com maior número de homeopatas do mundo.

Nos paises comunistas e ex-comunistas, a Homeopatia não teve acesso, pois foi bloqueada pelas ideologias socialista, que não viam com bons olhos todo movimento individualista. Pelos mesmos motivos que a psicanálise também não encontrou meios de difusão nestes paises, por estimularem um desenvolvimento da personalidade e a libertação de suas amarras. Atualmente pode-se, no entanto, encontrar três clínicas de Homeopatia na Rússia. No Japão e na China não se têm notícias da Homeopatia, praticamente inexistente, embora o Vitalismo aí sobreviva apoiado pela Acupuntura e pela milenar medicina chinesa.

Apesar das dificuldades a Homeopatia vem crescendo na Europa. Na Itália, a escola de Florença assimilou o unicismo argentino. A Espanha também foi buscar na Argentina, nos anos 70 e 80, as fontes mais puras da Homeopatia. Na Grécia o “engenheiro” Vithoulkas desenvolve uma Homeopatia de alto nível. A oficialização só ocorreu no Brasil, mas na Europa os governos, de modo geral, respeitam a vontade do povo e por isso toleram a Homeopatia dentro da Medicina oficial.

A Argentina herdou o unicismo kentiano através de Paschero que teve a sua formação nos últimos anos de existência da escola de Homeopatia de James Tyler Kent, nos EUA. O unicismo vitalista da mais pura tradição hahnemanniana foi aí preservado através de médicos que a mantiveram em seus padrões originais. Nomes como Pablo Paschero, Eizayaga, Candegabe, Dentinis, Maria Bandoel e Afonso Masi Elizaldi se projetaram no cenário homeopático contemporâneo, exercendo forte influência na formação do médico homeopata atual, sobretudo em nosso país. No México, Ortega também segue com uma Homeopatia de forte influência kentiana, porém menos expressiva do que a Argentina.

Vale a pena ressaltar a importância do pensamento do professor Afonso Masi Elizaldi que, embora tenha associado à filosofia tomista aos postulados da Homeopatia e por isso sendo combatido nos meios homeopáticos, promoveu importante reforma no pensamento vitalista na atualidade, que merece ser conhecido e discutido pelo seu alto valor filosófico e excelente primor técnico para a prática do Unicismo homeopático.

No Brasil, em 1975 o homeopata e professor argentino Eizayaga organizou um curso de Homeopatia em São Paulo, na Associação Paulista de Homeopatia, renovando a Homeopatia brasileira, estagnada no organicismo francês do início do século, trazendo para nossa terra a escola kentiana-pascheriana de Homeopatia. Isso estimulou um grupo de estudantes, no final dos anos 70 e início dos anos 80 a buscarem na Argentina, a então fonte mais pura da Homeopatia do mundo, fortalecendo sobremaneira esta ciência em nosso meio. O que era até então uma prática essencialmente organicista, sob a influência do pensamento francês, passou a ser exercida com os critérios do Vitalismo unicista. Até que em 1981 o CFM reconheceu-a como especialidade médica. Somos o único país da América a tê-la em nossos cânones oficiais. Em 1984, o ministro da Previdência Social, Valdir Pires, um paciente curado pela Homeopatia, simpatizando-se com o movimento de renovação promovido por essa Medicina, abriu a participação dos médicos homeopatas no sistema de saúde pública do país, embora com muitas restrições, mas já representando um impulso importante para a difusão da Homeopatia em nosso meio. Até então ela era conservada como prática popular, levada de boca em boca, trazida pelos nossos avós, exercida em receituários de centros espíritas, ocultando-se em um misticismo não científico, mas que a preservou até os nossos dias. Desta data em diante, ela passou a ser respeitada nos meios médicos e acadêmicos de nosso país e começou a ser exercida por médicos recém-formados, tornando-se uma moda no início dos anos 80. Atualmente cerca de 500 homeopatas são formados anualmente em nosso país, que já conta com mais de 10 mil médicos exercendo essa atividade.

O VITALISMO DE HAHNEMANN

            Hahnemann foi sem dúvida alguma o maior pensador médico vitalista depois de Hipócrates, no qual se inspirou. Graças a ele o Vitalismo sobreviveu até os nossos dias, apesar dos avanços da Medicina no campo orgânico. Em seu Vitalismo continuou e perpetuou as idéias de Barthez e de Von Haller. Em oposição a Hipócrates, entretanto, considerou a vis medicatrix nature impotente para curar o organismo, cujas ações não deveriam ser copiadas. Concebeu a força vital, pela qual somos governados, como superior à natureza inanimada dos corpos materiais, porém ela seria inacessível aos nossos sentidos. Selou sua união com o Vitalismo admitindo sua ação primordial na gênese da enfermidade do homem, dando-lhe expressão terapêutica. Utilizou o termo força vital como princípio, espírito e poder. Nos parágrafos 9 a 16 de sua obra principal, O Organon da Medicina, trata do princípio vital imaterial que coordena e anima o corpo, desenvolvendo ora uma concepção dualista, como a do parágrafo 9, ora unitária, como a do parágrafo 15.

Talvez tenha deduzido a realidade do Vitalismo ao se perguntar o que havia em seus medicamentos altamente diluídos, supondo que eles estivessem tão sutilizados a ponto de se tornarem apenas energias, por isso chegou a afirmar que seriam apenas essências espirituais (spirit like). Se o organismo respondia a essa essência era porque possuía a mesma natureza. Passa assim a apregoar a existência da energia vital e a ver as doenças como alterações dinâmicas dessa força imaterial, manifestada em nossa maneira de sentir e agir. Ou seja as enfermidades são de natureza imaterial, as modificações mecânicas e químicas são as conseqüências últimas destas alterações. Chega, mediante esses raciocínios, a conceber um novo conceito para o homem, como uma unidade governada por um espírito e animada por uma energia, a qual confere à dualidade corpo e alma uma unidade indissolúvel.

Constata a presença dessa força vital como uma entidade imaterial, isto é, como um agente agregado e unido à matéria, porém distinto desta, formando com ela um só organismo, atestando a veracidade do Vitalismo. Para ele a energia vital comporta-se como elemento capaz de manter a saúde, mas passível de desequilibrar-se pelas interferências de forças desarmônicas de igual natureza. Seria capaz de auto-equilibrar-se quando essas desarmonias são agudas, tendo porém ação limitada na auto-regeneração nas interferências de ação profunda e prolongada, levando ao aparecimento das doenças crônicas. No entendimento desde autor, seus desequilíbrios se dão a conhecer pelos sinais e sintomas percebidos no organismo como um todo, objetivos ou subjetivos. Toda patologia antes que se manifeste no físico se dá a conhecer nestas sutis alterações das sensações, que ele nos ensinou a perceber no enfermo.

Concebeu uma visão ternária e unitária do homem, composto de espírito, energia e corpo físico, concepção bastante arrojada para o seu tempo, estabelecendo nele a cabalística trindade apregoada nas chamadas revelações místicas e religiosas. Unidade vital indissolúvel que não separa arbitrariamente o fator espiritual do orgânico. O corpo é manifestação do espírito e a energia lhe mantém a unidade. A doença não é mero distúrbio do corpo do homem, mas um reflexo de sua própria essência e diz respeito à sua natureza energética e psíquica – conceito arrojado que ainda consumirá tempo para ser plenamente compreendido e se tornar a única realidade do fenômeno doença.

Seus medicamentos dinamizados, altamente diluídos, perderam toda a massa, mas são uma realidade inquestionável, passíveis de suscitarem interferências positivas no equilíbrio vital. Por estarem sutilizados a um grau de similitude com a força vital, podem interferir nesta, estimulando reações curativas.

            Estabeleceu em seus postulados vitalistas as propriedades da força vital, segundo os quais ela preserva e mantém a vida. É autocrática, onipotente, atuando por leis próprias, com poder absoluto sobre a constituição material, a qual submete às suas leis. Mantém em ordem os constituintes materiais do organismo vivente quando equilibrada mas, quando em desordem estabelece a enfermidade, responsabilizando-se assim pela saúde e pela doença. Não tem inteligência em seu funcionamento que seria puramente automático. É passível de se autoequilibrar e espontaneamente recuperar a sua própria harmonia. E quando desequilibrada torna-se suscetível de ser influenciada pelo meio.

E, finalmente, postulou que a saúde é um estado de harmonia da mente e do corpo que tem como única e precípua finalidade favorecer instrumentos sadios para que o espírito possa livremente conquistar os elevados fins de sua existência.

O VITALISMO DE KENT

Kent apresenta uma visão mais elevada e complexa do Vitalismo, baseando-o em conceitos estruturados no que ele chamou de substância simples (SS). Através deste pensamento a energia não tem existência independente, mas como tudo no universo, se encadeia em um ciclo de transformismo. Segundo esse genial pensamento, que seguramente nasceu das concepções filosóficas de Emanuel Swedenborg (1688-1772), do qual Kent revelou retirar seus conhecimentos, a criação se configura como uma teia de eventos intercomunicáveis e transmutáveis. Examinemos alguns de seus avançados conceitos, estabelecidos na 8a lição de seu livro Filosofia Homeopática, traduzidos em nossa linguagem atual:

Anterioridade – há alguma coisa anterior à energia que estabelece a sua formação e seu movimento. A gênese da energia não pode ser explicada por si mesma e necessita de um substrato que a sustente, cuja essência somente pode ser concebida como a natureza criadora e incriada de Deus.

Fluxo, continuísmo e transformismo – a SS é fruto de um contínuo fluxo de transformação, onde cada elemento gera um seguinte e é gerado por um precedente, em um ciclo de transformação criativa, onde o último se une ao primeiro, e o primeiro ao último, sem fim e sem começo. É o “bootstrap” referido atualmente pela física quântica, onde cada elemento subatômico, hoje considerado entidade abstrata, sustenta outro que termina por sustentar-se a si mesmo, conceito também chamado de interpenetração. Tudo penetra em tudo e tudo está em tudo. Neste Universo que é um emaranhado de eventos interpenetráveis nada tem existência isolada e tudo se sustenta em tudo, de tal modo que a criação, em última análise é uma teia unitária e conexa de eventos intercomunicáveis.

Evolução – “que devemos entender por fluxo?” – interroga kent, e ele mesmo responde: “devemos pensar em uma corrente, onde cada argola sustenta a seguinte e é sustentada pela anterior”. Há nesta concepção de fluxo, não somente a idéia de sustentação das primeiras para as últimas substâncias da criação, mas uma noção de transformismo evolutivo, onde uma entidade dá origem e suporta outra, como um pulso que carreia as menores e mais simples unidades para os maiores e mais complexos, formando todos os sistemas da criação. A Energia Vital, como uma SS atua por fluxo ou seja, interpenetra e transforma, induzindo a evolução do simples ao complexo, unindo continuamente a causa ao seu efeito último. Por isso a energia não é o princípio de si mesma, advindo da substância divina originária.

Telefinalismo – “Por meio da SS o Divino Criador pode empregar todo os seres criados e as formas para seus fins mais elevados” – é a SS que tudo impulsiona e a tudo imprime um telefinalismo, cuja origem e fim não temos outra alternativa do que imputar à vontade do Criador. O reino que habitamos está feito por Leis precisas e sábias que, se a ciência as identifica e as formula em exatas expressões matemáticas, não pode nos informar por que e por quem são feitas dentro de tal lógica. Não sabemos responder por que o princípio antrópico (pensamento moderno que preconiza que os princípios da física foram sintonizados com o nascimento da vida) parece ser uma das maiores expressões do Universo, ou seja, a criação conspirou, desde o seu início para que tudo se estabelecesse da forma como é hoje e o acaso não está encontrando mais lugar nas concepções modernas. Quando o Big-bang explodiu, as leis físicas já sabiam que caminho deveriam adotar a fim de permitirem muito mais tarde o estabelecimento da vida no seio do Universo. Por exemplo, quem determinou que a carga elétrica do elétron fosse exatamente a mesma do próton, se ambos têm massas cem mil vezes diferentes? Como as leis físicas atuam de modo idêntico nas distâncias incomensuráveis do infinito, se jamais trocaram informações sobre suas coerências e finalidades?

Essência primária – “Existe um Deus supremo, Ele é substancial, é uma Substância, a primeira de todas substâncias”. Kent nos afirma que Deus é o primeiro anel da corrente que sustenta todo o fluxo da substância, do máximo ao mínimo e do mínimo ao máximo. E assim o que está no macro também está no microcosmo. Um fluxo divino e incessante que mantém a unidade de toda criação está aí perfeitamente concebido. E desta forma a SS sustenta todo o mundo físico e energético, encontrando perfeita correspondência com o intrigante “quid” da física moderna. Essa essência primaria substancial é tudo o que existe e podemos entendê-la como a idéia ou potência que se move, uma força criadora, um “quê”, cuja origem não temos outra opção do que imputá-la a Divindade, pois não pode ter-se feito a si mesma. Por isso o fim está no princípio e o princípio está no fim, como nos ensinou a Cabala.

Harmonia – como o substrato de tudo que existe, a SS confere harmonia a tudo que tenha ou não forma, pois nada existe que não seja um composto de SS.

Poder – É a SS uma substância poderosa, que a tudo domina e confere a cada fenômeno a razão segura e objetiva de sua existência.

Inteligência formativa – ela dá forma a tudo que existe, tenha ou não formato identificável aos nossos olhos.

Individuação – a SS determina uma razão de ser para tudo o que existe, fazendo distinção de qualidades em tudo que existe, conferindo, portanto, individualidade a todo eu fenomênico, seja físico, químico ou psíquico. Desta maneira mantém a economia de todo reino mineral, vegetal e animal.

Ordem – mantém a ordem quer na matéria bruta, quer nos corpos vivos e por ela o próprio Universo é organizado.

Modificação – está sujeita a modificações e pode estar em ordem ou desordem.

Coesão – sem ela não há coesão das partes de uma unidade. A própria substância da gravidade é expressão de sua vontade coesiva. Sem ela tudo morre e tudo se desorganiza.

Limite – por ela todo fenômeno se mantém cerceado em seus limites de manifestação, de modo que cada individualidade do Universo está sempre em seu exato lugar.

Unidade – ela pode existir como simples e composta embora, quando em composição, cada SS mantenha a sua própria identidade. Umas dominam as outras para as suas próprias finalidades, explicando-se assim porque as coletividades se baseiam em compostos de unidades menores, do átomo às moléculas, aos organismos, as sociedades de organismos até as comunidades de mundos, sustentadas por unidades coletivas, do infinitamente pequeno ao incomensurável.

Adaptação – se conforma e se modifica segundo as necessidades de cada fenômeno.

Construtiva e destrutiva – umas são destrutivas a fim de que outras possam existir, mostrando-nos a existência dos eternos ciclos de renovação da natureza, onde tudo que nasce morre e tudo que morre deve renasce. Configurando-se um sistema cíclico em que a construção se alterna com a degeneração, a vida se antagoniza com a morte, num eterno reciclar de renovações constantes, pois a SS é indestrutível por sua própria natureza.

Graus diferenciados – tudo que existe possui graus diferenciados de SS. Nos graus mais interiores e sutis a SS constitui a vontade e o entendimento do homem, ou seja, a alma.

Como causa primária de tudo a SS está na saúde e na origem de todas as enfermidades. Dinamizamos nossos medicamentos para chegar às suas SS – a essência formativa – e com isso poder interagir com a SS formadora do ser em seus desequilíbrios mais ínfimos.

A SS está fora do tempo e do espaço, não pertence ao “reino das matemáticas”, não pode ser medida, portanto está inacessível à nossa capacidade atual de averiguação, cuja existência somente pode ser deduzida pela razão.

E finalmente Kent nos apresenta a SS constitutiva da energia vital como o vice-regente da alma que por sua vez é também uma SS. Na saúde mantém o corpo animado e funcionando em perfeita ordem e aprimora as suas faculdades. Sendo de mesma natureza da alma, pode ser perturbada pela vontade e entendimento do homem quando mal direcionados.

O 8o capítulo da Filosofia de Kent continua em uma profusão de conceitos que não podem aqui ser abordados em toda a sua complexidade. Vale meditar neste intricado capítulo confeccionado no mais puro Vitalismo, sem deixar que os preconceitos de toda natureza que nos compõem o saber interfiram na interpretação de seus elevados preceitos.


O VITALISMO NO FUTURO

O futuro seguirá vendo a Homeopatia insistindo na união do Vitalismo com a medicina, elevando-a a nobre ciência à condição de uma filosofia que cura. Será considerada a parte até que novos avanços científicos venham comprovar os seus ricos postulados, como sempre aconteceu em todos os momentos da história do pensamento humano. A Medicina, com o seu desiderato nobre, porém doente de especialismos e fragmentada até a sua dispersão máxima, continuará esfacelando o homem até perdê-lo completamente no emaranhado molecular, onde pensa encontrar a justificativa para todos os seus males e necessitará do Vitalismo para recompô-lo e refazer a sua trajetória, diante do fracasso dos pressupostos materialistas na promoção da saúde plena. Hoje a matéria perdeu o seu sustento nos substratos físicos que, sendo energia pura, não mais existem. O materialismo privou-se de seu apoio e sem onde se fixar, irá morrer para dar lugar a uma nova visão da realidade, estruturada, não na aparente solidez de partículas, mas nos processos que as confeccionam, frutos de uma Mente Divina, acima de todas as nossas conjecturas. A física já se deu conta disso e em seu futuro já marcou o seu reencontro com a Teologia e para lá se dirige a passos largos, pois não tem outros caminhos a seguir. Os questionamentos empreendidos no final das pesquisas da natureza da matéria e da origem do Universo são por demais intrigantes para que se respondam a si mesmos.

Incorporado à visão moderna da física, Fritjof Capra nos encanta com seus conceitos avançados, destituindo-nos de toda concepção materialista, apresentando-nos a dança atômica como um bailado de dançarinos que na verdade não existem, deixando como realidade apenas a dança, o movimento, a única essência irreal da realidade que nos sustenta.

Hoje um espiritualismo crescente sustenta a Homeopatia e seu Vitalismo. Há algo além de um amontoado de carnes no homem, grita os anseios da alma, angustiada pelo materialismo frio que, se nos deu conforto, assassinou em nós a crença no espírito. Mas este, como Fênix renascido das cinzas, irá ressurgir, pois os séculos vindouros não se estagnarão em fantásticos tecnicismos, mas verão a era do espírito se implantar na Terra, quando o homem, realizando a mais surpreendente de suas descobertas, deparar-se-á com a sua própria alma, desnudada diante de si mesmo.

Nos dias atuais a energia é o novo ponto de apoio do mundo e não mais a matéria, que na verdade não existe. A Medicina sem dúvida irá também caminhar para essas novas considerações, descobrindo que um campo de forças sustenta o ser vivo, pois se o átomo é um emaranhado de forças poderosas, que se dirá da consciência que é vida? Já se estuda em meios científicos, ainda considerados alternativos, a existência de um corpo de energias no ser vivo, chamado modelo de organização biológica, estruturado em linhas de forças, confeccionando um verdadeiro campo biomagnético ou campo-psi. Acredita-se que os registros kirliangráficos são detecções desta unidade ainda imperscrutável pela ciência do homem, mas já há longo tempo estudada e perquirida pelas ditas ciências ocultas.

Uma Medicina energética se esboça em diversos rincões do pensamento humano, praticada sob diversos nomes, seja Reiki, fluidoterapia, Acupuntura e outras correntes que já compreendem a doença como uma pulsão energética alterada que somente pode ser corrigida em sua origem. O naturalismo crescente na mentalidade popular fala do homem cansado de tecnicismos e quimismos artificiais que deprimem e menoscabam as suas mais puras intenções de viver uma existência livremente saudável. Viver segundo a natureza será moda e necessidade imperiosa de sobrevivência no futuro próximo, não tenhamos dúvida disso, pois a vida e suas prerrogativas falam mais alto do que todas as teorias juntas.

Recentemente estão surgindo novos estudos e pesquisas no campo da biologia procurando por novas explicações, não veiculadas ao “acaso científico”, para o aparecimento da vida na Terra. O ser vivo é inquestionavelmente o fenômeno mais complexo do Universo e, ao contrário de rochas e nuvens, eles exibem qualidades e habilidades intrigantes que, para alguns pensadores da atualidade chamados neocriacionistas, são obras de um requintado projeto, denominado Planejamento Inteligente. Enquanto a crença derivada das idéias de Darwin afirma a criação da vida por ato aleatório dos elementos químicos submetidos à seleção natural, eles acreditam que o mais lógico seria admitir a existência de um desenho inteligente se imprimindo na matéria, tornando possível a sua alta complexidade e a repetição em padrões sempre idênticos.

Um dos defensores desta nova idéia é o bioquímico Michael Behe que se apóia nesta nova concepção chamada também de complexidade irredutível, segundo a qual um sistema orgânico existe e funciona somente quando perfeitamente integrado ao todo que extrapola o seu âmbito de atuação. Um exemplo é o olho humano que não é uma peça encaixada, porém parte da execução de um programa que envolve vários componentes do organismo, perfeitamente integrados à vontade de um comando central. Como o olho humano, todos os órgãos fazem parte de um programa unitário que conhece finalidades que vão muito além do funcionamento isolado dos componentes orgânicos. Para compreendermos isto basta imaginarmos como funciona uma simples ratoeira – ela não é uma organização aleatória de peças, porém um instrumento habilmente planejado por uma inteligência fora dela, onde cada parte cumpre uma função de conjunto, visando a uma precípua finalidade: pegar um rato. Cada componente isoladamente, como a base de tábua, a mola, a haste de ferro e o queijo são elementos simples que não respondem isoladamente pela função conjunta e última, somente conhecida por quem a arquitetou e, portanto, sua complexidade global não pode ser explicada pelas suas partes. O reducionismo cartesiano é dessa maneira formal e finalmente descartado como o modelo para tudo se explicar. O mundo orgânico, a nível celular e bioquímico, está repleto de complexos sistemas irredutíveis, precisos e interdependentes que somente funcionam e se explicam mediante um planejamento inteligente que extrapola os seus limites de atuações.

São Tomás de Aquino usou exatamente este argumento, o intricado mecanismo da vida, para provar a existência de Deus e já utilizava o conceito de complexidade irredutível para justificar que há algo muito além de um conjunto de órgãos atuando na unidade dos seres vivos.

Em decorrência destas novas idéias é que o darwinismo, baseado em mutações completamente aleatórias, realçando a falta de propósitos e de intenção no processo evolutivo, está sendo atualmente contestado em determinados seguimentos do mundo científico que se negam a aceitar que o “acaso” tudo pode e soube organizar a vida no planeta com a alta complexidade em que se encontra hoje, produzindo seres de altíssimo funcionamento inteligente e sistemas irredutíveis, como somos nós mesmos.

Podemos vislumbrar a morte do materialismo biológico mais rápido do que imaginávamos e novos e alvissareiros caminhos se despontam no horizonte humano. Em breve, acreditamos, o pensamento vigente retornará ao Vitalismo pela falácia das concepções materialistas em justificar todos os intrigantes fenômenos da vida e a existência do Universo. Embora semeadas em um século de estonteantes avanços científicos e alardeadas como verdades inquestionáveis, não se coadunaram com a realidade dos fatos, quando melhor observados em seus intrínsecos funcionamentos.

Por tudo isso, acreditamos que o futuro traz em suas mãos o retorno ao Vitalismo para a cura da Medicina doente de materialismo, para que ela não sucumba com a inevitável morte deste. O porvir da compreensão do que realmente é o homem e seu telefinalismo está nas íntimas expressões do espírito, única e inquestionável realidade que não somente mantém a vida, como sustenta e justifica a própria existência do Universo. Aguardemos!

À MANEIRA DE UMA CONCLUSÃO

Após esta caminhada, estamos capacitados para responder nossa primeira pergunta: o que é a vida? Naturalmente que não, porém uma consideração de ordem monística se precipita, antecipando as conclusões, que certamente o futuro nos ofertará.

O monismo com que a criação parece ter sido entretecida, nos leva a considerar no Universo em que vivemos, a existência de três nítidos elementos: o espírito, a energia e a matéria. O primeiro, além de ser constatado nitidamente em nós mesmos, se revela em seu aspecto conceptual, que funciona como um conjunto harmonizado de leis. O Universo se comporta como se possuísse uma grande mente, que conhece as razões de seu próprio existir e de seu telefinalismo. Ele possui energias, que incidem em forma de irradiações em seus infinitos rincões, enchendo-o de movimentos e dinamismos. E, finalmente tem o seu incontestável arcabouço estrutural que chamamos matéria. Três aspectos inerentes à sua própria natureza e que parecem refletir a trindade divina de que nos falaram as revelações: pai, espírito santo e filho – o criador, a vontade e o criado, correspondendo ao espírito, energia e matéria.

Três elementos que coexistem, compartilhando o existir, em proporções diferenciadas. Na matéria bruta o elemento massa é preponderante, o energético existe como coesão e o espírito é mínimo, imperando como princípios de funcionamento. No elemento energia a massa é mínima, a potência é máxima imperando como vontade de caminhar e realizar trabalhos, e sua alma é o conhecimento que tem de sua trajetória, sua lei intrínseca. Quando, entretanto, prepondera o espírito sobre a eterna trindade, uma nova propriedade se manifesta: a vida. Onde impera o espírito, produz-se uma consciência de si mesmo, o fenômeno ternário pode dizer “eu sou” e passa a existir em outra dimensão até então desconhecida: a dimensão consciência, seu maior atributo.

A vida é o produto desse novo modo de existir do terceiro elemento, que confere consciência e conhecimento de si mesmo em novo padrão de auto-organização. A trindade permanece, a energia que antes era simples impulso, se converte em intenso dinamismo vital, fazendo imperar marcado regime de trocas. A matéria, que era bruta e inanimada, é vivificada por esse dinamismo vital, renovada como uma veste de alto impulso metabólico e constante renovação, a que chamamos organismo. Eis a vida, não um diferenciado mecanismo da criação, mas simplesmente o amadurecimento daquilo que já existia como potencial desde o nascimento da matéria, atributo divino que nela se inseriu como propriedade da própria essência imanente que tudo criou.

Por isso a vida não se distingue no ser biológico, mas é atributo da natureza da substância de que se constitui a própria criação. Por isso é vivo o átomo que se auto-organiza, é viva a energia que se irradia, procurando contatos, é vivo o Cosmo que palpita de anseios de crescimentos e telefinalismos.

Chegamos assim a mais precisa definição de vida que no momento nos é possível: é a manifestação preponderante de uma intrínseca propriedade de uma substância presente em todo o Universo, a que chamamos espírito. Essência primária, que desperta em meio aos outros elementos inseparáveis que constituem a substância da criação e cria para si um ambiente dimensional próprio, a consciência, no qual se move, se expressa, se elabora e se dilata rumo a realizações ainda desconhecidas. Por isso vida é consciência, o mais elaborado fruto que o exercício do existir produz. Em constante e permanente elaboração de crescimento, da matéria ao ser orgânico, chega ao seu extrato purificado, o pensamento, tomando consciência de si mesmo e da criação que o rodeia e o acolhe, podendo, enfim, proferir o “eu sou”. Um “eu sou” menor que passa a gritar o íntimo anseio do reencontro com Aquele que é o “EU SOU” maior, começo e fim dele mesmo e de tudo que existe, para Ele dirigindo-se apressadamente.

Questionar, portanto, a essência e a razão da vida, é questionar a natureza inquestionável da própria Divindade que a constitui e a sustenta como máxima realização de Sua Vontade.

            Na concepção substancial da criação, concebida por Kent em seu vitalismo monísta, tudo é feito de substância e esta traz, por herança divina, a propriedade intrínseca de sua essência, a possibilidade de se manifestar como vida. Na substância em forma de matéria bruta, tal propriedade está presente, embora de forma mínima, e no espírito é máxima em sua plenitude de realização, manifestando-se com consciência. Por isso a vida é expressão da substância da Criação, faz parte desta, por fazer parte da própria constituição da Divindade e questionar as razões de sua existência e de sua essência é questionar as razões da existência do próprio Criador, que por definição é VIDA.

Belo Horizonte, setembro de 2008

Gilson Freire

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