Arquitetura Cósmica - Introdução

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Em busca da Visão Monista do Universo

"É indispensável que o homem englobe em si a visão do universo, e nela atinja as mais profundas concepções da vida" - Pietro Ubaldi (A Grande Síntese)

Um pai relatava ao filho de sete anos que um dia Deus criara o universo. Este, porém, mais que depressa, respondeu indignado:

– Que é isso papai, deixe de ser bobo, quem criou o universo foi o big bang.

O pobre pai, desconcertado, somente pôde sorrir sem graça, sem nada conseguir retrucar ao menino, sentindo-se premido pelos novos tempos para os quais já não se via preparado, pois nada entendia desse tal big bang.

Sem dúvida, não podemos impedir que uma certa dose de angústia nos oprima o peito, ante esse estranho e verídico diálogo atual, temendo pela vitória absoluta do ateísmo em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que admiramos a expressividade e o alcance da ciência na formação da mentalidade infanto-juvenil de nossos dias. Embora a ciência não possa ser condenada em sua lídima busca da verdade, é inevitável reconhecermos que muitas de suas descobertas estão permeadas por uma sofismável persuasão, perante a qual, assustados com os seus alardes de cientificismo, não somos capazes de formular o mais simples dos argumentos: mas se o big bang criou o universo, quem criou o big bang?

Os nossos dias assistem aos homens mais ilustres e capacitados do mundo debaterem-se em busca das causas primeiras do universo e da vida, movidos por incompreensível teofobia, em uma sociedade onde pronunciar o nome do Divino tornou-se impróprio ao saber acadêmico e sinônimo de ignorância. Ainda que se considere imparcial, é inegável que a ciência, fixada em renitente materialismo, sempre se recusou a admitir a existência de um Criador atuante na natureza. O famoso físico Stephen Hawking, tido como o pensador mais brilhante da atualidade, declarou que: “Ou encontramos explicações científicas para os mistérios do universo ou teremos que aceitar que ele é uma criação de Deus”. Tal exótica afirmação demonstra a incompreensão e a ignorância da epistemologia moderna ante o incontestável fato de que as leis que regem o cosmo somente podem ser produtos da inteligência divina, a qual a ciência simplesmente cuida de estudar e compreender.

Ante tal disparate, não é justo que subordinemos nossos filhos a essa estranha e evasiva mentalidade hodierna, sob o domínio de uma pretensa sabedoria que não corresponde às mais íntimas aspirações que nos movem a alma.

Indignados perante o absolutismo científico que, enfatuado de análises inconclusas, retirou Deus da história do universo, sentimos a necessidade da divulgação de conhecimentos outros que venham a satisfazer aqueles que, como nós, mesmo sem ser cientistas, desejam saciar a natural curiosidade sobre os fundamentos de tudo o que existe e de nossa própria origem, sem negar as genuínas descobertas da ciência e tampouco desfazermo-nos das revelações de ordem mística que venceram os tempos.

Neste encalço, formulamos as seguintes questões que tentaremos responder ao longo do nosso trabalho: de onde vem o universo em que vivemos? Quem ou o que o criou? Como é a sua macroestrutura, ou seja, será possível aproximar nossa visão de sua completa e intricada geometria conceitual? Qual é o enredamento microscópico que o sustenta? De onde vêm os seus elementos constitutivos? Será que sua complexidade global é oriunda de uma poderosa mente que o domina, inserida em sua própria intimidade e, ao mesmo tempo, o extrapola em suas ilimitadas fronteiras? Se ele parte de uma arquitetura premeditada por um Criador, qual é, enfim, o seu telefinalismo e para onde nos conduzirá? E quais são os seus intrigantes contornos? Terá sido ele ingênito, existido de todo o sempre e por isso será eterno, estendendo-se pelo ilimitado, ou foi criado um dia? A arqueadura do espaço e a curvatura do tempo são, de fato, os seus limites? Caso sejam, como responder a inquietante interrogação: o que há além de suas dimensões encurvadas?

E, além disso, qual o papel do homem, da sociedade e da própria vida no contexto cósmico? E o que nos espera depois da morte e em que paragens universais nos projetaremos no futuro, caso sejamos eternos?

Perguntas como estas sempre foram suscitadas pela curiosa mente humana, fundamentando o nascimento da religião, da filosofia e da ciência em todos os tempos, com o precípuo intento de lhes dar respostas convincentes. Em seu conjunto, elas compõem um corpo de teorias e hipóteses de natureza mítica, teológica ou racional que se denomina visão de mundo. Também chamada cosmovisão ou mundividência, a visão de mundo tornou-se assim o esteio onde se sustenta o pensamento humano. E cada povo, em cada época, tratou de criar sua típica visão de universo segundo a qual se buscava compreender e visualizar a arquitetura da criação, fazendo da cosmologia parte integrante de todas as culturas da Terra. Histórias que não encontraram o seu término por lhes faltar comprovação e continuam recebendo constantemente novos capítulos, agora escritos, não pela fantasia humana, mas sim pelas teorias de caráter científico.

Sem perder de vista as legítimas conquistas do racionalismo moderno que, a despeito de ainda se acharem incompletas, estão aderidas à realidade de fatos que não podem ser questionados, utilizar-nos-emos como orientação básica para o nosso trabalho a ciência espiritualista, em busca de uma mais abrangente visão da arquitetura cósmica, compatível com a razão amadurecida de nossos dias e onde poderemos encontrar as soluções mais plausíveis para todas as questões que Deus, o universo e a vida nos suscitam.

Como toda análise que se propõe a ser sincrética e prospectiva necessita conhecer o passado para compreender o presente e projetar-se devidamente no futuro, penetraremos nas grandes correntes filosóficas de todos os tempos em busca do que pensávamos no pretérito e o que pensamos hoje, na intenção de vislumbrar, até onde nos é possível, a forma global e envolvente dessa fantástica estrutura cósmica que a tudo alberga, pois é angustiante ignorar completamente o feitio da própria casa em que se vive.

Empreenderemos assim uma larga caminhada por entre as cosmovisões construídas ao longo da evolução do pensamento humano, procurando compreender melhor as questões sobre a origem e a conformação da criação, colecionando as principais hipóteses aventadas até hoje, em busca de uma apreciação mais compatível com aqueles que continuam pensando que Deus não perdeu o seu lugar na história do universo.

Dos primitivos mitos da criação, os mitos cosmogônicos, passaremos pelas concepções evolucionistas materialistas e espiritualistas, para chegarmos aos avançados conceitos do criacionismo quântico da atualidade. Além de procurar enxergar a casa cósmica em uma visão macroscópica, nos esforçaremos também para compreender a sua conformação nos degraus mais ínfimos de suas bases microcósmicas. E depois de discutir as mundividências ao nosso alcance, intentaremos redesenhar a geometria da criação sob uma visão holística, conceitual e unitária, a visão monista, até onde nos permite a nossa atual capacidade intelectiva, com o indispensável auxílio do grande filósofo Pietro Ubaldi (no cap. “O pescador de almas”, na parte V do nosso trabalho, o Leitor irá encontrar maiores detalhes da vida desse grande pensador), principal fonte de nossas informações.

Destarte, apressamo-nos a alertar o Leitor amigo que, nesta exegese, não trazemos originalidade alguma e apenas cuidamos de ordenar ideias que não são nossas, observando-as sob um diferenciado prisma através do qual muitos estudiosos possivelmente ainda não tiveram a oportunidade de apreciar. E se, para muitos, os belos conceitos monistas aqui apresentados parecerem inusitados, garantimos-lhes que todos são pertinentes unicamente ao mentor de nossas confabulações, Pietro Ubaldi, a quem devemos todo o alarde de pretensa sabedoria que porventura possa transpirar dessa nossa modesta composição.

Trafegando por extensos territórios de conceitos, contudo, priorizaremos aqueles que participaram ativamente e continuam integrando o pensamento ocidental, ou seja, o cristianismo, o materialismo científico e o espiritismo, os quais enquadraremos nas duas grandes visões arquitetônicas da criação que ainda sobrevivem até os nossos dias: a criacionista e a evolucionista.

A arquitetura criacionista é a cosmovisão que identifica os seres vivos e o universo físico como criações divinas, feitas tais quais se encontram hoje, negando-se formalmente a existência de qualquer processo evolutivo atuando em seu âmbito. As escolas que defendem tal ideologia atualmente se restringem ao fundamentalismo teológico cristão e islâmico. De acordo com o primeiro, por exemplo, a criação se deu tal qual descrito no Gênesis bíblico, ou seja, no período de seis dias, a partir do nada e há aproximadamente 10.000 anos, quando todos os seres vivos tiveram geração independente, por ato divino e se mantêm biologicamente imutáveis até os dias de hoje.

Já a arquitetura evolucionista é o arranjo conceitual do universo, de origem filosófica e científica que se opõe formalmente ao criacionismo, admitindo que o cosmo é fruto de um processo evolutivo de ordem casual, dispensando-se um Criador para ele. Tal visão se baseia em princípios de natureza científica, oriundos das descobertas de Jean Baptiste Lamarck e Charles Darwin. Este último, especialmente, pesquisando no campo da Biologia, revolucionou a história do pensamento humano ao admitir que o homem se originou dos antigos primatas, negando explicitamente o criacionismo tal qual proposto pelo Gênesis mosaico. A publicação de sua obra, A Origem das Espécies, em 1859, estabeleceu, de modo quase definitivo, a separação entre a ciência e a fé, união já profundamente abalada desde a condenação de Giordano Bruno à fogueira e Galileu Galilei à prisão perpétua, no século XVII.

O evolucionismo marcou o pensamento do homem no século XX e contribuiu decisivamente para o sepultamento das teorias religiosas sobre a origem do homem e do universo, uma vez que suas avançadas e lógicas hipóteses, extrapolando o âmbito da Biologia, se propuseram a explicar também a formação do cosmo, dispensando-se especulações de ordem metafísica para justificar a sua origem.

Na Era Moderna, em meio às ortodoxias religiosas adormecidas no indiferentismo e ambientado no mesmo cenário do evolucionismo científico, encontramo-nos com o pensamento espírita, sobretudo em nosso país, onde cresce com inigualável vigor, fazendo frente ao materialismo vigente com a mais poderosa crença no espírito e na imortalidade. Descortinando novos panoramas para o homem, ele se estabeleceu como uma nova doutrina de caráter religioso, científico e filosófico que remodela, sob a perspectiva de uma fé racional, a visão do mundo segundo as matrizes reencarnacionistas e a evolução das almas. Visão que denominamos arquitetura evolucionista espiritualista a qual veio enriquecer com brilhantismo o evolucionismo darwiniano.

Todavia, na busca da visão global da realidade fenomênica em que vive, o homem, incapaz de percorrer uma via unitária de pensamentos e reconhecer a parcela de verdade que cada revelação lhe traz, perdeu-se em um cipoal de análises intermináveis que a lugar algum o conduziu. Continuando a expressar no campo das ideias o seu secular instinto guerreiro, fez da nobre procura do conhecimento uma batalha de antagonismos e imposição de doentias hegemonias, suscitando rivalidades e entrechoques contraproducentes onde todos são derrotados. Em meio à luta, o pensamento unitário da verdade se partiu em incontáveis fragmentos, detendo cada qual, inexoravelmente, uma parcela da realidade maior. Criacionismo e evolucionismo subsistem como ferrenhos inimigos, prontos a se digladiarem. Em alguns estados norte-americanos, como Arkansas e Louisiana, intenta-se inclusive, por meios legais, impor o primeiro em detrimento do segundo. Nos templos religiosos defende-se com veemência o primeiro como única realidade, como se Deus necessitasse de ser legitimado para continuar regendo o universo, enquanto que, nas cátedras universitárias, os eruditos, ditos cientistas, se horripilam ante as abolorecidas e aparentemente inúteis teses teológicas.

Entrementes, no palco da ciência, a irrequieta mente humana, continuando a inestancável aventura do conhecimento e depois de acumular um número fantástico de informações, depara-se na atualidade com as enormes incongruências semeadas pela incapacidade de síntese da visão analítica e mecanicista da vida. No cenário da Biologia despontam os neocriacionistas, insatisfeitos com as parciais soluções apresentadas pelo neodarwinismo e as lacunas que a teoria da evolução ainda deixa estampadas. Novas propostas de entendimento, como o equilíbrio pontuado, o planejamento inteligente, a complexidade irredutível e o princípio antrópico suscitam a existência de uma organização superior além da matéria conduzindo o processo da vida, revelando incoerências em conceitos antes considerados definitivos pela ciência ortodoxa. No terreno da cosmologia moderna e com o avanço das pesquisas nos rincões do infinitamente pequeno, deparam-se os cientistas com a gênese quântica da matéria a partir de um profícuo e inexplicável vácuo, fazendo recrudescer a ideia criacionista ao sugerir a existência de um universo imponderável escondido nas dobras do vazio de onde tudo provém, forçando o pensamento humano a admitir a mesma realidade metafísica já apregoada pelas revelações religiosas de todos os tempos.

Portanto, caro Leitor, se você, como um ateísta moderno, estava convencido de que a busca da verdade compete unicamente ao âmbito da ciência e que Deus continua sem lugar na história do universo, convém mudar a sua disposição íntima, pois estamos muito perto de admitir a interferência de uma preponderante Força teogônica na gênese do cosmo e da vida. Saiba que os materialistas não estão mais tão cômodos em suas fátuas posições, uma vez que se estancaram em uma insuperável imponderabilidade ao atingir as fronteiras do infinito, tanto no micro quanto no macrocosmo. E o arrogante agnosticismo não poderá se sustentar por muito mais tempo, pois continua sendo-nos lícito querer compreender como pode um “nada” físico e impessoal determinar princípios sábios e poderosos para a condução da fenomenologia universal, criando objetivos exatos e medidas precisas para executá-los. Ora, a lógica nos diz que um vazio tão recheado de inteligentes potencialidades criativas deverá admitir, por sua vez, uma intencionalidade que o gere e o guie. Por conseguinte, a ciência não poderá nos dar a última palavra sobre a cosmogênese e a estrutura da criação sem acolher hipóteses teológicas em suas avançadas teorias, devendo abrir-se a todas as possibilidades que não firam a lógica que nos assiste no momento.

Para isso, precisamos de um urgente diálogo entre a fé e a ciência, pois não se pode mais ignorar suas recíprocas relações na composição integral da verdade. A ciência nos deu surpreendentes comodidades, é bem verdade, mas nos deixou o coração álgido ante os inquietantes mistérios da vida, despertando em nós insolúveis dúvidas. As grandes religiões do Ocidente nos proporcionaram um saber místico na tentativa de nos acalmar a ânsia pela verdade, entretanto, não são mais capazes de nos satisfazer o intelecto amadurecido por terem perdido o contato com a realidade objetiva em que respiramos na atualidade. Prova isso o fato de que hoje a afirmação científica é muito mais meritória de confiança do que as revelações fideístas. Com isso, estamos órfãos de genuínos conhecimentos que nos saciem verdadeiramente a alma. Como nos afirma o astrônomo inglês John Barrow: “Os teólogos julgam conhecer as perguntas, mas não conseguem entender as respostas; os físicos acreditam saber as respostas, mas não compreendem as perguntas”. Quem poderá aproximá-los, depois de quatro séculos de ferrenhas contendas e recíprocas intolerâncias?

Enquanto ciência e religião, fixados em seus preconceitos e acomodados em suas cátedras e púlpitos, não se permitem tal união de esforços, trataremos nós de fazê-lo, com a ajuda de Pietro Ubaldi, procurando abordar todos os aparentes antagonismos em que se debatem as visões de mundo do homem na atualidade, intentando apresentar ao Leitor um roteiro seguro onde acomodar o seu anseio natural por síntese. Sem negar o que há de positivo e útil em cada umas das correntes que assistem o nosso progresso, tentaremos resgatar o que há de verdade em todas elas. Não trazemos, por isso, novas e surpreendentes revelações e nem pretendemos desvendar os grandes mistérios que ainda permeiam a criação, mas apenas mostrar como os ensinos do maior filósofo do século XX podem contribuir com uma mais clara compreensão do universo e a antevisão de seu contorno final, em uma cosmogonia de ordem transcendente e unitária que denominamos arquitetura monista da criação.

O substrato ideológico em que nos apoiamos, o monismo (do grego monás, unidade) é uma doutrina filosófica que se fundamenta na existência de uma substância única, da qual tudo deriva, opondo-se ao dualismo e ao pluralismo que apregoam a formação da multiplicidade universal em base a duas ou mais essências independentes, como espírito e matéria, por exemplo. A concepção monista, na verdade, não é exclusiva de Ubaldi, pois muitos outros grandes pensadores da história contribuíram para o seu estabelecimento em nosso meio, como Plotino, Santo Agostinho, Giordano Bruno e Spinoza. O monismo de Ubaldi guarda peculiaridades que o distinguem dos outros pensadores dessa mesma escola, contudo, nos eximiremos de um estudo detalhado que possa identificar as particularidades de cada um deles, por extrapolar o nosso objetivo atual. Entrementes, as matrizes do monismo ubaldiano, no qual nos fixaremos, serão abordadas pormenorizadamente no seu capítulo específico, devendo o Leitor aguardar a sequencia da leitura para compreendê-lo de uma forma mais abrangente, embora antecipadamente a ele nos tenhamos referido diversas vezes. Por ora é suficiente compreendermos que seu pensamento monista é essencialmente espiritual, uma vez que a substância que ele apregoa ser a unidade formativa da criação é uma exclusiva expressão da mente divina, submetida a ínsitos princípios unitários e universais de funcionamento.

Ainda que a tarefa nos pareça impossível, procuraremos demonstrar que a abrangente visão monista de Ubaldi resgata o conceito de um Deus criador, ou seja, o criacionismo secular, sem negar a verdade inconteste do evolucionismo hodierno. E, unindo teses e antíteses numa elevada dialética espiritual, nos capacitamos a alcançar a visão síntese em que se desenha a geometria cósmica, satisfazendo-nos o natural desejo de discernimento. Dessa forma, efetivaremos uma das mais importantes reconciliações que o homem moderno, urgentemente, deve empreender: a união das duas irrevogáveis e aparentemente contraditórias teorias sobre a macroestrutura da criação que chegaram até os nossos dias, o criacionismo e o evolucionismo, justificando-se a exata posição de cada uma delas no arranjo do Todo.

Atingindo um superior nível de compreensão, terminaremos descobrindo que ambas as propostas nos conduzem a idênticas conclusões e falam de uma mesma e grande verdade. E reconheceremos que todas as mitologias, todas as revelações teológicas e todas as hipóteses científicas, por mais díspares que nos tenham parecido, sempre foram genuínas expressões de uma única realidade que se fracionou em partes inconcludentes, cuja amplidão o pensamento de Ubaldi foi capaz de abranger em sua totalidade.

No passeio por essa densa floresta de ideias, tratamos de aplicar a mesma metodologia que aprendemos de Ubaldi, ou seja, a caminhada em espiral, retornando assim propositadamente às mesmas apreciações já aventadas, a fim de elevá-las a uma paulatina maturação conceitual. Didática espiralada que corresponde à composição das sinfonias, as quais trazem de volta os seus temas principais nos típicos movimentos que as compõem. Sendo ainda o mesmo processo adotado pela evolução em todas as suas instâncias, a qual nos leva a repetir as lições aprendidas até que as sedimentemos em forma de conhecimentos automatizados.

Percorrendo volutas de conceitos em crescente complexidade, estaremos empregando assim, nestes despretensiosos estudos, a famosa maiêutica socrática – processo dialético e pedagógico utilizado pelo grande sábio, o qual, como uma gestação e um parto, possibilitava uma paulatina maturação do aprendiz, permitindo-lhe trazer à luz as idéias que já estavam em seu próprio interior.

Para atingir esse desiderato, Sócrates servia-se da arte de questionar, imortalizada nos famosos diálogos escritos por Platão. Através de uma série de perguntas sem respostas, o grande filósofo, às vezes de uma forma irônica, levava o interlocutor a reconhecer a falácia de suas convicções, preparando-o para novos conhecimentos. Tal método, denominado aporia socrática, ficou na história como uma didática útil a serviço do progresso humano. E, como se pode deduzir da leitura dos Diálogos, Platão, o famoso discípulo que se confunde com o mestre, não se eximia, inclusive, de ressaltar as objeções às suas próprias teses, demonstrando-nos que a humildade e a sinceridade em admitir os equívocos e as dificuldades são quesitos indispensáveis na aquisição da verdade.

Logo, trataremos de ressaltar os paradoxos e incongruências de cada um dos corpos teóricos abordados, sem eximirmo-nos, inclusive, de frisar aqueles que ainda permeiam o monismo de Ubaldi, não com o intuito de fazer ruir as bases conceituais de cada um deles, suscitar polêmicas e combater quem quer que seja, porém com a precípua intenção de aguçar a nossa busca da verdade que, evidentemente, não pertence a nenhum credo e não se restringe a nenhuma escola ou pensamento em particular.

Não se pode negar que salientar dilemas, suscitando questionamentos, é de enorme valia para sacudir um intelecto paralisado, retirando-o da posição dogmática em que se estaciona. Isso explica por que os grandes sábios orientais sempre utilizaram essa mesma estratégia visando estimular os seus iniciados na conquista da sabedoria, pois, ao se apontar as falhas de uma compreensão superficial, excita-se a procura por soluções mais abrangentes para a proposição que se apregoa. E juridicamente se compreende a enorme utilidade de uma incerteza em um processo condenatório, pois na sua ausência, o réu é facilmente condenado, sendo por isso denominado benefício da dúvida.

Eis por que a vida sempre trata de destruir todas as nossas verdades parciais, propondo-nos constantes desafios ao psiquismo, os quais, dessa forma, fazem parte do jogo do crescimento, pois, do contrário, estacionaríamos ante os imperativos do progresso. E, exatamente por isso, a sabedoria dos tempos nos recomenda combater os imperativos dogmáticos e sectários, os quais nos fecham a mente à perquirição. Portanto, desestabilizar crenças relativistas não é propriamente um dano a quem as professa, mas sim um serviço pertinente à evolução que emprega exatamente essa tática para nos propelir rumo ao conhecimento absoluto. É desse modo que o divino Viticultor, ao término de cada estação da vida e a contragosto do nosso atavismo, cuida de ceifar as nossas mais sagradas convicções a fim de semear novas florações de verdades em nosso campo íntimo. Somente assim se pode ir ao encontro do infinito.

A esse respeito é ainda muito interessante a parábola oriental da xícara cheia: conta-se que um discípulo foi visitar o seu mestre e lá se distendeu a revelar o quanto já sabia de tudo, exibindo seus altos conhecimentos na intenção de mostrar que já havia aprendido o bastante. Enquanto isso o sábio enchia a sua xícara sem parar, até que o estudante, incomodado, interrompeu o seu discurso, interrogando o motivo da estranha atitude, pois que o chá já se derramava abundantemente sobre a mesa. O mestre então lhe devolveu a sábia lição: – assim está a sua mente, filho, ela transborda conhecimentos e desse modo nada mais lhe será possível aprender. É preciso urgentemente esvaziá-la.

Eis que, na atualidade, estamos como as xícaras cheias da parábola oriental, pois orgulhosamente exibimos nossos fantásticos conhecimentos como se tudo já soubéssemos, esquecidos da famosa recomendação de Sócrates ao nos alertar que o homem inteligente é aquele que sabe que nada sabe, e da sabedoria de Confúcio, quem nos afiançou que o ignorante é aquele que é incapaz de mudar de idéia. Por isso precisamos de que novos paradoxos nos esvaziem a mente, revelando os pontos fracos de nossa pretensa sabedoria. O intelecto, assim como o estômago, carece de evacuar-se, permitindo que um novo aguçar do apetite nos estimule a busca por mais alimentos, permitindo-nos o crescimento e a subsistência. E, somente ao se evidenciar a incoerência do conhecimento, a razão pode denotar a sua avidez, predispondo-nos, assim, à procura de novos sabores que nos satisfaçam o apetite psíquico. Por isso, ai daquele que se encontra saciado de saber, sua “xícara” transbordante de dogmas jamais lhe permitirá degustar os novos “petiscos” que a vida permanentemente nos oferta a fim de nos nutrir com a verdade.

Muitos, ocupados com as lides diárias, desejarão saber qual o objetivo de se estudar assuntos tão distanciados das realidades práticas e mais imediatas da vida.

– Porventura isso poderá nos tornar mais felizes ou nos ajudar a promover a indispensável reforma moral de que tanto necessitamos? – interrogarão aqueles que têm pressa em renovar o homem.

– Estamos cansados de ciência improfícua – poderão ainda nos dizer os crentes sinceros.

– O que temos nós com as estrelas que faíscam no céu? – questionarão os práticos, que procuram por resultados objetivos.

– Já colhemos informações suficientes que a lugar algum nos levaram – afirmarão os analíticos, cansados de amontoar dados.

Os simplistas, assustados com a crescente complexidade da ciência moderna, recuarão, sentindo-se insuficientes diante de um universo que parece complicado demais para ser compreendido, julgando que tal estupenda tarefa somente é possível aos teóricos da astrofísica. Esquecem-se, porém, de que todos somos filhos das mesmas leis universais e divinas que constroem galáxias e criam mundos e, portanto, todos detemos iguais capacidades de entendê-las.

Os cépticos, vendo que falamos de Deus, do espírito e que vasculhamos velhos baús da história, revolvendo a poeira que os séculos depositaram sobre crenças arcaicas, passarão adiante, ocupados que se acham em atender unicamente às atribulações de cada dia.

E aqueles que se refestelam nos baixos interesses da vida também seguirão ao léu, malbaratando a preciosidade do tempo e fazendo estiolar a alma, que seguirá faminta de eternidade e infinitude dos quais está feita. Eles refutarão estas sínteses que saciam verdadeiramente o espírito, até que a dor os convulsione, retirando-os do sono de morte. “Lamentai os satisfeitos da vida, os inertes, os apagados, eles recusam o esforço destas elevadas compreensões que vos ofereço e não existe luz no amanhã para o espírito que dorme” – alerta a Voz que inspira A Grande Síntese (o mais importante livro de Pietro Ubaldi, escrito sob inspiração, em 1932, o qual será citado diversas vezes em nosso trabalho), inutilmente, pois não se pode falar para quem não quer ouvir.

“Quem não compreende é autor de males” – já nos prevenia também Lao-Tse, no século VI a.C., induzindo-nos à busca da sabedoria como uma das genuínas necessidades do espírito. Por isso a vida nos concita ao crescimento intelectual permanente a fim de nos fazer conhecer a lei e seu telefinalismo, precavendo-nos das dores que a ignorância nos induz. Evidentemente que somente a alavanca do conhecimento não é suficiente para nos arremessar às supremas realizações espirituais, sendo imprescindível conquistar os hábitos da bondade, convencendo-nos de que nos instruirmos sobre a constituição do universo em quase nada nos tornará melhores do que somos, se não aprendermos a amar. Contudo, não se pode negar que a insipiência dificulta o pleno exercício do amor para aquele que ainda se prende nas malhas do racionalismo.

Além disso, reconhecendo que a criação se faz por repetição de modelos únicos e o menor sempre copia o maior, uma vez que visualizemos melhor como se delineia a macroestrutura da casa cósmica, entenderemos também, por analogia, como se desenha a geometria interna do próprio eu. Fato que nos auxiliará sobremodo na tarefa do autoconhecimento, instando-nos às imprescindíveis reformas morais, indispensáveis à nossa felicidade.

À medida que penetramos nesse terreno de sadias especulações filosóficas de consequências espirituais, afinamo-nos, como diz Ubaldi, com o campo de ideações superiores de onde emergem as coisas elevadas, as quais, aproximando-nos do Altíssimo, são capazes de conferir indizível e segura paz à alma. E não podemos esquecer que, procurando conhecer a arquitetura da criação, estaremos ainda nos acercando da mansão paterna, o endereço certo em que todos aportaremos, propelidos pelas sábias e magnas leis do destino e onde todas as teorias, conceitos e crenças reencontrar-se-ão com a unidade.

Ademais, é preciso ainda considerar que o homem vive estritamente segundo a idéia que tem da própria casa onde mora, pois em todas as épocas, as civilizações fundamentaram seus padrões éticos no conhecimento que detinham de Deus e do universo. E a imagem que se faz da criação termina por fornecer conceitos essenciais que alimentam todas as filosofias e culturas, religiosas ou não, as quais, por sua vez, irão determinar plataformas éticas, indispensáveis para se construir uma sociedade. Ninguém pode negar, por exemplo, que a cosmologia bíblica que imperou na Idade Média contribuía decisivamente para coibir a selvageria do homem comum, uma vez que imputava o bem-estar futuro de sua alma às conseqüências de seus atos. E uma cosmologia materialista alicerçada essencialmente no caos e no acaso, afastando a salutar crença na intervenção divina, entrega-nos às agruras da incerteza no porvir e a uma evasiva e inconseqüente casuística moral, fundamentando hedonismos e desordens comportamentais que comprometem sobremodo o equilíbrio social. Depredando ainda os valores profiláticos da fé, semeia angustioso vazio em nosso campo íntimo, capaz de nos conduzir ao mais terrível niilismo e favorecer a germinação das doenças depressivas e seu cortejo de males, notavelmente intensos nos tempos modernos.

E, finalmente, observamos ainda que o homem se enxerga exatamente como vê a constituição do mundo. A cosmovisão cristã, por exemplo, o fez uma alma temente a Deus, carente de regeneração, imprimindo-lhe na personalidade as marcas da abnegação e da humildade. Já a visão atomista e mecanicista dos séculos XIX e XX libertou as amarras do seu consciente, mas o transformou em uma máquina. Sob os seus matizes, fracionou-se a unidade orgânica, consumando-se uma desorientação terapêutica que se firmou nos dias atuais, embasada no pressuposto falaz e abusivo do quimismo – a ansiada busca da medicina moderna pelo milagre das drogas artificiais, como a única possibilidade para o bem-estar e a cura de enfermidades que, como a casuística do universo, ela acredita advirem de meras e aleatórias adulterações do cosmo biomolecular.

Por tudo isso se faz essencial em nossos febricitantes dias, em que todos os valores éticos e religiosos foram abalados pelas pretensas convicções científicas, recrudescer velhas verdades e construir uma visão de mundo que abranja Deus e o próprio homem, que seja adesa à realidade fenomênica e que atenda às necessidades da lógica amadurecida que nos assiste na atualidade. Tarefa para a qual se torna indispensável a colaboração de Pietro Ubaldi que, para este fim, veio ao mundo.

Entretanto, asseguramos a todos que o grande missionário não se detém em intermináveis e subliminares digressões epistemológicas; não tergiversa, alardeando erudição evasiva e vazia, mas nos oferta coletâneas de reflexões profundas, amadurecidas nas peias de indispensável utilitarismo espiritual, necessário aos conturbados tempos hodiernos. Elas não têm o ranço dos sofismas teológicos carcomidos pelas traças do tempo, mas detêm agradável sabor de eternidade e exalam o dúlcido perfume das coisas santas. Preenchendo os anseios mais profundos de nosso ser, são capazes de nos sintonizar com as grandes correntes de pensamentos puros que trafegam pelo universo espiritual, conduzindo-nos às sublimes edificações das grandes sínteses que saciam verdadeiramente a alma. E as sínteses satisfazem ao nosso natural ensejo por unidade.

Assim, ao final de nossa caminhada por entre florações de sublimes conceitos, comporemos a mais avançada visão sintética do universo possível ao nosso concebível atual, divisando a arquitetura cósmica como jamais a vimos anteriormente. Estarrecidos ante a beleza de suas linhas harmônicas, nos deixaremos inebriar pelos seus encantos. E, abastecidos por uma compreensão verdadeiramente unitária, nos daremos conta de que o pleito secular em que nos debatíamos para impor verdades parciais e antagônicas uns aos outros, acalmar-se-á, apaziguando-se-nos a alma. Asserenados e nutridos pela síntese de todas as antíteses, deleitar-nos-emos com a mais abrangente antevisão do majestoso edifício da criação divina, adentrando seus pórticos para jamais o deixar.

Gilson Freire

Belo Horizonte, inverno de 2005

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