A Visão Teosófica sob o Enfoque Ubaldiano

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Não existe um compêndio de teosofia do qual possamos dizer: toda a teosofia está aqui.

C. Jinarajadasa

A verdade é um panorama universal que se expressa de forma esfacelada em todas as áreas do saber humano e em todos os povos e culturas, de forma que, somente na união dos particulares ângulos sob os quais ela é apreciada, se pode pretender encontrar a sua visão global e absoluta.

Munidos dos conceitos aprendidos da extensa obra do professor Pietro Ubaldi, aventuramo-nos a uma rápida incursão na visão teosófica, tratando de auferir de seus avançados conceitos preciosos subsídios para o entendimento do edifício cósmico em que vivemos. Ao mesmo tempo em que esperamos contribuir, mediante a síntese monista, para também fundi-la na grande verdade do Todo, onde todos devem se abrigar.

Ainda que de forma sucinta, adentremos inicialmente a sua definição, sua história e seus preceitos fundamentais a fim de a compreendermos um pouco melhor e aferir a posição de doutrina evolucionista espiritualista que lhe imputamos.

O termo teosofia, de modo genérico, significa a busca do conhecimento de Deus, todavia ele se aplica particularmente a uma escola de ensinos espiritualistas e esotéricos que têm por objeto a união do homem com o Divino, mediante o conhecimento e a elevação espiritual.

Urdida em um tecido sincrético oriundo de diferentes culturas, como o ocultismo hermético do antigo Egito, a Cabala hebraica e, principalmente a tradição védica e bramânica, seu corpo teórico fundamental, destarte, advém integralmente da corrente maaiana ou lamaísta do budismo, a escola tibetana que se alicerça nos ensinos do mestre Dalai-Lama. Principal fonte de seus informes, do lamaísmo a teosofia retira os seus princípios básicos e, inclusive, a sua característica terminologia esotérica, grafada em sânscrito. Por isso podemos considerá-la, em última análise, uma verdadeira ocidentalização do budismo, uma vez que promove, na verdade, uma perfeita adaptação dos seus ensinos milenares à mentalidade do homem moderno.

Diferencia-se do cristianismo por não se sustentar no messianismo salvacionista do Cristo e na redenção da alma humana, mas sim na sua evolução. Finalizando essencialmente a ascese mística do homem, pretende a unificação de todas as religiões pela dilatação dos horizontes místicos ainda inexplorados pelo racionalismo humano. E mediante o estudo, a prática da meditação e o aprimoramento moral busca ainda estimular as forças espirituais recônditas do espírito, elevando-o aos patamares da Divindade.

Segundo a obra O Ensino dos Mahatmas, de Alberto Lyra, o seu corpo doutrinário se fundamenta em três pilares básicos: a existência de Deus, a lei de evolução e a lei de causa e efeito. Caracterizando-se ainda eminentemente como uma doutrina reencarnacionista, ela se pauta, sobretudo no estudo da evolução do espírito, desde os primórdios da matéria até o despertar do Divino que cada qual traz em sua intimidade. Dessa forma a classificamos como uma visão evolucionista espiritualista, aproximando-a fundamentalmente da doutrina espírita que também se embasa na criação progressiva dos filhos de Deus. Seus estudos, regrados por conceitos milenares da tradição védica, abordam ainda a Divindade, os sete planos da criação, a cosmogênese, as leis universais, as forças ocultas do universo, os corpos sutis do homem, a técnica de desenvolvimento dos poderes ocultos do espírito em evolução e toda a vasta gama de assuntos que lhes são correlatos.

Embora admita a continuidade de vida após a morte e a existência dos planos espirituais, a teosofia, entretanto, não se embasa na intercomunicação direta com o além, embora a maioria dos teósofos a respeitem. A fonte de seus escritos é considerada a inspiração e a herança tradicional védica, sendo esta a sua principal distinção com a doutrina espírita, com a qual compartilha a maior parte de seus preceitos, justamente aqueles que possuem um nítido caráter universalista.

Outra fundamental diferença é que lhe falta a relevância que o espiritismo cristão confere à figura do Cristo e Seu Evangelho, sobretudo em nosso meio. Na visão teosófica Jesus é apenas um dos avatares da Humanidade, equiparado a tantos outros grandes Mestres enviados para nos instruir, não se caracterizando, portanto, como uma doutrina salvacionista, situando-se exatamente na interpretação exclusivamente evolucionista da vida, como já vimos.

Conhecida mundialmente como sociedade teosófica ela foi fundada em 1875 por Helena Petrovna Blavatsky, uma mística russa que, segundo dizem, associou o budismo tibetano com o espiritismo, os quais conhecia muito bem. Residindo em Nova Iorque, onde viveu por 2 anos, juntou-se a Henry Steel Olcott para criar a sua Escola. Logo, contudo, ambos se mudaram para a Índia, onde se propuseram a formular a síntese de todas as verdades teosóficas existentes, estabelecendo a sede de sua ordem em Adyar, perto de Madras, de onde se difundiu para o mundo. Helena Blavatsky tornou-se a figura principal da sociedade teosófica, coordenando desde a Índia diversos grupos de estudos que se desenvolveram principalmente nos Estados Unidos. Desencarnando em 1891, ela deixou entre outras as três principais obras que fundamentam o pensamento teosófico: Isis sem véu, A Doutrina Secreta e A chave da Teosofia, destinadas, no seu dizer, à purificação da raça humana.

Sua sucessora, Annie Besant, estimulou a revalorização da tradição theravada, o ramo indiano do budismo que preserva o pensamento do seu fundador, Siddhartha Gautama em oposição à heterodoxia Maaiana, proclamando Jiddu Krishnamurti (1895-1986) o mestre universal da teosofia. Entrementes, o grupo norte-americano dirigido por William Judge, por não admitir a excessiva priorização do famoso místico indiano e a redução do cânon tibetano em seus ensinos, com o apoio de expressivo número de seguidores no Ocidente, separou-se do círculo original, conhecendo posteriormente novas secessões.

Enquanto isso Rudolf Steiner, liderando a divisão europeia, intentou aproximá-la do cristianismo a fim de popularizá-la no Velho Continente e criou a Antroposofia, uma filosofia médica que se embasa na existência de um ser espiritual independente no comando da unidade humana. Compondo uma obra a parte, esse filósofo austríaco, que viveu de 1861 a 1925, uniu conceitos hinduístas e homeopáticos à medicina europeia, restabelecendo o vitalismo e fundamentando uma prática terapêutica alternativa, ainda bastante respeitada e exercita com êxito em nosso meio, a qual, em algumas escolas médicas alternativas, se mistura à medicina de Hahnemann.

A despeito de haver tomado algumas vertentes independentes, como de hábito em todos os movimentos humanos, a sua corrente atual praticamente persiste identificada à sociedade teosófica original, unida em torno dos alicerces estabelecidos pela sua fundadora, Helena Blavatsky, cujos ensinos são respeitados e seguidos em todas as suas ramificações. Importante fonte de conhecimentos genuinamente espirituais, ela se destaca como uma relevante doutrina a serviço da iluminação do homem do século XX, somente sobrelevada em nosso meio pelo kardecismo.

Com sua visão essencialmente evolucionista, acreditamos que a teosofia está apta a incorporar ensinamentos de outras fontes seguras, por isso julgamos, com muita sinceridade, que a revelação de Ubaldi muito pode contribuir com os seus elevados conceitos, sem pretender, em absoluto, sobrepor-lhe os milenares fundamentos ou destituir suas verdades eternas. Repassemos os seus principais preceitos, demonstrando os pontos em que a síntese monista poderia ajudar na melhor compreensão de seus ensinos, como o fizemos com o espiritismo e a ciência materialista de nossos dias.

Depois de conhecer a visão monista concluímos que todas as incompletudes e paradoxos que podemos identificar nos postulados teosóficos devem-se à incompreensão de que nosso universo não é uma criação única e imaculada, mas sim uma contrafação da pureza e da inteligência divina original. Falta-lhe, portanto, exatamente, a incorporação da teoria da queda a fim de clarear seus belos ensinamentos, a semelhança da doutrina espírita, com a qual compartilha a maioria de seus postulados.

Visão sintética

A teosofia se sustenta em um edifício conceitual puramente espiritual e, como uma genuína fonte de conhecimentos superiores, ela caminha para a visão unitária da criação, indispensável à compreensão do Todo. “Treinando o corpo mental inferior para estabelecer as correlações entre os diferentes ramos do conhecimento, estaremos caminhando para compreender a síntese, a unidade que existe na aparente diversidade” – explica-nos o Manual Básico de Teosofia, de autoria de Antônio Geraldo Buck, de onde retiramos a maior parte de nossas citações.

De fato, a escola teosófica, ventilada por elevada inspiração, compreendeu que o universo é a expressão de uma realidade “oniabrangente, sintética, unitária e complemente interior” cujo entendimento não poderá ser alcançado pela razão, mas somente pela especial dilatação de nossa sensibilidade espiritual. Essa é a técnica de conhecimento que a teosofia estimula em seus seguidores, chamada vidyâ, a “sabedoria espiritual direta”, definida como a sintonização do observador com a natureza, exatamente a mesma visão intuitiva que Ubaldi praticou durante toda a sua vida e nos ensinou a desenvolver.

Embora tenha nascido com o afã de síntese, a teosofia deteve seus estudos no cenário evolutivo da criação, não tendo ainda alcançado a clareza de Ubaldi com respeito à gênese primaria e à queda espiritual. Por isso julgamos, com muita sinceridade que a doutrina de Blavatsky deve se encontrar com o monismo, a fim de se completar como um verdadeiro entendimento sincrético e abrangente do Todo.

Monismo esotérico

Facilmente antevemos nos avançados conceitos teosóficos os mesmos ensinos de Ubaldi, atestando-nos a universalidade dos informes de ambos. As coincidências são muito maiores do que as disparidades, faltando à teosofia unicamente juntar à sua visão eminentemente evolucionista o criacionismo divino para se revelar como uma verdadeira doutrina monista.

Segundo os fundamentos da Escola de Helena Blavatsky o espírito evolui por milhões e milhões de anos e passa por incontáveis formas de crescente complexidade para se libertar da crucificação da matéria, e retornar à “casa paterna”, mas não se estudam os detalhes da sua queda, como nos proporcionou Ubaldi, sendo esta a diferença fundamental entre os dois corpos filosóficos.

Apesar de haver concebido somente uma criação, a secundária, situada na unidimensionalidade da evolução, a teosofia foi capaz de divisar o monismo que, a despeito da fragmentação do AS, continua, evidentemente, imperando na obra divina. Diz-nos seus ensinos que o homem, Deus e o universo são três aspectos de uma única realidade e que matéria, sentimento, pensamento, alma e espírito são graus diferentes de vibração de uma mesma essência, definindo-nos o que poderíamos chamar monismo esotérico, que muito se aproxima do monismo substancial de Ubaldi.

Há um só habitante no universo físico, a mônada, resgatável por construção progressiva do universo físico, pronta a despertar como essência pura no plano divino de onde saiu. A mônada (do grego monas, que significa unidade) é definida como o verdadeiro espírito do homem e procede da vontade de Deus, o primeiro aspecto do Logos, sendo nada mais do que a centelha sagrada, eterna e predestinada à deificação. O mestre teosófico Leadbeater a define como o nosso deus pessoal, intransferível e imortal.

A Unidade monádica é a entidade formadora de tudo, sendo por sua vez feita de pura consciência, a qual irradia permanentemente ao seu derredor, impregnando os elementos com os quais combina de vida e movimento. Sendo indistintas e homogêneas em suas primeiras manifestações nos planos inferiores, elas formam almas grupais das quais, ao evoluir, se destacam em porções individualizadas, fenômeno denominado personificação da mônada.

Destarte, a unidade evolutiva da vida, segundo a Escola blavatskyana, caminharia por uma grande diversidade de seres, havendo aqueles que progrediriam sem passar pelo reino humano. Assim existiriam, além daqueles que habitam os reinos físicos, os devas (entidades angélicas), os elementais (entidades que organizam as coisas inanimadas) e os espíritos da natureza (os Gnomos, Ondinas, Silfos e Salamandras), seres desconhecidos que progridem nos mundos astrais e mentais, diferenciando-se outros roteiros para a edificação da Divindade, deixando-nos em dúvida quanto aos motivos que levariam o Senhor a distingui-los. Mas é evidente, todavia, que a mônada, detendo a imortalidade, morre e renasce na carne a fim de atingir os altos fins para os quais foi criada, ou seja, a união definitiva com o Criador.

Em uma análise superficial, intuímos que pressupor a diversificação evolutiva da mônada entre reinos físicos e fluídicos afasta-nos dos fundamentos do monismo que apregoa a unicidade da vida e dos princípios da evolução. Ubaldi em a A Grande Síntese nos afirma categoricamente que “é idêntica a lei de evolução, é contínua a linha do desenvolvimento, o princípio é único”, levando-nos a concluir que, embora se admita distintas individuações do ser, os processos vitais e reconstrutivos do cosmo caminham por repetições de tipos únicos e modelos semelhantes para todos os Filhos de Deus.

Criação eterna

Como uma visão genuinamente evolucionista, para a teosofia, assim como para o bramanismo e o espiritismo, a criação é permanente, ocorrendo em grandes ciclos divinos intermináveis de contrações e expansões, em um ambiente relativista onde nascem e morrem universos. Já nos referimos ao kalpa, ou respiro do Logos, como se denominam essas gêneses cósmicas, divididas em eras que carreiam o espírito, desde o reino da matéria bruta até os planos divinos.

Com Ubaldi, compreendemos perfeitamente que essa é a descrição da criação secundária, aquela que se faz nas paragens do relativo onde somente se pode dar a evolução. Portanto, a escola teosófica, assim como o espiritismo, se deteve no estudo da gênese e constituição do AS, na verdade uma contrafação da criação primária, advindo daí os seus aparentes equívocos, ao extrapolá-la para a perfeição divina. Entendemos que o AS não pode eternizar-se no tempo, pois isso representaria a falência da obra divina. Nosso cosmo local e todos os possíveis universos que oscilam na “respiração de Brahma” estão subordinados à exiguidade dos ritmos cronológicos e fadados assim a encontrar um fim. A verdadeira eternidade pertence à gênese que ocorreu e existe no absoluto, fora do tempo e do espaço e não se faz de ciclos ou qualquer movimento, não se subordina a construções e muito menos a destruições, pois como um hálito da Divindade, foi concebida já perfeita e acabada.

Adesa ao relativismo, assim como o espiritismo, a teosofia nos condenou então ao progresso permanente: “e o homem não foge à regra e está inserido nesse mecanismo cósmico de nascer, renascer e evoluir sempre”. Ela se esqueceu que aqui vivemos uma grande ilusão, o grande maya, onde a eternidade das medidas do relativo nos é também mera fantasia dos sentidos embotados. E não poderemos nos evadir da lógica de que todo o AS, como produto de uma grave queda, está fadado a encerrar-se, na morte do tempo e do espaço, e será absorvido pela adimensionalidade do absoluto.

Essa foi exatamente a mesma interpretação da criação dada pelos astrofísicos idealizadores da teoria do universo estacionário ou universo Fênix, que já discutimos e que as modernas concepções da cosmologia estão imputando como impossíveis de corresponder à realidade – uma tal reverberação ao infinito de big bangs nos campos do relativo provocaria uma chuva de fótons por todo o infinito, alterando significativamente o desenho da arquitetura cósmica, muito diferente do que aquela que hoje podemos apreciar.

Concluímos, assim, que a visão teosófica, segundo o monismo, em sua interpretação parcial considera apenas a unidimensionalidade da criação, uma vez que ela uniu o reino divino aos planos evolutivos, não tendo alcançado a antevisão da casa paterna fora do relativo, além de todos as perspectivas possíveis ao nosso imaginável. Fato que carreia consigo todos os contrassensos de uma gênese eterna e à parte no relativo, os quais já enumeramos.

Paradoxos evolutivos

O universo teosófico é unitário, como um exclusivo e único produto da mente divina, porém, paradoxalmente ele está também dividido entre uma porção real e outra irreal, correspondendo à realidade do monismo, a despeito da revelação blavatskyana não se ater a nos explicar por que exatamente esta é a configuração da arquitetura cósmica. Confirmando a visão budista, nos diz ela que habitamos uma enorme ilusão, o grande maya, e o cosmo real somente é aquele onde reside integralmente o Criador. Reconhece-se assim a existência de uma ilusória separatividade entre o reino divino e o universo em evolução.

Todavia, mais uma vez, o fato nos suscita o que poderíamos chamar de paradoxo do grande maya, pois não entendemos por que o Senhor dos universos criaria um mundo virtual e insustentável para nos acomodar em meio a ilusões e realizações instáveis que somente dores e aflições semeiam em nossas almas, exigindo-nos sobejos esforços nas superações de suas fantasias a fim de conquistarmos o plano real e puro. E não se ateve a teosofia a justificar as dores que tal aparente fato imputa ao ser em evolução, distanciando-o peremptoriamente do Seu Pai.

Além da divisão entre real e irreal, o universo teosófico está fracionado em sete planos que, começando pelo Físico, continua com o Astral, o Mental, o Búdico, o Átmico, o Monádico, terminando no plano divino. Diferencia-se este último dos demais, não pela sua natureza intrínseca, mas sim sua elevação, uma vez que “todos são formados do mesmo substrato, variando-se somente a compactação de seus elementos”. Dessa forma ela situa o reino celeste na mesma unidade da criação física, colocando-o como o ápice a ser atingido e a fonte dos processos evolutivos dos demais. Como Deus estaria permanentemente fazendo fluir Seus fragmentos, as Mônadas, do nível celeste onde “mora” para o plano mais baixo, todos eles seriam de existência eterna, inclusive os inferiores. Fato que, seguramente não se acham incorretos, porém incompletos quando divisados sob a ótica monista, gerando todos os paradoxos que já imputamos ao pensamento espírita evolucionista, como o da eternidade do mal, da impureza, da imperfeição e do caos.

Partido em seus sete grandes planos progressivos, os primeiros níveis do Todo são incompreensivelmente físicos e densos, exigindo do ser em evolução o esforço para deles se libertarem, a fim de atingir os reinos superiores. Contudo tal fato é reconhecido como natural, não havendo os estudos teosóficos alertados para o fato disso impugnar a pureza da obra de Deus, exigindo algo que o justifique.

Como um cosmo evolutivo, ele se acha conformado, em todas as suas expressões fenomênicas, segundo trajetórias espiraladas, exatamente como nos teceu a visão de Ubaldi em a A Grande Síntese, que também nos descreveu o universo desmoronado e não o original, somente vislumbrado em Deus e Universo. A espiral evolutiva presente na visão teosófica se encontra desenhada no “átomo monádico” e nas “bolhas” que originaram do Centro genético original do cosmo. E os átomos físicos, que ela chama ultérrimos, também estão traçados em espirais que os fazem lembrar um pião, confirmando-nos que esta é a expressão da trajetória típica dos movimentos universais, porém unicamente referidos aos processos em queda no relativo, jamais no absoluto.

A despeito de esses conceitos todos estarem evidentemente corretos, coincidindo com a universalidade dos ensinos de todos os demais pensamentos espiritualistas evolucionista, como vimos, eles se acham nitidamente incompletos e injustificáveis sem a queda. São ensinamentos parciais que se referem apenas a uma das partes da criação, o universo físico e relativista onde evoluem as almas caídas e não são representativos do Todo em sua extraordinária perfeição e completa imaterialidade. No universo divino original não pode haver movimentos, não há evolução e muito menos meios físicos, portanto estamos em uma elaboração de conceitos ainda muito distanciada da realidade última de Deus.

Existem diversos céus escalonados dos inferiores aos superiores. Os planos superiores, Átmico ou Nirvânico, se desenham entre Sóis, corpos celestes e galáxias como expressões de inimaginável poder divino” – diz seus ensinos, atestando-nos que os caminhos por onde ascende a mônada estão todos ambientados no relativismo. E facilmente podemos deduzir que, segundo a síntese monista, nos espaços intergalácticos ou estelares impera o mesmo ambiente do AS, portanto, muito distante do que poderia ser verdadeiramente o reino celeste. Então a engenharia sideral, construtora de edificações astronômicas espetaculares, é obra de realizações pertinentes ao universo derrocado e suas furnas avernais. E, embora ela trabalhe sob a égide do Criador em benefício de seus desalentados habitantes, lida com as caóticas forças da revolta primária, não representando, em absoluto, a genuína gênese divina.

Como já dissemos reiteradamente, de acordo com a visão monista, o reino divino, por ser o plano da perfeição absoluta, não pertence propriamente ao relativo onde se dá a evolução e se encontra fora de nossa pobre e progressiva dimensão, onde tudo parte da imperfeição. Sua natureza constitutiva é distinta por se achar confeccionada em um campo de natureza puramente espiritual. Se bem é verdade que todos os planos relativistas dele advém como contração dimensional, nele não existe localidade ou movimento, tempo ou espaço, como vimos no decorrer de nosso trabalho.

Concluímos assim que a teosofia, como uma visão exclusivamente evolucionista, trouxe-nos apenas o panorama relativista da criação. A despeito de podermos pinçar em muitos de seus conceitos uma compreensão verdadeiramente unitária do Todo, ela não pôde abranger com clareza a antevisão do absoluto, como a alta intuição de Ubaldi lhe permitiu e os planos que ela divisou são ainda paisagens do relativo, inseridas no domínio da evolução.

Essas verdades, contudo, acham-se indiretamente presentes nas revelações teosóficas, como podemos ver no relato: “Chega o momento em que o homem, depois que muito lutou, sofreu, caiu, levantou, chorou, sorriu, sentiu, odiou, amou, destruiu, construiu, plantou, colheu; enfim, é a hora crucial em que após múltiplas encarnações, percebe a transitoriedade desse mundo e tendo os desejos já saturados e transmudados no amor universal; aprendido tudo que a escola da vida poderia ensinar-lhe, mergulha em seu interior e busca com intensidade maior a Divindade que se aloja em seu âmago e que é o seu Eu real. Aquele espírito que é divino, após muito buscar o Éden perdido, agora o encontra dentro de si mesmo, em seu Eu Imortal” – nesta pequena súmula da evolução vista pela teosofia, compreende-se perfeitamente que somente a queda pode justificar tal roteiro de ascensão, uma verdadeira expiação evolutiva somente imposta ao espírito que se revoltou contra a lei divina. Essa é a única forma de se explicar por que Deus e Seu poder a nós concebido se ocultaram em nosso interior, exigindo-nos o oneroso encargo evolutivo para se nos revelarem. É preciso compreender isso para avançarmos nos passos da nossa indispensável maturação espiritual na atualidade.

Tríade Inferior

É inegável que a escola teosófica contribui com um elevado conceito de Deus que extrapola em muito o acanhado entendimento que herdamos da tradição judaico-cristã. Denominado Logos e definido como o princípio de inteligência que origina e comanda a criação, como em Ubaldi, Ele também se divide em uma face Transcendente e outra Imanente, integrando o Todo. “Deus se manifesta como uma diferenciação de Si Mesmo, criando universos, permanecendo em toda manifestação e transcendendo-a” – diz-nos o Manual já citado.

Assim o Deus teosófico é intracósmico, uma vez que se acha integralmente presente na criação e, ao mesmo tempo, supracósmico, pois igualmente extrapola os seus limites, como uma Individualidade à parte, caracterizando-se um verdadeiro monismo teológico.

Além desse dualismo monístico, a Divindade, segunda a teosofia, alberga também a Trindade, expressa nos três momentos do Logos, assim definidos:

Primeiro Logos: Vontade, Pai – Divindade-Humanidade;

Segundo Logos: Sabedoria, Filho – Vida-forma;

Terceiro Logos: Mãe ou Espírito Santo – energia-matéria.

De acordo com esse entendimento, “o Terceiro Logos constrói átomos”, a matéria, considerada “virgem” em sua original formação processual; o “Segundo dá vida a estes átomos” e “o Primeiro envia de si um fragmento, a mônada, para habitar esses corpos”. Podemos assim identificar perfeitamente no Primeiro Logos o aspecto espírito, no segundo, o dinamismo universal, a energia, e no terceiro o aspecto estático, a forma ou matéria, equiparando-os à visão de Ubaldi descrita em A Grande Síntese.

Destarte, embora caracterizada como “superior”, essa Tríade definida pela teosofia se caracteriza na verdade como inferior e não alcançou a visão teológica descrita por Ubaldi em Deus e Universo, com a qual muito poderá se beneficiar. A trindade teosófica nos descreve nitidamente a criação inferior no plano relativo e, como agora sabemos, essa é aquela que se contraiu com a queda, levando a Divindade a se condensar na forma e não é, em absoluto, o aspecto ternário original em que se dividiu o Todo, na criação primária. Os aspectos espírito, energia e matéria se patenteiam como realizações do relativo, caracterizando a gênese secundária. Conceitos corretos, mas, como podemos ver pela ótica monista, incompletos uma vez que sujeita a Divindade à mobilidade, à imperfeição e à impureza da matéria, incompatíveis com a Sua própria natureza.

Concluímos, mais uma vez, que o conceito teosófico de Deus, embora bastante evoluído em relação ao acanhado antropomorfismo teológico que ainda impera na religiosidade ocidental, comparado à visão monista, ainda necessita avançar, embora saibamos, evidentemente, que com Ubaldi também não atingimos a plenitude do absoluto, que extrapola em muito o nosso concebível atual. Falta assim à teosofia uma maior compreensão da cosmologia divina em sua pureza de origem, divisando realmente o que poderíamos chamar Tríade superior, aquela que não alberga matéria, nem forma ou energia e sequer o movimento em sua constituição, mas se expressa na mais pura Imponderabilidade e completa abstração espiritual.

Dualismo teosófico

A teosofia reza que o “Terceiro aspecto do Logos constrói matéria inerte, sem vida”, tornando-a vital e orgânica somente após ser fecundada pelo Segundo Logos, o princípio chamado Atma. Estabelece-se assim na criação o mesmo antagonismo dualista que permeia as visões de mundo ocidentais. Considerar que Deus cria substratos inertes para sustentar a evolução de Seus Filhos gera-nos certos entraves ao entendimento do processo genético original, pois passamos a acreditar que as substâncias físicas do universo estão destituídas de fundamentos espirituais, separando-se o espírito da matéria, como o fez o cartesianismo, além de fornecer subsídios para o monismo materialista. Como no conceito espírita, segundo a teosofia os compostos materiais são espiritualizados ao se deixarem vestir pela mônada, o espírito, que os vivificam a fim de se manifestarem nos mundos físicos e evoluir. Ao deixá-la, através das mortes que a mônada sofre em cada mudança de plano de expressão, essa matéria residual retorna ao seu estado inercial, não estando, por isso inserida no processo evolutivo do cosmo.

Todavia, segundo o monismo ubaldiano, como vimos, não se concebe como seria possível ao Criador gerar de Sua própria imanência, substâncias não pensantes, desprovidas de consciência, uma vez que do Divino somente pode fluir abstrações mentais. Compreendemos assim que a essência espiritual, embora se incorpore de fato à matéria física, em sua origem, é também um substrato autoconsciente, ainda que em expressão inferior e reduzida. Então toda matéria é feita de pensamento coagulado, é viva, produto de uma ideação pura, portanto, divina também. Esse monismo substancial não foi visto integralmente pela teosofia e pelas escolas espiritualistas atuais e persiste encontrando resistências em nosso concebível, uma vez que até o momento não detemos subsídios para a sua perfeita compreensão.

Além do mais, a teoria secessionista nos diz que a matéria não é um genuíno produto do Criador, mas sim do espírito que sofreu a contração dimensional, sendo fruto de uma deterioração, o que nos parece bem mais lógico, uma vez que se trata de um produto instável e deteriorável, destituído dos atributos essencialmente divinos. Concluímos assim que, quando o “Terceiro Logos criou a matéria”, na verdade ocorria a queda original do espírito e não um ato da inteligência divina, que não formaria tal produto instável e inadequado para vestir uma essência imaculada em sua origem, feita do mais puro pensamento. Vemos então, mais uma vez, que a teosofia, como as demais doutrinas evolucionistas correlatas, considera apenas a criação secundária do universo físico e não foi capaz ainda de adentrar a gênese do universo espiritual.

Sob o foco do monismo entendemos que a matéria é uma essência espiritual condensada desde a sua formação, como produto da queda, fato que se compatibiliza perfeitamente com a irrevogável Sabedoria divina. Torna-se evidente, contudo, que durante a evolução, o espírito, uma vez desperto do bojo atômico no qual se meteu, retorna à matéria residual e a abraça, carreando-a consigo e vivificando-a a fim de construir com ela corpos mais elaborados, promovendo-se assim a progressão conjunta de todo o universo físico derrocado. Somente assim nos é possível construir uma verdadeira unicidade no universo divino, sem separar o espírito de todos os seus substratos.

A despeito do contrassenso, é a própria teosofia que conclui, firmando o seu peremptório monismo conceitual: “Não existe consciência sem matéria e nem matéria sem consciência”. Atesta-nos assim que a consciência divina está presente em tudo que existe, conferindo vida a todas as suas expressões, embora insípida e insciente nas construções físicas brutas.

 

Um reino em oposição

Embora a visão teosófica tenha concebido a unidade da criação, ela observou também que o Todo divino alberga opostos e adversidades, sem se deter a explicar a existência desses injustificáveis antagonismos na obra perfeita de Deus. O dilema das oposições na criação inscreve-se assim na teosofia com o mesmo vigor com que contamina os elevados preceitos espíritas sobre a constituição e o estofo ideológico do universo.

Com clareza os ensinos blavatskyanos nos explicam que o pensamento de Deus constrói universos divididos em planos os quais se acham constituídos de “um polo positivo e outro negativo”. Contudo, não se compreende o que leva o Senhor a inserir a negatividade em sua criação, fazendo-a uma imensa arena de permanentes conflitos. Com a clareza da revelação de Ubaldi é que entendemos tratar-se da oposição S-AS e não de um mecanismo genuíno da inteligência divina, que não atuaria em oposição à Sua própria obra.

Diz-nos o Manual Básico de Teosofia: “Em polos opostos a Divindade manifestou-se e, nessa polaridade, há a construção, períodos de atividades, de repousos, e de novas atividades [...] a expansão e a contração do universo, a inspiração e a expiração, a vigília e o sono. Em todo o universo há o pulsar da Divindade dando vida a tudo e a todos, num processo rítmico de evolução crescente”.

Vejamos um pouco mais. Conforme os seus ensinos, o Segundo aspecto do Logos, Atma, o princípio espiritual, “é força potencial que a tudo envolve e impulsiona, constrói e destrói, permanecendo como pano de fundo presente nos planos da natureza”. Força que se manifesta como “atração e repulsão” e, como estímulo vivificante, “dá ao Terceiro Logos os atributos de nascimento, crescimento, decadência e morte”. Destarte, é o mesmo ensinamento que, com muita propriedade, reza que a criação é um puro ato de amor do Criador: “Deus doou-Se por amor ao universo criado” – deixando-nos sem entender como é possível a existência de um amor que constrói e ao mesmo tempo destrói, impregnando a criação de decadência e morte, ainda que visando a reconstrução, uma vez que gera também dor, instabilidade e desordem – inegáveis e injustificáveis sacrifícios para o ser em evolução.

E continua o pensamento teosófico a nos informar o que é verdadeiro, porém inexplicável sem a visão monista: “A construção, destruição e renovação de tudo num todo ordenado, é um processo do poder divino, manifestado a partir do plano átmico” – o poder destrutivo não poderia advir da inteligência divina e imputá-lo às forças rebeldes do AS nos parece ser a única forma de resguardar a plenitude do poder e da Sabedoria de Deus, continuamos a insistir.

Além do paradoxo da destruição, a incompreensível fragmentação do Todo também está explícita no pensamento teosófico: “A vida está presente em tudo e se manifesta como frações da Vida Una, provenientes da Divindade. Ora, por que a Vida Una se fracionou no universo físico, afinal? Não nos parece isso um movimento inadequado que somente gera dificuldades em sua laboriosa recomposição?

Ademais de fracionar-se, Deus desfaz em seus filhos a potência da origem, contraindo-os nos planos inferiores de Sua criação, sem que saibamos exatamente por que: “Quanto menos sutil um plano da natureza menor o seu poder vibratório”. Assim o Senhor cria planos menores, contraídos e em contrastes, fazendo com que a infância e a juventude do ser em construção evolutiva se oponham com tamanha veemência à sua maturidade, movidas por interesses divergentes, impondo dificuldades aos Seus rebentos em crescimento, pertinente contradição que apenas a existência de um erro de origem pode justificar, como já abordamos.

Embalar a criação pelo caos e pela dor, pela construção e pela destruição, não nos parece ser a normalidade do processo genético divino, pois, nós que copiamos o Seu modelo, não agimos assim para criar. Basta, contudo, inserir a derrocada do espírito para que tudo se normalize e nos bastemos de compreensão, ao entender que estamos na gênese secundária, a física, contaminada pelos impulsos opostos do AS.

Concluímos que os conceitos teosóficos, demonstrando que vivemos em um universo antagonizado, evidentemente estão corretos e são um retrato fiel de nossa realidade, perfeitamente aferidos em a A Grande Síntese, porém se acham incompletos. Não estamos negando todos esses fatos, mas apenas considerando que não se pode mais fazer tais tremendas afirmações sem intentar explicar os contrassensos que geram para a irrefutável lógica que imputamos ao Criador. Não nos bastam mais para fundamentar uma fiel, digna e amorosa atuação esperada Daquele que é a sabedoria e a bondade máximas e inconcebíveis. Por isso necessitamos do pensamento de Ubaldi que melhor nos esclarece, justificando tais enormes paradoxos inseridos no universo em que respiramos, aferindo assim a devida coerência ao processo genético divino. Eis o que falta à teosofia.

O conflito do eu

O conceito de homem apregoado pela teosofia corresponde ao pensamento monista e, enriquecido com os preceitos da queda, aclaram sobremodo a imagem que devemos ter de nós mesmos. Vejamos: como nos ensinou o espiritismo, a teosofia apregoa também que somos espíritos em evolução, utilizando-nos de várias vestimentas provisórias ao longo da estrada do tempo, em busca da edificação de nós mesmos. Entretanto ela visualizou igualmente que em nosso imo brilha uma Luz sagrada, irradiando a Inefável Potência que nos concebeu e nos sustenta na longa caminhada. Portamos, desse modo, nos arcanos da alma trazemos uma porção nobre e divina, chamada pela escola blavatskyana de Eu superior, como em Ubaldi e outras escolas. Diz-nos o Manual Básico de Teosofia: “Pense em você não como pessoa, usando a máscara da personalidade, mas sim como um ser de origem e natureza divinas, sem nascimento nem morte. Somos uma centelha divina saída e ligada ao fogo supremo”. Contudo, agora sabemos, a essa excelsitude inimaginável que nos compõe a alma, agregamos a mácula de nossa inferioridade, oriunda da contração espiritual a que nos impusemos e a qual, com a maceração evolutiva, estamos tratando de consumir.

Entendemos perfeitamente com Ubaldi que, embora contaminados por esses instintos atávicos, não perdemos a nossa natureza essencial, a chama divina que apenas se recolheu nos arcanos do nosso ser: “A mente não corresponde a nossa verdadeira natureza. Somos muito mais que ela” – diz-nos acertadamente a teosofia. Ora, somente a derrocada espiritual pode explicar tal contrassenso, pois Deus não ocultaria o Seu poder aos seus rebentos se não houvesse uma razão para isso. Poderão argumentar que não se disponibiliza recursos fantásticos a crianças que ainda não sabem utilizá-los, mas também nos é dado o contra-argumento de que o mais correto seria apressar a ensiná-las a usá-los e não lhes dificultar o livre acesso, como se simplesmente elas não os merecessem. Assim torna-se claro que Deus obstaculizou o uso do Seu poder àquele que se rebelou contra a lei do amor a fim de resguardar a Sua criação e em defesa do próprio ser rebelde, para que, com ele, não destruísse a si próprio.

E exatamente por isso é que vivenciamos um eu virtual, assim como existimos em um mundo que é irreal. A teosofia nos mostra que compomos personalidades provisórias, meras caricaturas do eu real, agora oculto nas trevas em que nos convertemos. “O Eu real não é a imagem que o espelho reflete. Esta é virtual. O Eu real é muito mais do que a imagem refletida. Podemos quebrar o espelho, que o Eu real continua” – afere-nos com propriedade o Manual Básico.

“Tornai-vos aquilo que já sóis” – recomenda-nos com exatidão a sabedoria teosófica, induzindo-nos a reconhecer o ser de origem e natureza divinas que ressoa nos refolhos de nossa alma, mas não se deteve a nos explicar por que vivemos a ilusão de havê-lo perdido, se assim de fato fomos criados. Eis onde se insere a visão monista que somente vem contribuir com a teosofia e todas as doutrinas já instituídas da Terra, as quais não deseja sobrepor-se.

Os ensinos de Helena Blavatsky reconhecem essa deformação interna que portamos pelas estradas do relativo, e que entendemos ser consequência da queda do espírito. Contudo, ela, assim como a visão evolucionista espiritualista, não a considera uma patologia, mas simplesmente um fato natural e inerente à mecânica da vida. “Os arquétipos de criação do nosso sistema solar estão no interior do homem. Este é um museu vivo que contém o repositório real da história da cosmogênese” – diz-nos com muita propriedade a visão teosófica. Todavia é justo ponderarmos que a cosmogênese advém do caos, da fornalha atômica do big bang e não nos parece uma genuinamente e digna herança da inteligência divina. É verdade que somos um depósito ainda vivo do nosso passado, mas este nos fala nitidamente de uma imensa derrocada e nos sufoca a alma de angustiosos sentimentos inferiores.

Somos unidades espirituais em evolução transportando conflitos de difícil solução, oriundos de nosso delituoso passado, sob o sufrágio dos desmandos do ego, a nos exigir renúncias e superações que somente a queda primária explica em sua origem última, uma vez que tais prélios fazem parte de nossa própria e natural inferioridade. Drama cósmico que impregna todo o universo em que vivemos, inclusive as suas paisagens espirituais imediatas ao túmulo. Drama que Ubaldi estuda com impressionantes detalhes em suas obras. Esclarece-nos assim que todos nos achamos enfermos de penúrias espirituais e rebeldias, mas que Deus, em absoluto, assim não nos fez e se vivenciamos tamanhas carências e ímpias batalhas, foi por própria e inadequada escolha.

Por isso, compreendemos perfeitamente ao ler no Manual Básico de Teosofia: “Como seres espirituais queremos ‘refinar’ nossas emoções enquanto a matéria que forma nosso corpo astral quer paixões as mais grosseiras. É o conflito humano, o digladiar do homem animal com o homem espiritual, embora ambos estejam integrados, cada um quer uma coisa diferente do outro”. E continua, aferindo-nos exatamente os mesmos ricos conceitos que aprendemos de Ubaldi: “Identificamo-nos tanto com nosso corpo físico, estamos tão crucificados na matéria, que supomos nada mais existir além desse corpo”.

A fantástica tese da derrocada do espírito é o único conhecimento capaz de justificar esse antagonismo do eu nitidamente identificado pela teosofia ao nos afirmar que há na natureza humana um conflito permanente entre um Eu superior e outro inferior. Ela nos aclara acertadamente que possuímos virtudes positivas e negativas e que devemos nos esforçar ao máximo para inibir as negativas e exaltar as positivas, se desejamos apressar a realização do espírito em nosso íntimo. Ora, patenteia-se assim a existência inexorável da negatividade no nosso cosmo, como se fosse unicamente um produto da mente humana, mas é o mesmo ensinamento teosófico que nos afiançou estar a polarização presente nos planos da evolução e nas forças da natureza, como facilmente se pode averiguar. Agora sabemos que quanto mais involuído um plano, mas próximo ele está do AS e não de Deus, sendo esta a única maneira de se resolver com coerência tamanhos dilemas, insolúveis na visão evolutiva.

Se negarmos a tese monista, será preciso imputar tamanhos paradoxos à inteligência divina, aceitando que o Senhor nos criou em condição de imensa e lamentável penúria espiritual e ainda não pôde evitar que o simples fato de atravessar os caminhos primevos da evolução nos contaminasse com a inferioridade e a dor, promovendo-nos os imensos antagonismos com os quais agora nos debatemos.

Os conceitos teosóficos são ricos de ensinamentos que não podem ser desmerecidos, mas vemos, enfim, que eles carecem abraçarem-se ao monismo a fim de continuarem atendendo às necessidades de entendimento do espírito que cresceu. Por isso os ensinos de Ubaldi se tornam indispensáveis ao nosso intelecto e não podem mais ser ignorados pelo homem atual, em qualquer uma de suas escolas.

 

Paradoxo da impureza

É imprescindível concordar que a descida da mônada na matéria a contamina, sem que compreendamos as razões de tão estranho fato, pois Deus não deveria criar produtos impuros, considerando-se que o universo físico também é um produto de Sua imaculada inteligência. “Seus corpos inferiores ofuscam o brilho de sua essência divina, o verdadeiro espírito do homem, a mônada” – diz o Manual de Teosofia. Uma vez obscurecidos pelas imperfeições da matéria, “a ampliação da consciência para entrar em contato direto com a Mente universal requer disciplina constante, com a purificação de nossos veículos e a prática da Ioga até que cheguemos a níveis superiores” – continua a nos explicar a referida obra.

Os corpos inferiores que a sabedoria divina disponibiliza para a educação da mônada tenra, recém-saída de seu berço sagrado, de modo incompreensível, lhe maculam a pureza de origem, gerando o que chamamos paradoxo da impureza, pois não entendemos o que levaria um pai a cobrir seu amado filho com vestes impróprias, se assim não nos comportamos com os nossos rebentos. Este é o mesmo paradoxo da expiação que já identificamos no espiritismo e integra toda visão de mundo exclusivamente evolucionista.

A teosofia também anteviu muito bem que nos impurificamos ao atravessar os reinos inferiores da vida universal e reconhece nossas necessidades de depuração, mas não pôde encontrar as razões mais profundas para tão estranho fato, incompatível com o amor divino. Afinal, por que nossos corpos inferiores são impuros e imperfeitos?

“Quanto mais purificamos e controlamos nossos corpos inferiores, portanto, mais resultados nobres de experiências vividas transmitiremos ao corpo mental superior e, consequentemente, maior será o desenvolvimento deste [...] Em virtude das próprias condições ainda não purificadas do homem, o poder Átmico não se expressa em plenitude [...] apenas pela purificação dos veículos da personalidade essa energia maior pode refletir melhor todo o seu poder” – afirma com exatidão a obra citada, a qual nos recomenda com veemência os métodos de purificação da alma – alimentação, exercício físico, higiene e meditação – sem nos explicar por que as próprias leis da vida nos contaminaram no sagrado dever de evoluir e ascender.

Acertadamente, porém, ela nos esclarece que o nosso Eu superior está sempre pronto a influenciar a personalidade, o nosso eu inferior: “Enquanto este não se tornar um receptáculo adequado, não se purificar, não conseguirá receber a água cristalina da Individualidade sem turvá-la, não conseguimos manter água pura colocando-a em copo sujo”.

Além de contaminados pelo mergulho na carne, carecemos agora de libertação, nos elucida muito bem o ensino teosófico: “Uma das funções de Átma é a libertação do espírito”. E complementa, aclarando que: “Ao falarmos de libertação estamos nos referindo à sua expressão escoimada de todos empecilhos impossibilitadores de manifestação consciente e que costumam estar presentes em todos os veículos, sem exceção”.

Como vemos, a teosofia caminha entre conceitos que julgamos elevados e corretos, contudo, ela não pôde penetrar na essência da fenomenologia universal, divisando os últimos porquês de todos os seus paradoxos, permanecendo no mesmo ponto em que se deteve a doutrina espírita. Naturalmente que ambos não estão errados, mas apenas lidando com verdades incompletas para as quais a maturidade humana exigirá melhores explicações.

A queda monádica

Surpreendentemente, assim como o espiritismo, a teosofia encontrou-se com a queda do espírito, embora os estudos blavatskyanos não tenham lhe dado a devida ênfase e a clareza que lhe proporcionou Ubaldi. Estaciona-se assim a inspirada revelação teosófica em prospectivas inconclusas por lhe faltar justamente essa chave, indispensável para se abrir os segredos da compreensão de Deus e do universo, até o máximo possível aos nossos dias. Vejamos:

A teosofia nos mostra com evidência que a evolução se segue a um processo de descenso involutivo. Embora assim não o caracterize precisamente, ela se refere, por exemplo, que a mônada se veste de corpos físicos para habitar os planos densos. O segundo princípio divino do Logos, o Átma, também desceu à matéria para vivificá-la. Através de um processo de “densificação em busca de vibrações mais densas até consolidar-se no mundo mineral”, a essência elemental igualmente mergulha no reino da matéria bruta, destarte se interpreta o fato como uma normalidade da técnica da criação divina, não se detendo a teosofia a questionar a sua improbidade do ponto de vista da sabedoria suprema. Se entendemos que o processo representa dor, contração de potencialidades e significativas limitações para o ser, excitando-o às mais terríveis necessidades e às árduas lutas evolutivas, então somente uma grave revolta espiritual poderia justificar tamanhos males perante a equânime justiça de Nosso Criador.

Reconhece a teosofia que os “mundos inferiores são feitos de vibrações perniciosas” e quanto mais involuído é um ser mais inconsciente ele é. “O homem é um prisioneiro do mundo físico”, nos diz ela – entretanto não se pode mais fazer essa tremenda afirmação sem intentar explicar tal imposição sob a ótica da perfeição de Deus, pois um pai verdadeiramente bondoso não cria situações embaraçosas e “vibrações perniciosas”, para impor aos filhos do seu amor, exigindo-lhes o exaustivo trabalho evolutivo para delas se libertarem.

Ao descrever o processo genético do espírito no bojo de Deus o ensino teosófico nos diz também que possuíamos a integralidade do poder divino, mas seguramente a perdemos: “Na ideação cósmica, como Mônadas, fazíamos parte do Fogo Supremo. Éramos integrantes da Divindade e trouxemos Dela todos os seus aspectos”. Do espírito, imediatamente depois de criado no seio divino, flui “um impulso energético, despertando nele uma aspiração ardente para manifestar-se nos planos inferiores da natureza [...] não é uma força de fora para dentro, mas de dentro para fora que emana do âmago do Ego, como reflexo da vontade divina em se manifestar”. Ora, mais uma vez, não podemos conceber como esse anelo de vida que impulsiona o ego a se expressar na forma, chamado trishna, possa ser reflexo de um genuíno desejo de Deus. Por que o Criador nos desejaria presos nos planos inferiores e densos? Achamos mais lógico que se trate de uma necessidade de corrigenda, uma vez que mergulhar na matéria pressupõe a morte da consciência e a perda da plenitude do ser. Esse “paradoxo de trishna”, como poderíamos chamá-lo, mais uma vez, somente pode ser explicado pela queda, jamais admitido como um mecanismo natural da existência imposto pelo Pai aos Seus amorosos rebentos.

Afirma-nos ainda o pensamento teosófico que o espírito se encontra crucificado na matéria, sendo este o sentido esotérico da crucificação – “A Divindade queda encarcerada na matéria, crucificada na matéria” – “o espírito está enclausurado na matéria”. Crucificação que representa também perda da consciência plena: “Ao utilizar-se de princípios e corpos mais densos para aquisição de experiências em mundos mais espessos, sua consciência é velada”. E além de tão severa restrição, o ser perdeu também a glória com a qual foi criado: “A mônada é onisciente e onipresente no mundo monádico, mas inconsciente nos demais planos da natureza, isso desde os primórdios da evolução. Mas ‘voltará’ ao regaço do Pai, gloriosa”. Evidentemente que tais conceitos somente podem ser aceitos mediante a tese secessionista e jamais admitidos segundo pressupostos de uma visão exclusivamente evolucionista.

Continuando a examinar os seus ricos postulados, podemos, todavia, verificar que os preceitos teosóficos escondem em suas entrelinhas exatamente a teoria da queda de Ubaldi: “No mineral a vida está crucificada na matéria em seu ponto máximo. Este é um dos múltiplos significados da crucificação. O mundo foi criado pela ação do terceiro aspecto do Logos e o impulso da vida proveniente do segundo aspecto da Divindade está crucificado na matéria. Deus cria mundos, crucifica-se nesses mundos, mas transcende-os não se restringindo neles” – como entendemos agora, Deus não se crucificaria na matéria em um regime de normalidade, coisa incompatível com a Sua Sabedoria suprema. Deus é espírito e somente poderia criar espíritos, jamais a matéria, que, existindo como potencial nulo, foi desenvolvido pelo próprio ser falido. Então o Criador se crucificou nos mundos físicos por amor aos filhos caídos, somente para resgatá-los, jamais para gerá-los. Eis o detalhe que falta ao pensamento teosófico, como também faltou à doutrina dos espíritos e coube a Ubaldi a tarefa de nos alertar.

Destarte é preciso considerar que a intuição teosófica intentou encontrar os motivos que levam o Criador a se crucificar na matéria e a mônada a condensar-se nos túmulos físicos, onde encontra verdadeiramente a sua “morte”. Embora alguns estudos mais aprofundados nos revelem que essa foi uma opção dada ao espírito ao ser criado, o pensamento teosófico conclui tratar-se de uma experiência necessária ao ser para a aquisição do conhecimento e o completo domínio da criação. Observemos o que nos diz o Manual Básico: “A Divindade ‘crucifica-se’ nos mundos mais densos, por meio da extensão de seus filamentos, penetrando nos planos mais compactos da natureza. À medida que ‘descem’ revestem-se esses prolongamentos de véus cada vez mais espessos, formam ‘centros especializados’ de matéria relativa aos planos onde irão autuar e, ao mesmo tempo, auferir as experiências facultadas por cada plano”.

Embora inconsciente nos planos densos e crucificada na carne, “a mônada voltará ao seio do Pai, gloriosa por responder e dominar as vibrações de todos níveis do universo” – mas, se fomos criados com a consciência plena e saímos para readquiri-la, o processo se torna ainda mais incompreensível, não se justificando todas as dores geradas, o mal que conhecemos e o cansado do retorno. “É que apenas vivenciando e armazenando experiências nos vários planos da natureza, poderá um dia dominá-los, tornando-se onisciente e onipresente nesses vários mundos” – insiste o argumento teosófico, gerando um insustentável sofisma.

Persistindo no tema, a teosofia tenta nos persuadir de que a mônada “carece da experiência na matéria para se tornar um Logos governante de um sistema solar”, pleiteando a compreensão exata da necessidade de tão dura lição. Será, então, que não retornaremos jamais ao absoluto, permanecendo entre as tumultuosas paisagens siderais relativistas, contorcidos nas malhas do espaço e presos nas volutas do tempo, como engenheiros de mundos físicos, manipulando fornalhas atômicas e intentando dominar forças telúricas e caóticas e para sempre? E se estamos destinados a tornarmo-nos essências puramente espirituais e habitantes do reino de Deus, entretecido na mais pura Imponderabilidade, então, convertermo-nos em fabricantes de mundos físicos nos gélidos espaços siderais, parece-nos mais um castigo do que uma glória, pois estaríamos predestinados a viver exclusivamente nas tristes paisagens do relativo.

A teosofia corretamente coloca a queda de Adão na matéria, e não como símbolo exclusivo de uma raça humana falida, como o fez o pensamento espírita, todavia ela concluiu que Adão comeu o fruto proibido apenas por que precisava adquirir conhecimentos. Embalados pela lógica da queda espiritual, diríamos que a inspiração que move os ensinos teosóficos foi ludibriada pelo nosso inconsciente profundo e derrocado que busca subterfúgios para abonar nossa lamentável condição, afastando-nos, por orgulho, das reais causas que poderiam de fato justificar a nossa precipitação e prisão na matéria.

Será que somente a necessidade de experiência poderia afiançar a dor, o mal e o caos? Deus realmente necessita de se imolar nos redemoinhos físicos para viver tal experiência conosco, enriquecendo a Sua e a nossa inteligência com esse tipo de conhecimento? Careceríamos de fato de aprender a dominar a matéria simplesmente para abandoná-la depois? Preferimos acreditar na impropriedade de tal proposta, admitindo a tese secessionista que se nos apresenta muito mais lógica, conferido a mais perfeita coerência à obra divina.

A tese da experiência necessária se compara a tentarmos ajuizar que somente dominaremos os vícios do nosso mundo vivendo-os intensamente, chafurdando-se em seus males e sofrendo todas as suas terríveis consequências. Podemos deduzir que tamanho prejuízo não nos convém e seguirmos adiante, angariando lucros e evitando enormes dissabores e dores para a nossa vida. Portanto, é possível que, para o espírito criado puro, a matéria e seus inadequados planos densos não fossem uma necessidade premente a se vivenciar para se adquirir o conhecimento pleno, uma vez que detínhamos a ciência infusa. Assim preferimos a proposta de Ubaldi a qual nos parece muito mais compatível com a inteligência de Deus.

E ainda mais, se a passagem pelos planos inferiores da evolução fosse uma experiência imprescindível à aquisição da sabedoria máxima, ela não poderia nos ser um peso e muito menos nos servir como veículos de contaminação. É inegável que, os cenários da vida física com suas coerções e dores se assemelham muito mais a institutos de corrigendas para seres que caírem em graves erros e passaram a se alimentar de perigosas intenções do que a uma aprazível escola de enriquecimento para a alma. Por isso, além de um campo de experimentações, sem que saibamos exatamente por que sem a tese secessionista, a vida é um pugilato de tremendos embates físicos e espirituais que forjam em nós a atuação exclusiva nas peias do amor sublimado.

Destarte, em momentos de acertada intuição a teosofia aproximou-se da cosmovisão monista, ao considerar, por exemplo: “Como Mônadas, fizemos a nossa escolha. Não foi algo imposto de fora para dentro, mas sim um ímpeto interno que nos projetou à manifestação na arena da vida” – aferindo-nos, assim, com clareza, que tamanha desdita, a desventura de se reconstruir em meios aos escombros do universo físico e vivenciar a perda da consciência plena com a qual somos criados, não nos foi simplesmente uma experiência imposta pela bondade divina, mas sim uma opção nossa ao rompermos o pacto da existência e impulsionarmo-nos ao inadequado e desmedido crescimento do ego, depois de recém-criados no Sistema.

Por isso a Escola teosófica reconhece que a vilegiatura física é uma jornada de retorno à casa do Pai e não de ida, da qual estamos vibratoriamente muito distantes. Claramente ela nos diz: “Como seres saídos do seio do Pai, a Ele estamos ligados e, um dia, para Ele voltaremos já que, em essência, somos eternos”. Ora, se somos Filhos do Eterno e estamos voltando, algo motivou a nossa retirada da Eternidade, pois Nosso Pai não nos enxotaria de nosso lar e muito menos nos teria gerado fora dele. Mas agora sabemos que, na verdade, nós é que pedimos nossa herança e nos evadimos da Mansão divina. Por isso está correta a teosofia ao nos afirmar: “Desde que ‘saímos da casa paterna’ até o presente, a vontade está em nosso interior, fazendo parte de nosso eu [...] O homem sente-se órfão [...] Que futuro esplendoroso aguarda o homem em sua volta à casa paterna!”

Eis que se aclara de forma evidente a tremenda maceração evolutiva que a lei de Deus nos impõe: “Sem resistência não há evolução e isso se aplica muito bem à nossa vida terrestre. Enfrentando os obstáculos advindos da luta pela sobrevivência, procurando conviver serenamente com as intempéries do dia-a-dia, cultuando a saúde física e mental, agindo com os ditames de justiça da consciência, enfim, atuando na arena da vida física com a ‘reta ação’, é que fazemos a melhor semeadura para florescimento de nossa alma na escolaridade da vida [...] Cercado de glórias e fracassos, conquistas e perdas, vitórias e derrotas, na contenda da arena do ‘mundo de César’, o homem caminha para o seu grande destino: a volta à casa paterna” – atesta-nos acertadamente o Manual de Teosofia aferindo a realidade da vida humana e as acerbas condições a que estamos submetidos. Destituídos da glória divina, da vida esplendorosa na Eternidade, vivemos embalados pela dor, pelo desterro, submersos na inexpugnável nostalgia de Deus, do bem, do amor e da paz. Ora um Pai que é a bondade infinita não nos criaria com tamanha desdita, e não nos reservaria a vida gloriosa somente depois de crescermos.

E, ademais, podemos compreender que se “nós mesmos criamos as condições kármicas cujas resultantes desencadearam o panorama dessa nossa existência”, como nos afirma a teosofia, então se torna fácil aceitar que, extrapolando essa verdade universal para a realidade em que estamos inseridos, nós é que fomentamos o carma cósmico da matéria, uma vez que somos os artífices do AS e todos os seus males e não a grandeza do amor divino.

Eis que com a visão monista tudo isso agora se nos aclara, e podemos aferir a exatidão de todas as informações veiculadas pela teosofia, auferindo assim imenso consolo para a nossa alma.

A Degeneração das raças

A Teosofia apresenta-nos ainda a interesse hipótese de evolução do espírito, no reino humano, através de sete raças principais, cada uma dividida, por sua vez, em sete outras sub-raças. Nossa humanidade atual integraria a 5ª sub-raça, chamada teotônica, pertencente à 5ª raça, a ariana. A 1ª é denominada “etérica ou protoplasmática”, a 2ª, hiperbórea, a 3ª, lemuriana e a 4ª, a atlante. Ao estudarmos essas raças e sua evolução, nota-se com clareza a mesma ideia que ventilava o chamado mito das Idades, preconizado pela antiga mitologia grega.

Segundo se depreende dos tratados teosóficos, a primeira raça era formada por seres humanos mais perfeitos, que viviam em harmonia com o fluxo da vida, sintonizados com as mente do Criador. Partícipes da criação como co-criadores, eles habitavam corpos de matéria menos densa e mais luminosa que a do homem atual, sendo esse o motivo de não haverem deixado resíduos fósseis. Nesse período, como se vivia em harmonia com a criação, os seres humanos não estariam sujeitos às intempéries da natureza, às enfermidades e aos ataques dos animais. Sequer existiriam animais dotados de ferocidade como os atuais. Vivia-se, portanto, um verdadeiro paraíso na Terra. No entanto, segundo os estudiosos da Teosofia, teria existido um período em que esses primitivos seres humanos romperam com essa harmonia existente, provocando grandes mudanças em seus corpos, tornando-os mais densos e grosseiros. Com isso o homem incorporou o medo e perdeu o domínio que tinha sobre os elementais. E em decorrência também dessa discórdia, os reinos vegetal e animal e toda a natureza terrena perturbaram-se, tornando-se o planeta um mundo mais hostil, tal como é hoje. Foi a partir desse ponto que teriam surgido os desertos, os terremotos, as erupções vulcânicas e se implantado a agressividade dos animais. O mau uso que o homem fez de sua energia vital, decorrente de seu livre-arbítrio, responsabilizou-se, assim, não só pela mudança do habitat terreno, mas por toda a degeneração que nossa espécie hoje vive.

Como se vê, essa teoria pressupõe assim uma espécie de “queda do Paraíso”, em outra versão, muito semelhante à descrita na degeneração das Idades, proposta pelo mito grego. Segundo essa mitologia, o homem teria sido criado na Idade do ouro, e vivia junto aos deuses, mas degenerou-se nas Idades da prata, do bronze e o do ferro, na qual hoje vive, tornando-se um ser mortal, possuído pelas fraquezas da carne e subjugado pelas doenças.

Segundo a ótica de Ubaldi, arriscamo-nos a dizer que a evolução das raças, na visão teosófica, bem como a degeneração das Idades, presente na mitologia grega, nada mais seria que reflexos do inconsciente coletivo humano que o faz sentir intuitivamente que viveu no passado um estado de glória e plenitude que, por sua culpa, perdera, no exercício equivocado de seu livre-arbítrio, rompendo sua harmonia com a Criação perfeita.

Embora não tenhamos subsídios para negar a veracidade dos fatos segundo nos apresenta a revelação teosófica, sentimos que essa teoria não resiste a uma análise mais profunda. Tudo nos leva a crer que, em todos os tempos da vida planetária, existiram grandes cataclismos naturais, que certamente eram muito mais intensos que os das eras modernas, como nos demonstra a história geológica do nosso orbe. E igualmente, somos forçados a admitir, pelos estudos da evolução biológica, que os antepassados dos animais terrenos eram até muito mais agressivos do que os atuais. Basta arremeter-nos à era dos dinossauros, que viveram entre 225 e 65 milhões de anos antes do advento do homem, e encontrar-nos-emos com os grandes carnívoros, como o tiranossauro rex, verdadeiras máquinas de guerra, cujas peripécias de agressividade certamente eram muito mais violentas que os mamíferos que lhes seguiram. No entanto, deixamos que o leitor julgue por si mesmo e adote as verdades que bem julgar pertinente à lógica que o assiste.

 

Evolução monádica

Encerrando nosso parecer sobre a rica doutrina teosófica, nos cabe comentar ainda que, como todas as visões evolucionistas, ela propôs igualmente a técnica evolutiva como norma do processo genético da criação divina. Assim todas as Mônadas, passam pelos reinos inferiores da matéria e da vida para atingir a perfeição, seguindo caminhos idênticos de realização progressiva.

Desse modo a hipótese da queda de posição relativa a que nos referimos ao estudar os paradoxos do monismo, não se enquadra em seus postulados, pois todas as mônadas em queda teriam iniciado os seus passos em uma única posição no reino físico, a mais inferior possível. E todas percorreriam os mesmos degraus do edifício evolutivo, do mineral ao vegetal, animal, hominal atingindo os Platôs superiores, Átmico, Búdico, Monádico, terminando no Divino. Partindo de sete almas-grupos básicos, elas despertam paulatinamente pela evolução, através da individualização, o processo de construção da personalidade – “Na evolução a vida estagiou em múltiplas formas de consciência crescentes dos mais simples minerais aos mais evoluídos animais, até o homem” – explica-nos, com clareza o Manual Teosófico.

Embora a teosofia tenha se referido a espíritos que não encarnariam no reino humano (os devas, os elementais e os espíritos da natureza) e não tenha se detido a nos explicar melhor o fato, todos estariam submetidos à evolução, não havendo aqueles que dispensariam a construção progressiva. Dessa forma, assim, como a visão espírita, a teosofia não se refere a espíritos falidos e não-falidos e à distinção de uma gênese no absoluto e outra no relativo, como o fez a teologia cristã e a síntese monista corroborou.

Acreditamos que, uma vez que abandonamos a tese da queda de posição relativa e passamos a adotar a do potencial relativo, ainda com Ubaldi, corroboramos perfeitamente a escalada progressiva do devenir descrita pela teosofia, embora compreendamos que o gradualismo darwiniano necessite abraçar-se ao conceito de equilíbrio pontuado para se fazer coerente, como também já vimos ao estudar as incongruências do materialismo científico.

E, finalmente, é preciso considerar que a tese monista resolve muito bem o intrigante conceito de alma-grupo suscitado pelo pensamento teosófico, assim como convidamos os estudiosos do monismo a incorporar tal fundamento aos seus preceitos, enriquecendo-os por sua vez. Já vimos, porém vale a pena repetir: podemos pressupor que, com a queda, a mônada perdeu a sua organicidade, desfazendo-se sua unidade coletiva e, sem diferenciação orgânica, transmudou-se em um substrato elementar simples e aparentemente inerte e bruto, indistinguível de todas as outras. Por isso os seres caídos se converteram, nos primórdios de suas manifestações físicas, em uma massa informe e homogênea, vivendo nos baixos níveis da matéria como mantos de eus indiferenciados que a teosofia denomina alma-grupo. A evolução, contudo, trabalhando para despertar a Divindade ínsita em cada um dos seres contraídos, paulatinamente lhes resgata a consciência adormecida, devolvendo-lhes o instinto de organicidade, fazendo-os passarem do indistinto ao distinto, do “não-ser” ao “ser”, do impessoal ao pessoal, do inorgânico para o orgânico e do imperfeito para o perfeito.

Assim, como vimos na teoria unificada da evolução, as almas-grupos, evolvendo, liberam suas Mônadas indiferenciadas, desfazendo sua aparente homogeneidade, fenômeno que a teosofia caracterizou como a individualização. Sob a ótica monista, compreendemos que o fato deve estar correto, porém, trata-se nitidamente de uma reconstrução de uma individualidade que existia anteriormente à queda e que, na verdade jamais se perdeu, apenas se retraiu em sua manifestação original, perdendo sua organicidade. O tema se abre em uma visão detalhada dos panoramas da queda e da evolução, a qual deixamos a fim de não desviar notadamente o caminho que ora traçamos.

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Após essa rápida incursão na magnífica visão teosófica, concluímos que os seus paradoxos, assim como os do espiritismo, são aparentes e estão restritos à época em que foram concebidos os seus conceitos básicos, adaptados à condição humana capaz de absorvê-los. Sem alarde de ufania, podemos afirmar que ambos muito se beneficiariam com os estudos desenvolvidos por Ubaldi em Deus e Universo sobre a natureza divina e a criação original. Por isso reafirmamos o mesmo que se pode dizer em relação à preponderante doutrina kardecista: não pretendemos aqui criticar ou destituir a teosofia, mas apenas alertar aos seus estudiosos que o Cristo nos enviou o seu mensageiro para nos ajudar na compreensão das pertinentes questões sobre os grandes mistérios da vida e não podemos mais passar ao léu da vida sem ao menos examinar os seus ensinos, retirando enormes proventos para a alçada evolutiva.

Os espíritas, reunidos no VI Congresso Espírita Pan-americano de 1963, infelizmente julgaram dispensável a oferta de Ubaldi. Esperamos que os teosofistas diferentemente aproveitem a doação que certamente o grande filósofo italiano também faria à rica e brilhante Sociedade Blavatskyana.

Empenhados na compreensão de Deus, do universo e de nós mesmos, unamos nossos esforços, ascendendo juntos rumo aos altiplanos da evolução, reconhecendo, não a hegemonia de nossa forma de pensar sobre qualquer outra, mas sim a indispensável contribuição que cada um dispõe no grande compromisso de edificar o homem e o mundo.

Belo Horizonte, verão de 2006

Gilson Freire

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1) ANDREETA, José Pedro. Princípios Herméticos comSciência. São Paulo, SP: ProLibera Instituto Editora, 2010.

2) BARRETTO, Paulo. Cartilha Teológica. Franca, SP: Editora Farol das Três Colinas, 2003.

3) BUCK, Antonio Geraldo. Manual Básico de Teosofia. Campinas, SP: Mystic Editora, 2001.

4) UBALDI, Pietro. A Grande Síntese. 21a ed. Campos dos Goytacazes: Ed. Instituto Pietro Ubaldi, 2001.

5) UBALDI, Pietro. Deus e Universo. 3a ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1987.

6) UBALDI, Pietro. O Sistema. 2a ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1984.

7) UBALDI, Pietro. Queda e Salvação. 2a ed. Campos dos Goytacazes: FUNDÁPU, 1984.