Um Nova Visão da Medicina

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Se os médicos fracassam na maior parte das doenças, é por que tratam do corpo sem alma e por que, se o todo não se encontra em bom estado, é impossível que a parte esteja bem - Sócrates (Platão)

Gilson Freire

Este texto foi escrito em 2008 para ser o primeiro capítulo da obra Saúde e Espiritualidade, publicada pela Editora Inede, em novembro de 2008.

Contamos com a colaboração do prof. Mauro Ivan Salgado em sua elaboração, quem participou ativamente na composição do texto, com preciosas sugestões. Rogério Henrique Pimenta, Fabrício Henrique Alves de Oliveira e Oliveira e Jorge Luiz Barbosa Júnior auxiliaram igualmente em sua correção. Agrademos imensamente a todos.

 

INTRODUÇÃO

Medicina e Visão de Mundo

Desde o início de sua história, o homem vem se esforçando para compreender a vida e o universo que o alberga. Buscando conhecer a origem, a finalidade e o significado de tão magnífica edificação, entretecida em intrigantes mistérios, ele formulou as mais diversas teorias de natureza mítica, teológica ou mesmo racional. Denominadas em seu conjunto visão de mundo, esses corpos teóricos fundamentaram, em todas as épocas e culturas, o nascimento da religião, da filosofia e da ciência.

Também chamada concepção de mundo, mundividência, cosmovisão ou mesmo cosmologia, a visão de mundo tornou-se assim o esteio em que se sustenta não somente o pensamento humano, mas igualmente se estrutura a sua vida, a sua cultura e até mesmo se formula a sua ética. Logo, cada povo, em cada época, criou sua típica visão de universo, através da elaboração de mitos e crenças, segundo os quais se buscava elucidar os fundamentos da criação, fazendo da cosmologia parte integrante de todas as culturas da Terra. Histórias e lendas que ainda não encontraram o seu término por lhes faltar comprovação, e continuam a receber constantemente novos capítulos, agora escritos não pela fantasia humana, mas, sim, pelas hipóteses de caráter científico.

De fato, o homem sempre viveu estritamente segundo a idéia que tem da criação que o envolve. Por essa razão, todas as civilizações, em todas as eras, alicerçaram seus códigos de ética no conhecimento que detinham dos mistérios da criação. Não se pode negar, por exemplo, que a cosmologia bíblica que imperou na Idade Média contribuía decisivamente para coibir a selvageria do homem comum, uma vez que imputava o bem-estar futuro de sua alma às conseqüências de seus atos. E a cosmologia materialista atual, baseada essencialmente no caos, no acaso e na ausência definitiva da intervenção divina, não só entrega o indivíduo às agruras da incerteza do porvir como termina por justificar hedonismos e desordens comportamentais que comprometem sobremodo o equilíbrio social.

Observa-se ainda, curiosamente, que o ser humano sempre compreendeu a sua própria natureza da mesma maneira como acredita ser a constituição do universo. A cosmologia grega, por exemplo, o fez ver-se como um composto estruturado nos quatro elementos básicos da natureza. A cosmovisão cristã o tornou uma alma temente a Deus, carente de regeneração, imprimindo-lhe na personalidade as marcas da abnegação e da humildade. Já a visão mecanicista da Era Moderna o libertou das amarras da culpa, porém o transformou em uma mera máquina, produzida pelo acaso, desprovida de origem e destino.

A medicina, ao longo de seu desenvolvimento, se enquadrou, da mesma forma, nas típicas visões de mundo que coloriram cada época de sua existência. Sua compreensão do homem, o estabelecimento de suas necessidades, as explicações para as suas enfermidades e a maneira de tratá-las sempre encontraram nítida correspondência com o modelo cosmológico preponderante no período em que era exercida. A fim de demonstrar essa curiosa relação, este estudo irá percorrer as principais cosmologias do passado e suas correlatas visões médicas, para considerar, ao final, a inovadora cosmovisão que a jornada humana está edificando na atualidade e o novo modelo de medicina que certamente lhe corresponderá.

Crises Paradigmáticas

A caminhada do homem não se faz somente de passos gradativos, porém experimenta periodicamente a interposição de grandes e revolucionários saltos, tanto no campo intelectual, quanto social e religioso. Saltos que são denominados crises paradigmáticas, por representarem verdadeiras e abruptas rupturas na aparentemente aquietada planície dos conceitos humanos. Assim, por exemplo, em meio à visão aristotélica de mundo, na Era Medieval, assiste-se à interposição de um novo entendimento do universo e da vida, embasado nas evidências científicas do heliocentrismo. Com o sacrifício inclusive de vidas humanas, impunha-se uma súbita desfiguração da ética, da religião e da filosofia. Precipitou-se assim uma crise paradigmática que terminou por construir um novo modelo de homem, no começo da Era Moderna, revolucionando não só a cultura, mas de igual modo e de forma substancial a medicina e a prática de saúde vigente.

Portanto, as visões de mundo sofrem verdadeiros saltos evolutivos que periodicamente convulsionam suas aparentes estabilidades. Saltos estes propiciados pelas descobertas de novos fatos e evidências no campo fenomênico, os quais não podem ser explicados pelos conhecimentos até então alcançados. Assim, a constatação do heliocentrismo copernicano impôs a morte do geocentrismo aristotélico-cristão; a catástrofe ultravioleta promoveu o nascimento da mecânica quântica e a superação da física clássica no começo do século XX; a comprovação da recessão galáctica por Edwin Hubble, em 1929, decretou a falência da visão atomista do universo; e a relatividade einsteiniana e a cosmologia quântica promoveram o sepultamento do cosmo mecanicista do século XIX.

São transposições evolucionárias que, no campo social, guardam o mesmo valor e significado das grandes revoluções, como a francesa e a comunista. No cenário religioso, correspondem ao nascimento de novas crenças, que se impõem com luta e sacrifício às antigas práticas. E tudo leva a crer, como propôs o biólogo Stephen Gould (1941-2002), que a evolução biológica também caminhe dessa exata maneira. E assim, caracteriza-se que a jornada fenomenológica do universo interpõe periodicamente repentinas crises ao gradualismo evolutivo, a fim de mais rapidamente fazer avançar todo o seu conjunto.

Seguindo essa mesma orientação, a história da medicina sofreu de forma recorrente e em todas as épocas a interposição de saltos culturais promovidos por novas descobertas que redesenharam as suas expressões, sobrepondo antigas concepções. E antevê-se que, na atualidade, um novo e surpreendente pulso evolutivo está se estabelecendo, a se refletir decisivamente na próxima visão da medicina.

 

I – A MEDICINA NA VISÃO ESPIRITUALISTA ANTIGA

Segundo a teoria do conhecimento, as informações que alimentam o saber humano se originam de duas fontes básicas: a dedução e a indução. A primeira designa, na lógica clássica, todo raciocínio que parte de premissas gerais para se chegar a conclusões particulares. Portanto, é o processo cognitivo que vai do conjunto à parte, utilizando-se de uma percepção intuitiva ao invés de raciocínios lógicos, para se compreender qualquer fato fenomênico. Caracterizando uma leitura direta da natureza, cujo mecanismo íntimo encontra-se enraizado nos mistérios da consciência, o dedutivismo guia de forma natural o conhecimento humano, onde a razão é insuficiente para orientá-lo. Por isso, funcionando como a intuição, esse foi o principal método que sustentou o desenvolvimento do homem, muito antes que sua percepção racional desabrochasse com vigor. Já o indutivismo caracteriza o raciocínio que, partindo de dados particulares, como fatos, experiências e enunciados empíricos, permite a elaboração de uma seqüência de operações cognitivas para se chegar a princípios de funcionamentos e conceitos gerais de todo fenômeno a ser analisado.

A filosofia e as religiões são evidentes produtos da disquisição dedutiva, ao compor conhecimentos que, extrapolando a possibilidade da análise indutiva, seriam impossíveis de ser alcançados pela razão. Já o saber científico é nítido fruto do indutivismo, por se alicerçar basicamente na experimentação. Enquanto o conhecimento dedutivo suscita verdades ao homem, o indutivo o leva a comprová-las, produzindo seus resultados práticos. Contudo, se o indutivismo lhe faculta a análise da fenomenologia que o envolve, não lhe proporciona a síntese última do conhecimento. Esta somente pode ser conquistada pela dedução, na medida em que lhe proporciona a interação direta com o fenômeno que almeja conhecer. Chega-se, assim, à conclusão de que ambos os meios são indispensáveis para a caminhada humana. Eis o que levou Einstein a afirmar que, sem a intuição facultada pela religião, a ciência é cega, mas aquela, sem a análise científica, faz-se claudicante e incompleta.

As primeiras cosmologias desenvolvidas pelo homem, por lhe faltar meios instrumentais de pesquisas no domínio do conhecimento, fundamentavam-se na metodologia dedutiva. Através da intuição, a brotar de forma natural da consciência humana, constituíram-se corpos conceituais alicerçados essencialmente na crença em um ou mais deuses criadores para se explicar a origem de tudo e em um domínio imaterial, nominado alma ou espírito, para sustentar a vida. Compunham, assim, em seu conjunto, a chamada visão espiritualista de mundo, ou simplesmente espiritualismo. Naturalmente que essa importante visão de mundo influenciou decisivamente a construção das primeiras escolas médicas da história, suprindo-as com a mais genuína crença na imaterialidade dos processos vitais.

Embora passível de diversas conceituações, compreende-se assim o espiritualismo, em seu significado filosófico, como o corpo de conhecimentos fundamentado na existência do espírito, admitido como uma realidade substancial e de ação decisiva e autônoma sobre a matéria orgânica. Caracteriza, desse modo, todas as escolas do pensamento que investigam a existência de uma consciência de natureza abstrata, cuja essência e atributos se distinguem do caráter mecânico da matéria exterior. De acordo com tal pressuposto, todos os fenômenos psíquicos em geral, como a consciência, a cognição, os sentimentos, a inteligência, a imaginação e a memória seriam domínios irredutíveis a processos físico-químicos, pertinentes unicamente ao espírito.

Ao se fundamentar na existência de um substrato de natureza metafísica na direção da vida, o espiritualismo comumente lhe atribui a imortalidade e uma origem divina, uma vez que o espírito habitualmente não é visto com um produto epifenomênico da matéria. Confunde-se, contudo, o espiritualismo com o vitalismo. Este designa a participação de um princípio dinâmico e imaterial, a força anímica ou energia vital, igualmente não pertinente ao realismo físico, servindo-se como um elemento de integração entre o espírito e o corpo, a conferir unidade e funcionalidade aos fenômenos biológicos. Portanto, espiritualismo e vitalismo se misturam como uma doutrina não mecanicista para se explicar a vida e seus atributos. O vitalismo acha-se naturalmente incluído no conceito de espiritualismo, não se reconhecendo, de modo geral, a necessidade de se desvincular as duas doutrinas, por caracterizarem uma só escola filosófica, a se opor à visão materialista de mundo.

O pensamento espiritualista-vitalista, cuja origem no Ocidente remonta às filosofias gregas, dominou a cultura humana na maior parte de sua milenar caminhada, tendo sido sobrepujado pelo conhecimento científico que nasceu no século XVII. Este, não se deparando com nenhuma potência de expressão imaterial na condução da vida, passível de detecção pela análise instrumental, simplesmente se dispôs a negar a sua existência.

Confunde-se ainda o espiritualismo com a religião, por compartilharem corolários fundamentados na existência do espírito. De fato, desde os confins da história, os vemos consorciados no afã de abastecer a alma humana com conhecimentos que a consolem ante as agruras da dor e da morte e lhe facultem respostas para os grandes enigmas da existência. E mesmo a medicina, nos seus primórdios, unia-se à prática sacerdotal, pois os líderes religiosos foram igualmente os primeiros artífices da cura. Todavia, o espiritualismo não pressupõe uma prática ritualista, associada aos preceitos éticos e institucionais que caracterizam as religiões, distinguindo-se propriamente como uma escola filosófica. Por isso, não se pode imputar-lhe possíveis danos que o fanatismo sacro tenha causado à humanidade. Como se sabe, as idolatrias primitivas desenvolviam rituais macabros e cultos a fetiches, as teocracias medievais impunham dogmas que obstaculizaram o avanço da ciência e o fundamentalismo religioso ainda hoje veicula crenças e práticas consideradas prejudiciais ao progresso humano. Trata-se de costumes ignaros pelos quais não se pode responsabilizar a religião, em sua essência sagrada, e sequer o espiritualismo, em suas conjecturas de alto alcance filosófico.

A visão espiritualista de mundo, predominante desde os primórdios do pensamento humano, sustentou todos os modelos de medicina do passado, por não deterem outras possibilidades para a compreensão do homem e sua patologia. Desde os tempos de Hipócrates, os preceitos espiritualistas ventilavam assim os fundamentos médicos, reconhecidos como hipóteses viáveis. Portanto, o espiritualismo deveria não só pelas suas motivações, mas por razões históricas, interessar à epistemologia médica atual. E, seguramente, ao longo de todo o desenvolvimento do conhecimento médico, houve um nítido predomínio das escolas espiritualistas, influenciando decisivamente a medicina até o século XIX, quando a mentalidade mecanicista reinante ofereceu novas explicações ditas racionais para a compreensão dos fenômenos vitais. A partir dessa época, o espiritualismo foi banido das concepções médicas, substituído pelos avanços considerados científicos, e mais tarde chamados em seu conjunto de materialismo. Passou-se então a considerar um retrocesso científico-ideológico atribuir à fenomenologia da vida as conotações metafísicas do espírito.

A Medicina
sob a Ótica Oriental

As milenares civilizações do Oriente detêm o conhecimento médico institucionalizado mais antigo que se conhece na história do homem. Motivadas pelas crenças eminentemente espiritualistas que nutriam e ainda alimentam o saber oriental, elas viabilizaram práticas médicas genuinamente vitalistas, voltadas para uma visão sintética e unitária do ser humano – uma vez que se alicerçavam na existência do espírito no comando da vida, e de forças vitais na composição da saúde e da doença.

À ancestral civilização chinesa atribui-se o tratado de medicina mais remoto que se conhece: o Huangdi Neijing. Segundo a tradição, ele foi composto por Huang Di, um dos lendários imperadores que reinou entre 2698 e 2599 a.C. Esse célebre compêndio médico, conhecido como Cânone de Medicina do Imperador Amarelo, reunia ensinamentos de antigos sábios e trazia a idéia, atribuída a Fu Xi, de que o universo era moldado em uma unidade, o Tao, a se dividir em duas potências opostas e complementares: uma positiva (yang) e outra negativa (yin). Essas forças inversas abraçavam-se em equilíbrio na unidade do Todo, para produzir todos os fenômenos da realidade.

O taoísmo, sobretudo, e o confucionismo, doutrinas que surgiram nos séculos VI a.C. e V a.C., respectivamente, representam desenvolvimentos subseqüentes das originais idéias contidas nessa milenar obra. Consolidava-se, assim, a lendária visão taoísta de mundo, que até os dias atuais caracteriza a cultura dos povos amarelos.

Refletindo exatamente essa cosmovisão, a tradicional medicina chinesa desenvolveu seu conceito de homem, de saúde e doença, e estabeleceu seu típico modelo terapêutico. Desse modo, esse antigo corpo médico apoiou-se na existência de forças vitais ocultas, em ação na esfera humana, instituindo as primeiras concepções espiritualistas em medicina. Tidas como impulsos sutis de natureza vital, essas energias dividir-se-iam, assim como o cosmo, em potências yang e yin, de cujo equilíbrio dependeria a saúde. Todos os recursos terapêuticos desse milenar medicina, que inclui a acupuntura, desenvolveram-se em torno do objetivo de harmonizar essas pulsões vitais. Respeitadas em todo o mundo, subsistem firmando o valor e a praticidade de seus fundamentos até o presente.

Já a medicina indiana, chamada ayurvédica, se alicerça até os dias de hoje nas antigas tradições védicas, as mesmas que compuseram o bramanismo e, mais tarde, o budismo e a teosofia, possuindo, segundo se afirma, mais de 5000 anos de existência.

Um dos principais conceitos dos Vedas reza que a divindade suprema divide-se em uma trindade, o trimúrti, apresentando-se nos aspectos Brahma, Vishnu e Shiva. Refletindo essa trindade divina, a visão médica ayurvédica instaurou a crença nos três humores biológicos – os doshas – a comporem a unidade humana, denominados vata, pitta e kapha. O dosha vata, representando o elemento ar, é a caracterização do aspecto Brahma dos seres vivos, em sua potência criativa. Já pitta, o elemento fogo, espelha o transformismo dinâmico de Shiva. E kapha, seria a virtude Vishnu, simbolizada pelo elemento água, retratando a face apaziguadora da divindade. Do equilíbrio desses três humores ou doshas é que se faria a saúde do homem – o que se conseguiria através da utilização de plantas medicinais, aromas, aplicações de metais e pedras preciosas, massagens terapêuticas e a prática da ioga e da meditação.

Demonstra-se assim a preponderante influência da visão de mundo sobre a medicina, levando-a a tecer os seus modelos nosológicos e terapêuticos com base nas concepções da vida e da criação, a predominarem em sua época.

A Medicina Grega Antiga

Na Grécia antiga encontram-se não só os fundamentos da cultura ocidental, bem como a base da medicina moderna que prioritariamente se pratica na Europa e nas Américas.

O pensamento grego clássico era estritamente espiritualista, alicerçado na crença na existência da alma, na sua sobrevivência após a morte e a sua transmigração por diversos corpos (reencarnação). Seus maiores representantes foram Platão e Aristóteles.

Platão (428-347 a.C), discípulo direto de Sócrates, a quem imputa toda a sua sabedoria, estabeleceu um pensamento nitidamente dualista na interpretação do espiritualismo, ao admitir a alma como entidade separada do corpo, do qual se serve para atingir os seus fins metafísicos. Além disso, ele dividiu a alma em três porções: a razão, a emoção e a animalidade, que residiam no cérebro, no tórax e no abdome, respectivamente. Apesar de considerados por muitos como dicotômicos, seus vigorosos conceitos são nitidamente espiritualistas, servindo-se até os dias atuais para se divisar a vida e seu telefinalismo, sob o prisma do espírito eterno.

Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, admitia igualmente a existência da alma, todavia, segundo uma proposta unicista e não dualista. Tendo como funções a nutrição e o pensamento, a alma compunha uma perfeita unidade com o organismo humano, diferentemente do dualismo platônico. E embora não fosse propriamente um produto do corpo, sem este, a alma não poderia existir, assim como a luz depende do objeto luminoso para se manifestar. Dessa forma, para muitos, o aristotelismo, de certa forma, materializara o espírito. Não obstante, o grande filósofo de Estagira conferiu a este, além da unicidade, o critério de substância, dando vida às formas biológicas, diferenciando-as assim da matéria inerte.

Uma das maiores heranças do pensamento grego antigo, a influenciar decisivamente a prática médica medieval, foi, todavia, a concepção de mundo com base na teoria dos quatro elementos. Como se sabe, os gregos supunham a existência de quatro substâncias fundamentais na composição da natureza: o ar, o fogo, a água e a terra. Todos os compostos físicos seriam produtos da mistura desses elementos básicos, em proporções diferenciadas. Existiria, todavia, um quinto elemento, inacessível à análise humana, o éter, ou quinta-essência, que se responsabilizaria pela confecção dos corpos e do mundo dos deuses – situado no empíreo, o reino dos imortais.

Essa visão fora completamente absorvida pela medicina grega, que compreendia o homem como um produto da combinação desses quatro elementos. O sangue representaria o fogo; a bílis negra, a terra; a bílis amarela, o ar e o fleugma (linfa), a água. Da junção harmoniosa desses elementos, então denominados humores, dependia a saúde, e de suas desarmonias resultaria a doença, em suas múltiplas expressões. A alma humana, contudo, adviria da quinta-essência, estando além dessa conjuntura de humores, a atuar como uma força sutil, mantenedora e organizadora das quatro substâncias fundamentais reunidas no corpo físico, conferindo-lhe o sublime milagre da vida.

Esses conceitos foram transplantados para a prática de saúde dos gregos, caracterizando o vitalismo médico antigo. A transportar tais preceitos, eminentemente espiritualistas, dois importantes nomes se sobressaem da escola grega, fundamentando todo o saber médico ocidental antigo: Hipócrates e Galeno.

Medicina Hipocrática

No século V a.C., Hipócrates (460-377 a.C.) fundou, na ilha grega de Cos, a primeira escola formalmente instituída de medicina da história. Reconhecido como o Pai da medicina, ele estabeleceu uma ciência médica fundamentada na existência da alma, conferindo ao enfermo o perfeito critério de unidade. Embora admitisse a participação dos humores, para Hipócrates a doença era uma perturbação do espírito e não processos independentes dos órgãos físicos. A Escola de Cos, como ficou conhecida a instituição por ele criada, procurava ressaltar os aspectos do temperamento e da constituição na concepção e gênese da enfermidade, preconizando a existência de doentes e não de doenças. Essa escola esboçou a primeira idéia de um princípio unificador e diretor do organismo, chamado eidolon, considerado uma psique individual, trazendo já a mesma conceituação que hoje se dá à alma.

Hipócrates, a quem se atribui ainda o juramento médico, dizia que havia na natureza dos seres vivos um duplo dinamismo que os fazia crescer e movimentar-se, oriundo de um princípio de ação imaterial denominado animus (aquilo que anima). Tal força atuaria através do cérebro, nutrindo e animando os corpos biológicos, conferindo-lhes a vida, sendo então compreendida como a própria alma dos seres viventes. Essa alma, que se desprenderia com a morte, advinha de um sopro vital (pneuma), uma espécie de ar que penetrava no corpo ao nascer, vitalizando-o e preenchendo em graus de diferenciadas qualidades os seus diversos órgãos, sendo mais puro no cérebro, onde operava as maravilhas do pensamento. Assim, segundo esse pensador, a vida seria um campo energético a irradiar-se da alma.

Para Hipócrates, a alma e a sua força vital eram um só princípio, compondo o pensamento animista, o qual admitia a existência de um domínio imaterial que organiza, movimenta, vivifica e confere unidade ao todo orgânico. E, nos seres humanos, proporcionaria ainda as propriedades do pensamento e das emoções. Assim, pode-se considerar Hipócrates como o pai da moderna teoria espiritualista da vida e inclusive do pensamento homeopático, que igualmente se vale de suas originais idéias. E, de fato, revela a história que Samuel Hahnemann, o fundador da homeopatia, alicerçou os seus ensinos no Corpus Hippocraticum¸ a principal das poucas obras do grande pensador grego que chegou aos nossos dias.

Estabeleceu ainda o Pai da medicina a noção de um princípio organizador – a Physys – um comando inerente às potências da alma, oriundo de sua intrínseca sabedoria, que se responsabilizava pela manutenção da saúde, trazendo em si a possibilidade da própria cura. Compreendia, assim, o grande sábio, que o organismo seguia uma via natural da cura (vis medicatrix naturae), que o médico deveria conhecer e limitar-se a seguir. “A Physys é o médico das enfermidades, fazendo sem auxílio o que convém” – dizia, induzindo o terapeuta a agir simplesmente como um servidor dessa natural e inteligente pulsão diretriz. “A natureza é o médico, ela encontra uma maneira e age sem os médicos” – completava, prenunciando que a medicina intervencionista do futuro corria o risco de acarretar sérios prejuízos para os enfermos. E recomendando ao homem servir-se da natureza como o manancial por excelência de recursos terapêuticos para seus males, deixou claro: “Seja o teu alimento o teu medicamento, e o teu medicamento, o teu alimento”.

Certamente prevendo que a medicina terminaria por se divorciar da filosofia, ele asseverava: “Todas as qualidades do bom filósofo devem estar presentes no médico, como a serenidade, pureza de vida, a bondade e o amor pela sabedoria”. E aconselhava, enfaticamente, convidando o médico e o paciente a assumirem, juntos, a responsabilidade pelo ato da cura: “A vida é curta, a arte é difícil e longo é o tempo para se aprendê-la; a oportunidade é fugidia, a experiência, enganadora e o julgamento, trabalhoso. Não basta que o médico faça o que é necessário, o doente e seus assistentes devem fazer o que lhes compete e as circunstâncias, concorrer para isso”.

Finalmente, Hipócrates enunciou ainda o famoso princípio terapêutico dos semelhantes (similia similibus curantur), afirmando: “É pela administração dos semelhantes que os doentes recobram a saúde”. Concebia assim que as enfermidades se curavam por ação de uma substância que pudesse igualmente produzi-las. Princípio que permaneceu incompreendido e sem aplicação prática até o advento da vacina (Edward Jenner) e da homeopatia (Samuel Hahnemann) no século XVIII.

Medicina Galênica

Mais tarde surgiu, ainda na mesma Grécia, a Escola de Cnido, antiga cidade próxima à ilha de Cos, hoje pertencente à Turquia. A escola cnidia opôs-se formalmente ao pensamento hipocrático, ao considerar a doença uma perturbação independente dos órgãos e um desequilíbrio meramente local. Como tal, deveria ser tratada com métodos físicos, também locais.

Enquanto na escola cóica a saúde dependia do princípio imaterial organizador da vida, no pensamento cnidio, em contraposição, a desorganização física por si só justificava a enfermidade, sendo um produto do desequilíbrio das interações humorais e da falência dos órgãos – pensamento que deu origem às intervenções terapêuticas iatromecânicas e iatroquímicas que ainda vigoram na medicina moderna. Já a escola cóica somente floresceria com o advento da homeopatia, depois do século XIX. E vê-se que “Cos e Cnido” estão hoje representados pela homeopatia e pela alopatia, respectivamente. Aquela é filha de Hipócrates, esta, de Galeno. A primeira, como mencionado, preconiza o uso dos semelhantes (similia similibus curantur) e aborda a unidade orgânica; a segunda, o uso dos contrários (contraria contrariis curantur) e compreende a doença como uma perturbação localizada e aleatória do mundo celular e bioquímico.

O maior representante da medicina cnidia foi Cláudio Galeno, médico também grego que viveu supostamente entre os anos 130 e 200 da Era Cristã. Ele deixou o seu registro na história da medicina como o iniciador do materialismo médico, ao preconizar que a parte enferma-se independentemente do todo, considerado por isso o fundador da escola médica atual. Afirmava o grande médico que “toda função alterada advém da alteração em um órgão e que toda alteração de um órgão provoca uma alteração de função”. Assim, passou-se a associar cada enfermidade ao distúrbio específico de um determinado órgão, e a ação médica deveria agora priorizar a intervenção local nesse sítio afetado, a fim de restabelecer a saúde – metodologia até hoje utilizada nos procedimentos médicos em geral.

A escola cnidia, seguindo o modelo próprio dos gregos, sustentava a teoria dos humores para explicar o adoecimento humano. Galeno idealizou então métodos físicos visando o equilíbrio desses humores, aplicando-lhes o princípio terapêutico dos opostos. Ou seja, ao excesso de um determinado humor, dever-se-ia proceder à sua evacuação. Iniciava-se em medicina o intervencionismo médico, mediante o emprego dos vesicatórios, revulsivos, sangrias e purgativos. Desse modo, o grande médico cnidio tornou prático o tratamento das doenças segundo esses rudimentares princípios, estabelecendo uma terapêutica – a medicina dos humores – quase sempre nociva, mas que perdurou por mais de mil anos, até o início da Era Moderna, quando entrou em franco declínio.

Galeno, não obstante, adotava o vitalismo, ao admitir o pneuma, o princípio vivificador dos seres vivos, segundo as mesmas idéias ventiladas por Hipócrates, podendo-se considerá-lo verdadeiramente um espiritualista, do ponto de vista teórico. E, como todos os grandes médicos do passado, era igualmente um filósofo, chegando a afirmar que “o melhor médico é também um filósofo”. Entretanto, concebendo o organismo nada mais que o instrumento de manifestação do espírito, fomentou a dicotomia médica que ainda vige nos dias atuais, ao preconizar o tratamento isolado do primeiro, sem a intervenção do segundo. Por esse motivo, possivelmente, tenha sido tão bem aceito pela teologia medieval, quando se impôs ao médico tratar unicamente o corpo, uma vez que a alma devia ser entregue aos preponderantes cuidados da Igreja.

Embora nascido em Pérgamo, na Grécia, Galeno desenvolveu suas atividades, na verdade, em Roma, e ficou famoso por curar o imperador Marco Aurélio de uma ferida de guerra. Seguindo estritamente os ensinamentos da escola grega de Cnido, fez-se o seu maior representante, levando essa instituição a ser conhecida na história como a “escola galênica”. E, ao priorizar o tratamento da parte doente e o emprego “dos contrários” como fundamento terapêutico, terminou por influenciar a medicina até os dias de hoje.

Medicina Medieval

Na longa noite medieval, o homem ajustou-se perfeitamente à visão de mundo oriunda da tradição judaico-cristã. Como se sabe, o cristianismo absorvera completamente a cosmologia aristotélica, segundo a qual a Terra, estática e ocupando o centro do universo, era rodeada por esferas vítreas, movendo ao seu redor, onde se fixavam o Sol, a Lua e os demais astros da noite. Além da última redoma, a esfera das estrelas fixas, situava-se o empíreo, o mundo dos deuses, delineado em substância etérea, o éter, inacessível à análise humana. Esse modelo de mundo, de grande sucesso na Antiguidade, fora incorporado quase sem modificações pelo cristianismo nascente, por moldar-se com perfeição às tradições mosaicas, corroboradas pelos ensinos do Cristo. O empíreo fora substituído pelo Céu, o reino de Deus, onde o Senhor tinha agora o seu trono, junto com seu séquito de anjos. Para lá iam os justos após a morte. A Terra permanecia imóvel no centro da criação, pois, segundo informavam os sagrados escritos bíblicos, fora o próprio Deus “que fixara as suas colunas, para sempre imóveis” (Salmo 75 e 93).

Nesse universo fechado, o homem, sufocado pelas redomas vítreas e subjugado pelo pecado, via-se um simples herdeiro de Adão e Eva, desterrado e perdido em um mundo provisório e hostil. Sua alma deveria agora, a todo custo, alcançar o Céu, o paraíso perdido, com o sacrifício de todos os seus bens e prazeres transitórios. E nesses obscuros tempos, era por demais arriscado opor-se a tais dogmas, pois as teocracias medievais estavam dispostas a decretar a morte a quem os contrariasse.

Embora em seus primórdios sob forte influência de Platão, fixou-se o saber medieval no cânone aristotélico, como o padrão inamovível da epistemologia humana, a comandar todos os seus conceitos. A medicina, naturalmente, fez-se igualmente aristotélica e concebia o homem como uma unidade composta de uma alma e um corpo – sendo este entretecido na famosa mistura dos quatro elementos básicos da natureza, e aquela feita de substância etérea, quintessenciada.

Medicina dos Humores

Em meio às penumbras medievais, o médico, além de permanecer fiel aos preceitos aristotélicos, sob decisiva influência de Galeno, deveria tratar separadamente o corpo, pois a alma tornou-se assunto exclusivamente pertinente à Igreja. Sob a égide da Santa Sé, a medicina galênica revigorou-se, empregando largamente a terapia dos humores, através dos vesicatórios, revulsivos, sangrias e purgativos. Quase sempre com graves prejuízos para os enfermos, embora imbuída dos melhores propósitos, a medicina dos humores terminou por caracterizar uma verdadeira medicina de horrores.

Os brilhantes preceitos hipocráticos, que orientavam os procedimentos médicos segundo a visão global do doente e a criteriosa observância à sabedoria da natureza, permaneceram restritos aos mosteiros, mantidos pelos monges copistas. Somente com Paracelso, no início do Renascimento, seguido logo depois por Samuel Hahnemann, no final do século XVIII, é que eles foram ressuscitados, como se verá a seguir.

Medicina dos Penitentes

A medicina medieval, moldando-se à visão cristã de mundo, cuidou de tratar o homem como um pecador. Impondo-lhe as agruras das evacuações humorais, submetendo-o a cauterizações e cruentas extirpações, parecia fazer do médico um colaborador da pretensa ação condenatória de Deus, a infligir castigos a um enfermo que carecia de penitências para se redimir. Talvez por isso, a vida humana valesse tão pouco nesses tempos em que o homem, mero pecador, indigno das benesses divinas, somente podia esperar do Todo-Poderoso misericórdia e compaixão pelas suas misérias e dores. As pandemias varriam vidas sem piedade, as espadas chacinavam sem escrúpulos e corpos eram carbonizados em fogueiras, sem a mínima consideração. Os barbeiros-cirurgiões incisavam as carnes de doentes amordaçados, amarrados ou embriagados, aparentemente desprovidos de qualquer comiseração. A história de São Francisco, por exemplo, registra que o santo de Assis, tendo apresentado um processo infeccioso em um dos olhos, teve um ferro em brasa penetrado do meato do ouvido externo até o correspondente olho afetado, a fim de calciná-lo. Embora se justificasse o uso de tais bárbaros métodos por uma medicina que não detinha outros recursos para curar, eles retratavam uma prática médica que parecia concordar com a visão de mundo da época, a qual apregoava a necessidade do homem sofrer, a fim de expurgar de sua alma os seus muitos pecados, e assim angariar o prometido Céu.

Grandes pensadores medievais sustentaram na medicina, por mais de mil anos, não só a contundente cosmologia cristã como também o preponderante cânone aristotélico. Dentre eles se destaca Avicena (980-1037), famoso médico e filósofo persa, autor do Cânon da Medicina, o livro em que se baseou a medicina européia até o século XVII. Ardoroso vitalista, admitia claramente a existência da alma e estudou as suas relações com o corpo, segundo fundamentos teleológicos.

Seguramente, contudo, os principais espiritualistas dessas obscuras eras, com decisiva influência na medicina medieval, foram Santo Agostinho, que viveu entre os séculos IV e V, e São Tomás de Aquino, que marcou o século XIII. Afirmava o primeiro, embasado na dicotomia platônica, que a alma pensava e ao mesmo tempo animava o corpo, dando-lhe vida, atribuindo somente a ela as doenças físicas. Já o segundo considerou a unidade aristotélica do ser humano, dizendo que a alma era uma só potência, a controlar tanto a razão quanto a vida vegetativa do homem.

Medicina Alquímica de Paracelso

Não obstante, o maior pensador médico medieval a fixar o espiritualismo na medicina foi Paracelso (1493-1541). Refletindo a corrente renascentista que trouxe de volta o antigo pensamento grego a revitalizar a cultura medieval, esse famoso médico suíço afastou-se do cânone aristotélico preponderante na época, restituindo os esquecidos ensinamentos hipocráticos. Intentando impor uma nova visão médica, ele retomou a medicina vitalista de Hipócrates, resgatando a compreensão do doente como uma unidade e a enfermidade como uma perturbação imaterial de seus veículos dinâmicos.

Considerado historicamente o precursor da homeopatia, Paracelso admitia a existência de um princípio ativo, imaterial e organizador no homem. Expandiu, porém, esse critério para todos os seres vivos e mesmo para os corpos inanimados da natureza, afirmando a presença de uma espécie de alma rudimentar, que denominou elemental. Assim, por exemplo, considerava o espírito do sal, do enxofre, do mercúrio, dos cristais etc. E, no corpo humano, ele dividiu o princípio anímico em diversas entidades chamadas arqueus, ou almas menores, que presidiriam as múltiplas funções orgânicas. Aproximando-se da lei dos semelhantes defendida por Hipócrates e mais tarde por Hahnemann, criou então o princípio das signaturas, o qual preconizava o uso de um elemento ou planta, segundo a sua semelhança física aproximada com um determinado órgão, para se tratá-lo quando doente.

Considerado o pai da bioquímica, foi ainda um dos primeiros médicos medievais a rejeitar a teoria dos humores de Galeno, afirmando o substancial conceito de força vital – uma entidade oculta, de natureza espiritual, capaz de amplas ações em todo o organismo. Desse modo, ele terminou por fundamentar o moderno espiritualismo médico, defendido pela homeopatia e a antroposofia.

Esse Renascimento médico, todavia, não foi suficiente para se ventilar a medicina vigente com o antigo e revolucionário vitalismo grego, pois seguiram os médicos a estabelecida prática dos humores, impondo aos seus doentes, já por si sofridos, o peso de suas inclementes evacuações humorais.

 

II – A MEDICINA NA VISÃO CIENTÍFICA

Crise no Cânone Aristotélico: Nasce a Ciência

O universo judaico-cristão estava, contudo, destinado a sucumbir ante as evidências do pensamento científico que nascia no final da Idade Média. O heliocentrismo de Nicolau Copérnico, retirando a Terra do centro do cosmo, cuidou de desmantelar as esferas vítreas do firmamento; Galileu, implementando a matemática na natureza, destituiu a ação miraculosa de Deus; Descartes, priorizando o uso da razão, dispensou o fideísmo; e Newton, descobrindo a existência de leis no gerenciamento da fenomenologia universal, uniu o Céu à Terra e retirou o Criador do comando do universo.

A ciência, que nascia com o sacrifício de Giordano Bruno, o brilhantismo de Descartes, o cientificismo de Galileu e a exata matemática de Isaac Newton, sepultava de vez o sonho humano de encontrar o paraíso celeste logo ali, depois das últimas estrelas do firmamento. O universo perdia o seu encanto e entreabria as suas portas ao infinito. Deus, sem o seu trono, situava-se agora muito além da concepção humana, nos rincões do incomensurável.

Uma nova paisagem paradigmática se descortinava à compreensão humana, mostrando-lhe então um cosmo ilimitado, a se mover segundo inerentes fundamentos matemáticos e feito de engrenagens perfeitas e automáticas – assemelhava, portanto, a uma imensa máquina, a funcionar não mais sob os caprichos divinos, mas por suas próprias e automáticas leis. O cânone aristotélico entra em decadência. E logo o homem cuidaria de dispensar Deus do comando da criação.

Compelida pela necessidade de alimentar-se com fundamentos estritamente lógicos, a amadurecida mente humana enveredou-se por uma nova e poderosa corrente de idéia, a carrear o seu progresso: o iluminismo. Representada por Descartes e Voltaire na França e Kant na Alemanha, essa importante revolução cultural investiu-se veementemente contra a intervenção da Igreja na condução do conhecimento. Ante os renovados alvitres que se implantavam, fazia-se premente agora “ousar interrogar”, nas palavras de Kant, caracterizando esse importante movimento que embasou o nascimento da ciência. Inicia-se, através dos enciclopedistas franceses, uma revisão do conhecimento humano em bases racionais, seguindo a orientação do iluminismo e em oposição ao antigo fideísmo medieval. A razão transpôs os domínios da fé e a ciência se instalou como a nova orientadora da jornada humana, em busca das verdades que se escondem na intimidade fenomênica do universo.

Surgia assim a metodologia científica moderna, fundamentada no pressuposto de se alcançar o conhecimento através da pesquisa objetiva e do estrito uso da razão. E demarcava-se o nascimento do mecanicismo, o qual logo iria imperar igualmente na medicina, estruturando-se um corpo conceitual que passou a ver o homem também como uma máquina, refletindo a nova visão de mundo que então se estabelecia.

Crise na Medicina Vitalista Medieval

A despeito dos avanços do cientificismo no campo da astronomia e da física, a medicina claudicava e resistia a mover os seus conceitos, ainda fortemente aficionada ao cânone aristotélico. Até fins do século XVII, a prática médica persistia subordinada ao empirismo medieval, destituída de qualquer substrato lógico. A cirurgia continuava sendo praticada pelos barbeiros e a terapia dos humores ainda era a única a favorecer algum subsídio para o exercício médico. No século XVIII, no entanto, a escola vienense de medicina, em resposta ao iluminismo nascente, passou a suscitar uma nova metodologia no estudo das enfermidades humanas, a fim de avançar rumo à descoberta de inovadoras e mais seguras práticas terapêuticas. Nessa época, são criados os ambulatórios e as enfermarias, e a teoria dos humores começa a ser contestada.

Em crise, a medicina medieval inicia o seu declínio. As antigas escolas médicas alemã e francesa, ventiladas agora pelos favônios do iluminismo, encetam a busca por novos conhecimentos, passando a apregoar igualmente a necessidade de racionalizar o estudo médico.

Nessa nova atmosfera de preceitos regados pela ciência nascente, a medicina se viu na premência de buscar para as doenças novas etiologias que se moldassem à emergente e moderna visão mecanicista do homem – instituía-se assim a nosologia médica, ao se estabelecer critérios para a classificação metodológica das enfermidades, com base na anatomia patológica, que nascia juntamente com o microscópio. Estava dado o primeiro passo para a visão fragmentária do ser humano e o estabelecimento do materialismo médico. Movimento que terminaria por destituir o homem definitivamente da alma e apartar cabalmente a medicina do espiritualismo que a impulsionara pelo caminho dos séculos.

A escola médica alemã, apoiada pelos idealistas e sobejamente influenciada por Leibniz, relutava em abandonar a visão espiritualista, alimentando-se com as noções de magnetismo animal, através do qual continuava a admitir a presença de uma força sutil no comando da vida. Leibniz (1646-1716), um dos mais insignes filósofos alemães, apregoava que o corpo estaria sob a ação da mônada, o “eu” substancial, uma essência de natureza puramente imaterial. Enquanto a mônada seria uma substância simples, o corpo seria um agregado de várias substâncias ou mônadas compostas. Contudo, a unidade física era tida como uma espécie de planta, estruturada pela alma, a mônada superior, que a nutria com uma força organizadora e mantenedora, a qual Leibniz denominou energia vital. Assim o ilustre pensador, que era igualmente um grande matemático, fomentou o espiritualismo e estabeleceu uma visão de um ser humano totalitário e integrado à natureza, carente de procedimentos naturalistas que imitassem as ações das forças naturais, em plena consonância com o antigo Corpus Hippocraticum.

Todavia, tal compreensão espiritualista dos processos vitais não se sustentou por muito tempo, pois, nessa mesma época, o pensamento médico deparou-se com as idéias do grande filósofo francês, René Descartes (1596-1650), propondo resolver os grandes enigmas da filosofia e da ciência unicamente com o uso da razão. O pai do pensamento analítico interessou em resgatar, como retrato fiel da realidade, somente o que obedecesse à pura lógica, banindo dos painéis da verdade os impositivos fideístas que escapavam completamente à racionalidade. Empregando o método indutivo, seu corpo conceitual deu origem ao reducionismo – metodologia de conhecimento que consiste em decompor pensamentos e problemas em suas partes mínimas e dispô-los em uma ordem lógica, a fim de compreendê-los e justificar assim a funcionalidade do conjunto.

A influência de Descartes foi decisiva para o surgimento da metodologia científica moderna, estendendo-se vitoriosa e preponderante à medicina ocidental. Suas idéias racionalizaram os estudos médicos, distanciando-os do fideísmo medieval, porém igualmente do espiritualismo hipocrático, terminando por sedimentar às práticas iatroquímicas e iatromecânicas da terapêutica atual. Identificando na alma a essência do psiquismo, Descartes proferiu a sua famosa frase, “penso, logo existo”, como a única realidade impossível de ser negada. A alma (res cogitans), sendo nada mais que um pensamento puro, somente poderia desempenhar a função que lhe competia, isto é, pensar. Portanto, o corpo (res extensa) não seria mais um domínio de sua competência, estabelecendo-se a clara dicotomia entre o espírito e o corpo. Dicotomia que ainda impera nos conceitos materialistas atuais e até mesmo nas religiões ocidentais.

A preponderante filosofia cartesiana fez da vida uma manifestação puramente orgânica e não um produto da alma, adquirindo assim existência própria, independente, sendo regida pelo seu próprio automatismo. Destituída do espírito, a vida tornou-se, desse modo, obra de um ato mecânico, embora Descartes admitisse a existência nela de uma espécie de fogo animador, uma seiva vital mal definida, secretada pela glândula epifisária. Seguramente, o maior golpe ao espiritualismo médico veio desse mecanicismo cartesiano, a partir do qual a medicina passou a interpretar a patologia como um distúrbio anatômico e celular, independente da mente, levando a terapêutica ao uso preponderante de substâncias químicas – o iatroquimismo – na solução dos problemas do ser, do destino e da dor.

A despeito dos avanços do mecanicismo médico, grandes pensadores da Era Moderna permaneceram sustentando a visão espiritualista na medicina, dentre os quais se destacaram: Ernest Stahl, Von Haller e Josef Barthez. Ernest Stahl (1660-1734) seguia Leibniz, aplicando o espiritualismo à medicina na Alemanha, ao partir da idéia de que a vida não seria produto de um funcionamento meramente mecânico e o ser vivo não se comporia como uma máquina, reagindo à medicina mecanicista e química que nascia do pensamento cartesiano. Para ele, a alma, denominada princípio vital, originava todos os movimentos orgânicos, sendo os órgãos seus simples instrumentos. Concebia assim a doença como uma alteração não do corpo, mas do seu governo, remontando-se ao vitalismo hipocrático. E possivelmente baseando-se em Paracelso, já apregoava que a ação do semelhante podia tratar as enfermidades.

Albrecht von Haller (1708-1777), fisiologista suíço e escritor de expressão alemã, foi um dos principais pesquisadores a sustentar a tese espiritualista nos cenários médicos de sua época. Com ele, o espiritualismo encontrou uma observação experimental renovada, terminando por apontar para a necessidade de uma nova ordem de conhecimentos em medicina que se evadisse do mecanicismo cartesiano. Propôs assim a experimentação dos medicamentos no homem, para se estudar os seus efeitos, idéia que, no entanto, não chegou a praticar, e que caberia a Hahnemann logo mais iniciar.

Já Josef Barthez (1734-1806), médico francês e ainda filósofo e poeta, pertenceu à Escola Médica de Montpellier, então considerada o centro máximo do pensamento médico da época. Em seu trabalho, Ensaio para um novo princípio para o homem, ele promoveu a separação entre o animismo e o espiritualismo, ao conceber a existência de um princípio vital, imaterial que animaria e conferiria vida e organicidade ao ser. Princípio, no entanto que não seria idêntico à alma, o que coincide com o espiritualismo de Samuel Hahnemann – idéia propriamente chamada vitalismo, como já visto. É de sua criação o conceito de princípio vital, aproveitado e ainda utilizado por outras doutrinas espiritualistas da atualidade. Por isso, juntamente com François Bichat, é tido por muitos como o fundador do vitalismo médico.

Destarte, considera-se Samuel Hahnemann, o criador da homeopatia, o maior espiritualista médico da Era Moderna, e o verdadeiro fundador do vitalismo em medicina. De formação presbiteriana, nasceu na Alemanha, no ano de 1755, em meio às diferenciadas visões que então fomentavam o estabelecimento do mecanicismo médico e numa época em que a medicina alemã ainda se debatia com os últimos estertores das idéias espiritualistas, sustentadas por Leibniz. Como já foi referido, contam os seus biógrafos que ele se encantou com o Corpus Hippocraticum e o ressuscitou ao fecundar a doutrina homeopática com os ricos conceitos espiritualistas do sábio médico grego. Ao falecer, na França, em 1843, deixou-nos o maior legado de conhecimentos a corroborar a prática do espiritualismo na medicina ocidental.

Na atualidade, a homeopatia segue sustentando uma visão médica genuinamente espiritualista, a colorir os preceitos médicos mecanicistas, papel que divide com a medicina antroposófica e as terapias orientais. Abraçando-se ao vitalismo, fundamenta-se na existência de um domínio sutil, chamado força vital, em ação no organismo, exercendo sobre este absoluto controle, embora submetido aos imperativos do espírito. Caracteriza, assim, a visão ternária do homem, a designar um todo consubstanciado em três instâncias: o espírito, a energia vital e o corpo físico. Não obstante, esses três campos integram uma perfeita unidade, de modo a considerar-se a enfermidade natural como um desequilíbrio pertinente ao todo – fato a ser relevado tanto na compreensão da fisiopatologia quanto na sua proposta terapêutica. Ao admitir a ação primordial da força vital na gênese das doenças, a homeopatia dotou-a de uma ação igualmente curativa. E, finalmente, ao postular que a saúde é um estado de harmonia da mente e do corpo, determinou que a única e precípua finalidade desse conjunto consiste em favorecer instrumentos sadios para que o homem possa livremente conquistar os elevados fins de sua existência.

Nasce a Medicina Mecanicista da Era Moderna

O empenho desses últimos pensadores, remanescentes do antigo espiritualismo grego, todavia, não foi capaz de deter o avanço do nascente mecanicismo, o qual, com vigor, envolveu todas as áreas de atuação humana, sobretudo no mundo ocidental. A medicina não pôde evadir-se dessa imensa onda ideológica e apressou-se a reformular os seus conceitos. Sob o comando do iluminismo e a orientação do mecanicismo biológico, seus esforços foram então direcionados para o desenvolvimento de novos conhecimentos, primados pela objetividade e pela lógica, tratando de eliminar todo o subjetivismo metafísico remanescente do longo obscurantismo medieval que ainda subsistia em suas fileiras.

Acompanhando o impulso de modernidade, a medicina parte em busca de um novo conceito de homem, de saúde e de doença, e conseqüentemente de uma nova técnica terapêutica, os quais pudessem se amoldar com perfeição à inovadora visão que então entretecia o entendimento humano. E assim, a partir do primeiro quartel do século XIX, a cultura ocidental assiste à completa implementação do mecanicismo no pensamento médico vigente.

Nessa mesma ocasião, Claude Bernard (1813-1878), o pai da fisiologia moderna, procurava estabelecer um neovitalismo, imaginando que o impulso vital seria somente uma força legislativa e não executiva. Seu primeiro trabalho, datado de 1843, concluiu, não obstante, pela inexistência de qualquer energia de natureza espiritual em ação no interior do homem, de forma invisível e imaterial. Segundo o famoso fisiologista francês, todos os potenciais que atuam no organismo poderiam ser conhecidos e teriam origem em reações meramente físicas. Além disso, considera-se que ele foi o iniciador do método experimental em medicina, introduzindo testes em animais, tal como hoje se realiza, com a finalidade de investigar as ações das substâncias químicas no campo orgânico. Os estudiosos da homeopatia, no entanto, sabem que a primazia da experimentação de medicamentos, realizada, contudo, em seres humanos, pertence merecidamente a Hahnemann.

No ano de 1847, Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821-1894), médico alemão, criador do oftalmoscópio e professor da Faculdade de Medicina de Berlin, realizou estudos de termodinâmica, eletrodinamismo e movimentação de fluidos, concluindo e asseverando categoricamente, em famosa monografia, que nenhuma força de natureza espiritual atuava no organismo humano senão as potências físico-químicas conhecidas. Corroborava assim as afirmações de Claude Bernard e excluía o que ainda restava de espiritualismo nas escolas médicas da época, embasado unicamente no pressuposto falacioso de que as energias sutis não existiriam pelo simples fato de não poderem ser identificadas pelos grosseiros meios de pesquisa então disponíveis. A escola alemã, onde o pensamento de Leibniz ainda mantinha vivo as idéias animistas, terminou assim por abolir todas as práticas médicas que visavam estimular essas pretensas forças vitais – como o magnetismo mesmeriano, que se fazia moda naquela época.

Movida pelo enorme sucesso inicial do método científico, a Era Moderna assiste, paulatinamente, às idéias mecanicistas dominarem o pensamento médico ocidental, extinguindo o que ainda havia de espiritualismo em suas escolas. Restava aos espiritualistas, até meados do século XIX, apenas um de seus principais trunfos: as substâncias ditas orgânicas, ao contrário das inorgânicas, somente podiam ser produzidas pelos seres vivos, julgando-se que jamais seriam obtidas de forma artificial. Chamada “barreira do organicismo”, essa era a última cartada do espiritualismo, a sustentar a existência de uma entidade espiritual na condução da vida, única capaz de produzi-la e cujo sopro sagrado jamais seria copiado pelo homem. Contudo, um fato significativo cuidaria, em 1828, de mudar substancialmente tal crença, apunhalando de morte as idéias espiritualistas: o químico alemão Friedrich Wohler, misturando duas substâncias inorgânicas, o cianato de prata e o cloreto de amônio, conseguiu produzir uréia. Wohler rompera a “barreira do organicismo”, firmando as idéias mecanicistas na compreensão dos fenômenos biológicos. A noção de que somente o espírito seria capaz de compor substâncias vitais, mediante atributos divinos, estava formalmente derrubada. Abriram-se as portas não somente para se contestar a existência de unidades sutis no ser vivo como também para se iniciar a fabricação de produtos sintéticos, que iriam substituir os naturais – como as vitaminas e, mais tarde, os hormônios – nascendo assim a farmacoquímica moderna.

Logo a seguir, o eminente médico alemão, Rudolph Virchow (1821-1902), pai da patologia, empreende as suas brilhantes pesquisas, fazendo avançar o pensamento médico na compreensão da base celular da enfermidade. Em 1858, publica a sua principal obra, Die Cellularpathologie, demonstrando que a doença, em sua última origem, deveria ser procurada na célula. Com o uso do recém-criado microscópio, ele desvenda o diminuto mundo dos tecidos orgânicos, onde passou a identificar as patologias, afastando definitivamente a idéia de que estas se originavam de humores invisíveis. Afirmava o grande pesquisador que “a essência da doença é uma parte modificada do organismo, ou melhor, uma célula modificada ou uma junção de células”. Embora seja inegável o imenso avanço que Virchow propiciou à medicina, permitindo compreender a fisiopatologia no plano orgânico, suas concepções terminaram por alicerçar o materialismo médico, ao fixar na célula o substrato último da doença. A medicina partiu então no encalço das alterações celulares pretensamente responsáveis pelas enfermidades, a fim de corrigi-las, desviando-se de uma visão do todo, onde, certamente, se esconde a derradeira origem da patologia celular.

Em 1872, Louis Pasteur trouxe a público o seu famoso trabalho que atestava a existência dos microorganismos e destituía definitivamente a concepção da geração espontânea. A vida somente podia ser reproduzida a partir de outra vida, por meio de germes ou brotos provenientes de outros seres vivos, e não por prodigiosa interferência de Deus, do espírito ou qualquer outra emanação de caráter místico. Embora seja evidente a sua enorme contribuição para o alargamento da biologia e uma atuação mais eficaz e segura da medicina, sobretudo no campo da cirurgia, ela foi decisiva para banir a teoria espiritualista da vida e relegá-la a uma crença destituída de fundamento científico.

Ainda nesse período, Sigmund Freud (1856-1939), médico e neurologista austríaco, abre as portas do inconsciente, desvendando um novo panorama para o entendimento do homem, o que permitiria o desenvolvimento da psicologia e da medicina psicossomática. Contudo, sabe-se que, antes disso, a homeopatia, através de suas experimentações em pessoas sadias, já havia descoberto o “campo mental” do homem e o estudava com critérios de totalidade. Destarte, a escola freudiana, ainda que seguindo um caminho correto, tratou de se enquadrar na dicotomia cartesiana e analítica da medicina mecanicista, a fim de se fazer uma ciência também, distanciando-se de um verdadeiro espiritualismo.

Com o predomínio da visão materialista, o espiritualismo viu-se então banido da medicina. As escolas de Berlin e Viena juntaram-se à faculdade francesa nessa nova frente de idéias, influenciando decisivamente o pensamento médico moderno, que então passou a combater com veemência os remanescentes conceitos espiritualistas, tidos como inadequados ao avanço vitorioso da ciência.

O único corpo facultativo que persistiu sustentando o espiritualismo no pensamento médico ocidental, apesar das disposições contrárias, foi a homeopatia, que, da França, onde se radicara Hahnemann em seus últimos oito anos de vida, difundiu-se para o mundo. A medicina dos semelhantes continuou a apregoar, em meio ao intenso florescimento do cientificismo materialista, a existência do espírito e a presença da força vital no comando da unidade orgânica, como afiançado pela antiga escola hipocrática e todas as visões médicas do passado.

A partir dessa época, início do século XX, a história do espiritualismo na medicina ocidental passa a se confundir com a própria história da homeopatia, coadjuvado por outros subsídios ideológicos de natureza filosófica e religiosa, como a teosofia e o espiritismo, que continuam a fomentá-lo e propagá-lo, em meio à florescente cultura materialista em voga. E logo a seguir, receberia a importante contribuição da medicina antroposófica, também expressiva no Ocidente e que igualmente veicula valiosos conceitos médico-espiritualistas.

A medicina oriental, pouco afeita e esses movimentos, permaneceu fiel aos seus fundamentos vitalistas, norteada por suas rígidas e antigas tradições. A medicina tradicional chinesa e a ayurvédica, suas principais representantes, chegaram, assim, ao palco dos dias atuais, praticamente incólumes, resguardadas da contagiante visão mecanicista ocidental.

Avança o Materialismo Científico

Junto com o mecanicismo da Era Moderna e motivado pelo esmorecimento da religião no domínio do pensamento humano, instala-se o materialismo – a vigorosa concepção que apregoa ser a matéria, além de regida por suas próprias e casuais leis, a única realidade factual do universo, responsabilizando-se não só pela criação de si própria, mas igualmente de tudo o que existe. Caracterizando preponderante ateísmo, admitia-se, então, com critérios de cientificismo, que a fenomenologia do cosmo emergira do nada, estava subordinada ao mais puro acaso e caminhava sem uma destinação coerente com os mais profundos anseios da alma humana.

O universo perdera o seu “Espírito” e o homem, a sua própria alma. E o materialismo, a alimentar com crescente vigor o preponderante pensamento científico, logo envolveria em seus gélidos tentáculos conceituais todas as áreas de atuação da humanidade, distanciando-a dos inequívocos benefícios da fé.

Juntamente com a angústia semeada nos corações humanos, que se viram imersos em uma vida sem sentido, em um insignificante mundo perdido na vastidão cósmica, nascia a idéia de que toda a complexidade casual do universo poderia ser controlada pela ciência. Esse movimento, conhecido como positivismo e inicialmente formalizado pelo filósofo Auguste Comte (1798-1857), fomentou, nessa época, o sonho humano de impor à fenomenologia do cosmo o mais absoluto controle. Mediante a experiência e o conhecimento empírico dos fenômenos naturais, tudo, em uma mera questão de tempo, seria desvendado e dominado pela ciência dos homens.

O determinismo científico, pleno de entusiasmos, alimentado sobretudo pela física clássica de Newton, instalou-se como um novo absolutismo, o da ciência, copiando o dogmatismo religioso que confrangera a humanidade na Idade Média. As únicas verdades agora confiáveis eram os enunciados científicos e, como uma espécie de revolta do homem moderno ao extenso domínio teocrático medieval, os corolários fideístas foram condenados à fogueira da ignorância, destituídos de todo e qualquer significado.

Motivada pelo positivismo, a ciência segue a passos rápidos o seu desenvolvimento, empenhada em deslindar a complexa fenomenologia universal. Ela ansiava não só por conhecê-la, mas, sobretudo, impor-lhe decisivo domínio.

Em 1859, Charles Darwin (1809-1882) publica a sua revolucionária obra, A Origem das Espécies, trazendo a interessante proposta de que a vida está subordinada a um movimento evolutivo e as espécies são originárias de aleatórias mutações, submetidas à seleção natural e ao gradualismo adaptativo. Vitoriosa, essa grande idéia dominaria o século XX, sendo logo estendida da biologia para a física, pois o universo tornou-se igualmente um maquinário submetido ao desenvolvimento progressivo. O homem, agora filho da evolução dos primatas, deixou de ser criação divina e descendente de Adão e Eva, rompendo-se os últimos liames que o prendiam ao fideísmo medieval. A vida passou a ser produto do acaso e não de uma miraculosa intervenção de um pretenso Criador. Cerceada pela ciência, a religiosidade humana restringiu-se aos seus templos de pedra, e a razão científica assumiu definitivamente o comando da incansável busca humana pelo conhecimento.

Em 1929, outro fato significativo demarcaria o avanço do homem: Edwin Hubble realiza a estonteante descoberta de que as galáxias estão afastando-se umas das outras, em absurdas velocidades – o universo se encontra em vertiginosa expansão. Bastou retroceder no tempo para constatar que um dia, toda a matéria do cosmo, e inclusive o tempo e o espaço, estiveram compactados em um ponto de tamanho nulo e densidade infinita. A partir desse ponto, chamado inicialmente átomo primordial por Georges Lemaître (1894-1966), astrônomo e padre belga e um dos primeiros a perceber essa realidade, o universo explodiu para criar tudo o que existe. Nascia a grande idéia que logo seria denominada Big Bang, uma das mais expressivas teorias já formuladas sobre a origem do cosmo e que a cada dia vem sendo constatada pela ciência como uma verdade insofismável.

Entrementes, o homem descobria também que o universo surgira de um imenso caos, uma significativa fornalha de forças desordenadas, as quais foram paulatinamente se esfriando e se auto-organizando para gerar matéria, galáxias, sóis, mundos e depois a vida. O caos se soma agora ao acaso, para assumirem juntos a paternidade e a gerência do cosmo e dos seres, inclusive, naturalmente, do próprio homem.

Em 1951, Stanley Miller e Harold Urey anunciaram haver criado a vida em laboratório. Em um recipiente contendo água de composição semelhante à do mar, infundiram uma mistura feita de gases metano, amônia, oxigênio, hidrogênio e gás carbônico, imitando as primevas condições da Terra. Nessa espécie de atmosfera primordial, esses pesquisadores lançaram faíscas, simulando a ação dos relâmpagos. Um dia depois, puderam constatar a presença de reduzidas cadeias de aminoácidos no pequeno mar primitivo. Embora essas rudimentares estruturas químicas se mostrassem incapazes de se desenvolver e gerar seres vivos, suas conclusões, anunciadas com estardalhaço no mundo da época, foram que elas atestavam a origem aleatória da vida, por encontro fortuito dos elementos atmosféricos. Caindo sobre os tépidos oceanos do início, passou-se a admitir que essas moléculas se organizaram e se tornaram paulatinamente mais complexas, a ponto de produzir a biogênese terrena. A evolução cuidara de ordená-la e desenvolvê-la adequadamente, sob a ação do tempo. Acreditou-se, desse modo, que o mistério da origem da vida havia sido desvendado. Deus, mais uma vez, foi dispensado como hipótese necessária para explicá-la.

Em 1953, James Watson (1928), biólogo norte-americano e Francis Crick (1916-2004), físico e bioquímico britânico, descobrem o DNA – uma complexa molécula portando um código de informações inteligentes e coerentes de moldes protéicos, capaz de se auto-reproduzir e se transferir de uma célula para outra, carreando informações. Abriam-se as portas para se elucidar como a vida arquitetava a si própria, suscitando ao homem, mais uma vez, que ele estava entregue ao aleatório domínio da matéria. Este se torna então filho do DNA – nada mais que um organizado conjunto de átomos.

A partir da constatação de que o código genético era o senhor absoluto da edificação orgânica, a saúde e a doença tornaram-se atributos diretos de suas ordenações. Ante tal revolucionária descoberta, a medicina passou a sonhar com o dia em que poderá impor à cadeia genética o mais absoluto controle, propiciando vidas humanas perfeitamente programadas, completamente destituídas de enfermidades ou qualquer distúrbio físico.

O materialismo, estendido agora à biologia, fazia da matéria a única realidade factual do cosmo, geradora da vida e de tudo o que existe, inclusive da personalidade humana. Verdade agora admitida pelo século XX como uma conclusão lógica, e com critérios de moderno cientificismo. Instala-se o casualismo científico, convencendo o homem, ao contrário do que lhe ensinara o pensamento religioso e filosófico de todos os tempos, que o universo e a vida originaram-se da mais extraordinária ocorrência, um prodígio verdadeiramente supranatural: o milagre da matéria.

Segundo essa nova proposição, embasada no acaso, a evolução, agindo por aleatórias mutações, tratara de impor progresso à complexidade biológica, promovendo todas as necessidades nas quais a vida se sustenta. Através da admirável atuação do DNA, a evolução dotara os seres de habilidades especiais para crescer, nutrir, reproduzir e agir eficientemente contra todas as adversidades da existência. A seleção natural e o gradualismo adaptativo cuidaram de impor o controle eficaz para a sobrevivência dos mais aptos, promovendo-se assim a extensa diversificação dos seres vivos. O mistério da vida, acreditava-se, estava finalmente aclarado. Todo o intricado mecanismo fisiológico e o surpreendente maquinário bioquímico que sustenta o ser vivo são agora filhos da matéria, do progresso das mutações e da miraculosa sabedoria do DNA. Nasce um novo movimento nos bancos acadêmicos, denominado neodarwinismo, ao incorporar a nova genética às originais idéias de Darwin. Vitoriosa sobre todas as conjecturas espiritualistas, o saber científico decreta então que um acidental amontoado de partículas atômicas não só criou a vida, como a gerencia, determinando o nascimento e a morte, o sofrimento e a felicidade, a saúde e a doença, enfim, a sorte de todos. E, no homem, terminou por desenvolver a maravilhosa dinâmica do pensamento e da consciência.

Sem se dar conta do fato, antepunha-se à razão humana um feito muito mais miraculoso que a antiga crença na ação divina, pois, admitir que tudo tenha sido gerado por um Criador inteligente, pelo menos justifica a presença da sabedoria, inerente aos fenômenos universais. Já o milagre da matéria deixa sem solução essa inequívoca ocorrência, uma vez que a experiência demonstra que o acaso somente pode produzir o caos, jamais ordem. As forças físicas, entregues a si próprias, promovem sempre o aumento da entropia, jamais o contrário – afirmam os fundamentos da termodinâmica. Dessa maneira, a vontade diretora, a ordenação e o telefinalismo, patentes no funcionamento orgânico, permaneceram sem uma plausível explicação.

A despeito dessa incoerência, o milagre da matéria ganhou expressão na concepção humana. A casuística do acaso engrandece e toma corpo, dominando o século XX. São sepultadas definitivamente as antigas cosmovisões que apregoavam a idéia de que a vida está imersa em um campo divino, regida por uma Inteligência Suprema, que a cuida com amor e sabedoria. Reforça-se o materialismo que então assume o seu papel na condução da humanidade, gerando uma nova visão de mundo, a impor-se decisivamente na edificação de uma diferenciada ética comportamental, com nítida influência em todas as áreas de atuação humana.

Nessa nova cosmologia, a predominar na Era Moderna, o universo perdera o seu encanto. Deixando de ser uma obra divina destinada ao sustento da vida e à realização do homem, fazia-se agora um maquinário físico, gerado por si próprio, regido pelo caos e sem qualquer finalidade superior.

O materialismo científico então se lança na tarefa de decifrar a natureza com a finalidade de dominá-la inteiramente. E em questão de tempo, julgava facilmente alcançar o seu intento, pois uma criação sem inteligência não poderia impor limites à sabedoria humana.

Medicina Materialista

A medicina, naturalmente, não pôde evadir-se do significativo e universal contágio do materialismo. Prontamente o cânone mecanicista-materialista assumiu o comando do saber médico, dominando por completo o seu entendimento do fenômeno orgânico, da saúde e da doença e a orientação de suas novas táticas terapêuticas. A unidade humana, sem alma, nada mais que uma máquina física, estava agora entregue unicamente à casualidade das forças da matéria – e à medicina competia impor-lhe o mais rígido controle.

Prioriza-se a ação artificial ao funcionamento natural dos órgãos, destituindo-se a natureza de qualquer possível sabedoria – o artificialismo científico prepondera sobre o antigo naturismo hipocrático. Por estar a matéria, na nova visão materialista, regida nada mais que por sua própria aleatoriedade, a doença passa a ser um casual distúrbio físico – um fracasso biológico, destituído de qualquer finalidade – que deve agora ser veementemente combatido. O médico transforma-se em um guerreiro da saúde. Armado com o seu arsenal terapêutico e doses de ataque, ele irá lutar contra invasores diversos, erros do metabolismo e desordens celulares improcedentes. O enfermo é o seu campo de batalhas.

O positivismo invade a medicina, que deve agora, usando o conhecimento reducionista, subjugar completamente o funcionamento orgânico do homem, livrando-o do domínio do acaso. Instala-se o intervencionismo médico, pronto a combater a doença por meios exteriores, pois, numa existência sem um comando superior e sem finalismos, torna-se dever da inteligência humana sujeitar com veemência os fenômenos naturais ao seu alcance. Inteligência esta que, com ares de fatuidade, impôs-se soberana na vida, como se fora a única interferência reconhecidamente sábia em um universo cuja exclusiva realidade passou a ser a matéria.

Apesar desse aparente otimismo, a natureza, antes sob os auspícios divinos e determinada a colaborar com o homem, converte-se agora em sua inimiga, pronta a lhe roubar a saúde e a felicidade. Enfermidades atrozes podem lhe visitar a casa orgânica a qualquer momento, e microrganismos os mais terríveis ameaçam-lhe a integridade física, sem aparente justificativa. Destituída da fé, a alma humana se desnorteia e se fragiliza ante as ameaças do destino, que agora credita ao fatalismo. Para proteger-lhe, já não há mais um Deus em quem confiar, sequer cuidados da natureza, nos quais não mais acredita. Urge resguardar-se no amparo da ciência médica, que empreenderá a grande aventura de impor ao organismo a mais rígida e artificial defesa, olvidando as sábias diretrizes que sempre nortearam a vida, na longa estrada dos milênios.

Medicina Flexneriana

Na atmosfera dessas nascentes perspectivas ideológicas, um novo fato, no início do século XX, veio contribuir decisivamente para moldar a medicina ao nascente materialismo científico. A produção de medicamentos até então era artesanal e limitada, efetuada timidamente pelo trabalho isolado dos farmacêuticos, em obediências às formulações prescritas pelos médicos. Entretanto, nessa época, industriários norte-americanos tiveram a idéia de reunir as fórmulas medicamentosas existentes em compostos, dispensados em frascos e caixas atraentes, e com nomes comerciais que lhes facilitassem o emprego e o consumo. Passando a produzi-los em larga escala e segundo o modelo mecanizado de fabricação em série, deu-se início à fabulosa indústria farmacêutica, pronta a influenciar terminantemente a prática da nova medicina que surgia.

Nessa mesma ocasião, o governo dos EUA convenceu-se da necessidade de modernizar o ensino médico no país, e encomendou ao médico e educador Abraham Flexner (1866-1959) um estudo pormenorizado do perfil das faculdades de medicina e do exercício da profissão em toda a nação americana. Apesar de se sustentar na real necessidade de padronizar e regulamentar o ensino e o exercício médico no país, relatam os bastidores da história que o lobby da indústria farmacêutica foi preponderante nessa empreitada, pois esta intencionava, sobretudo, estimular os médicos a adotarem os seus novos medicamentos, agora produzidos em grande quantidade.

Abraham Flexner empreendeu então, em 1910, um amplo levantamento sobre as faculdades médicas americanas, demonstrando que, das 155 escolas existentes na época, somente uma delas, a Johns Hopkins School, de Baltimore, atendia às exigências de uma medicina moderna e afeita aos novos conhecimentos da época. Deu-se origem, assim, a um relatório, conhecido como Flexner Report, que padronizou o ensino médico nos EUA, segundo um modelo considerado eminentemente científico.

Não há duvida de que nobres intenções ventilavam os objetivos de Abraham Flexner. Revoltava-se o grande educador americano contra o mero interesse econômico que movia as instituições de ensino médico em sua nação. Indignado, ele afirmava que “as escolas médicas tinham por objeto gerar dinheiro” e que, “um homem que pagasse suas mensalidades estava, assim, praticamente assegurado de conseguir seu título de médico, mesmo que assistisse ou não às aulas”. Entretanto, a despeito da excelência de seus escopos, o educador, infelizmente, não pôde evadir-se da pressão dos novos industriários farmacêuticos que esperavam, junto com a modernização da medicina, o adestramento dos novos médicos na prescrição dos remédios industrializados e a obtenção de grandes e facilitados lucros.

Com base no relatório Flexner, o governo americano empregou seis milhões de dólares na instalação de seu novo programa de educação médica, mudando o panorama do ensino e da prática de saúde então vigente no país. A manipulação artesanal de medicamentos foi desestimulada, em prol da produção mecanizada. Abriam-se, assim, as portas para o florescimento da moderna indústria farmacêutica e a sua decisiva influência sobre o exercício da medicina em todo o mundo.

O relatório Flexner tornou-se logo um padrão de ensino para as faculdades médicas americanas e o governo cortou todos os subsídios daquelas que não obedeciam a suas diretrizes. Como as escolas espiritualistas não atendiam a essas normas e não se mostravam interessadas na nova indústria farmacoquímica, foram prontamente varridas dos EUA e dos países sob sua terminante influência – o Canadá e as nações latino-americanas – onde a medicina flexneriana atua preponderante até os dias de hoje.

Essa nova medicina que nascia tinha por base o mecanicismo científico que então vigorava nas paisagens conceituais humanas. Visão que se fundamentava na compreensão do homem como uma máquina fisiológica, cuja complexidade se julgava agora poder explicar pelo seu próprio funcionamento. Banindo de seu seio todas as influências ditas naturalistas, essa inovadora medicina passou a se valer não só de medicamentos padronizados e artificiais, mas a buscar, por meios tecnológicos e apurados métodos diagnósticos, as razões últimas do adoecimento humano nos distúrbios celulares. Objetivando a parte e não o todo orgânico, a medicina abandona então a formação generalista e inicia o caminho da especialização, como norma indispensável para a sua nova prática segmentar de saúde.

Medicina Tecnológica

Com a Revolução Industrial, surgia assim a medicina tecnológica. Nessa nova ordem de idéias, o homem foi tido como uma ferramenta de produção que não pode parar, a fim de não ocasionar prejuízos aos crescentes interesses econômicos da sociedade. Casa-se a medicina com o tecnicismo e o capitalismo, moldando-se à Era das Máquinas, abrindo áridos caminhos por entre os sofrimentos humanos, sequiosa de lucros fáceis, enquanto a alma dos enfermos sucumbia ante as suas novas e frias concepções materialistas. Uma nova metodologia de saúde, largamente empregada, passou a objetivar prioritariamente a supressão das doenças, as quais, se era capaz de estancar momentaneamente, não podia impedir que retornassem mais tarde, quase sempre agravadas.

Sem conseguir evadir-se desses favônios a implementar a nova visão materialista da vida, a arte médica mecanizou-se, tornando-se produtora de conforto físico. Subordinada aos imperativos comerciais, seus medicamentos tornaram-se bens de consumo, estimulados, por estratégias de marketing, a conferir a seus produtores o máximo lucro possível.

O ensino médico, de uma formação generalista e humanitária, começou a investir essencialmente na especialização, sustentada pela semiologia tecnológica, pelo modelo materialista de fisiopatologia e pelo tratamento, sobretudo, supressivo das doenças do homem, mediante o emprego de altas doses de drogas químicas artificiais. A sagrada arte de curar tornou-se um procedimento puramente técnico e o médico perdeu o contato com a alma humana, assumindo uma postura eminentemente galênica, em franco desacordo com os postulados hipocráticos, essencialmente espiritualistas. A terapêutica se afasta do naturalismo e se abraça ao artificialismo medicamentoso.

Estava sepultada a medicina humanitária e intuitiva que priorizava a mais estreita relação do médico com o seu paciente. A atuação médica fixa-se nos ensaios diagnósticos sustentados por meios tecnológicos, para se compreender o padecimento humano. Aquilo que não se identificava em exames laboratoriais e não se revelava como uma real patologia, não era mais considerada uma enfermidade válida de se tratar. Os doentes sem doenças passaram a ser rejeitados pelos médicos. E assim, mecanizou-se o procedimento médico, sob o império da visão materialista. O paciente foi transformado em um prontuário, um leito, ou um mero número entre tantos. Sua vida e seu rosário de dramas foram dispensados – interessa agora ao facultativo nada mais que a apurada análise instrumental da patologia física.

Essa nova metodologia levou à formação de novos profissionais de saúde não mais dispostos a ouvir as longas queixas dos pacientes. Bastava agora perscrutar-lhes os escaninhos orgânicos com extensos estudos laboratoriais, mediante o emprego da mais primorosa tecnologia a serviço da saúde. Com decisiva influência, essa nova corrente médica foi implantada no resto do mundo ocidental, ventilada pelo seu grande sucesso econômico e a capacidade de identificar precisamente o local de adoecimento dos enfermos, como se aí depositasse a razão última dos seus sofrimentos.

Evidentemente que não se nega o grande avanço que o mecanicismo científico proporcionou ao conhecimento médico, permitindo o aprimoramento da técnica cirúrgica, a precisão de diagnósticos e o desenvolvimento de fármacos úteis ao controle das doenças humanas. Entretanto, fundamentava-se uma visão médica essencialmente materialista, pronta a impor excessiva interferência medicamentosa na delicada alquimia da vida, ainda que movida pela nobre intenção de auxiliar o homem que sofre.

Medicina Epifenomênica

Assim, conformou-se a nova medicina, com perfeição, ao materialismo científico do século XX. Concepção de uma época, ela fez do homem um epifenômeno, uma máquina incidental, mera conjunção de biomoléculas, produzida agora pela aleatoriedade do DNA.

Refletindo o universo caótico e acéfalo, destituído de sentido ou telefinalismo que a ciência delineara para o entendimento humano, estabelecia-se o descaso na natureza e, conseqüentemente, na vida de todos os seres, dentre eles, naturalmente, o homem. Órfão de um Criador, com a fé abatida e entregue às forças do acaso, caberia ao indivíduo agora valer-se dos cuidados dessa nova ciência, única capaz de proporcionar-lhe a almejada saúde.

Todo modelo terapêutico que não se valesse dessa nova compreensão foi abandonado, destituído de qualquer valor. Estava decretada, cientificamente, a inexistência de qualquer domínio de caráter imponderável em ação na natureza humana. A consciência, inquestionável presença no campo íntimo do homem, a inteligência formativa, a sabedoria dos instintos, a diligente orientação das forças fisiológicas e o complexo maquinário bioquímico a serviço da vida são agora intrigantes produtos epifenomênicos, ou seja, nada mais que impulsos nascidos no âmbito da própria matéria. Esta gerara a si mesma e, mediante forças casuais, impõe controle ao seu inerente funcionamento.

Reduzindo o fenômeno humano a uma casual junção de peças, compete agora ao médico curar a parte enferma, pois, acredita-se, se o segmento funcionar adequadamente, produzir-se-á, necessariamente, um homem com saúde integral.

Medicina Quimiocêntrica

Destarte, é com o surpreendente desenvolvimento da bioquímica do século XX que a medicina colocaria em prática os seus novos postulados materialistas. Se o século XIX a convenceu de que a enfermidade era uma perturbação do funcionamento celular, a nova bioquímica do século XX a persuadiu de que a doença, em última análise, nada mais seria do que o resultado de desarranjos estruturais das biomoléculas, sítio último de sustentação da vida, segundo a visão mecanicista.

Consuma-se o novo cânone quimiocêntrico, segundo o qual toda e qualquer falência orgânica pode ser explicada por alterações bioquímicas – e como tais devem ser corrigidas. Instala-se, com aparente êxito, a iatroquímica – o emprego de drogas artificiais capazes de interferir no funcionamento bioquímico – como única possibilidade de se promover o bem-estar e a cura das enfermidades humanas. Imputando à vida a mesma casuística do universo sustentada pelo caos, credita-se agora à aleatoriedade do maquinário biomolecular todos os fenômenos da vida e do ser, do equilíbrio e da dor. Ou seja, para que o homem desfrute de saúde perfeita, torna-se agora imperioso consertar as suas moléculas, então responsabilizadas por todos os seus distúrbios, até mesmo os da esfera psíquica.

A despeito dos inquestionáveis avanços na compreensão da fisiopatologia humana, impôs-se ao doente um ônus financeiro e a toxicidade de um aviltante quimismo artificial, muitas vezes nocivo à vida. Importantes patologias são heroicamente silenciadas pela nova medicina, é indubitável, contudo, multiplicam-se sofrimentos de ordem emocional. Aumenta-se a longevidade humana, entretanto, cronifica-se o comportamento e a complexidade das enfermidades. Em meio a uma profusão de substâncias químicas, a alma se estiola, ferida em seus anseios de bem-estar, detida na expectativa de desenvolvimento de novas drogas milagrosas que venham lhe proporcionar a tão almejada saúde plena.

Como um novo absolutismo a imperar no mundo moderno, o cânone quimiomecanicista seguiu adiante, impulsionando decididamente toda a cultura médica ocidental. Convencendo o homem do pleno descontrole da vida, terminou por implantar o desalento e o pessimismo em seus painéis psíquicos. Sem alma e sem futuro, resta agora ao cidadão da Era Moderna a busca desenfreada por prazeres imediatos que lhe obnubilem as agruras do destino. Substâncias sintéticas capazes de lhe anestesiar os sentimentos e lhe encobrir as dores comparecem como um convite à felicidade fácil. Então uma única alegria torna-se ele capaz de desfrutar: o falso bem-estar quimicamente artificializado pelos fármacos hodiernos.

E o século XX termina os seus dias assistindo ao triste espetáculo de uma sociedade chafurdada em drogas, lícitas e ilícitas, através das quais muitos perdem o contato com uma existência saudável e natural, enquanto outros, ávidos por lucros fáceis, cuidam de auferir benefícios dos novos e estranhos hábitos.

Medicina Genética

Com a descoberta do DNA, nasce a idéia, a somar-se à visão materialista da medicina, de que todo o controle dos seres vivos poderia situar-se nas cadeias genômicas, onde bases nitrogenadas, coerentemente organizadas pelo acaso, carreariam todas as informações necessárias ao complexo funcionamento da vida. Se aí reside a direção suprema dos fenômenos vitais, então aí também se encontraria, segundo esse entendimento, a máxima possibilidade de se impor-lhes o completo domínio.

Surge a engenharia genética, como uma nova perspectiva para o homem que adoece. O tecnicismo médico partiu então no encalço da determinação da exata seqüência com que as bases nitrogenadas estão inscritas na fita dupla de DNA. E sonha agora a medicina com a possibilidade de produzir na Terra seres perfeitos, mediante a subjugação absoluta do comando genético.

Sem reconhecer que o código genômico é mero chip biológico, onde a sabedoria da vida grava as informações necessárias à edificação de seus corpos, prossegue o esforço da moderna genética médica na edificação de um impecável maquinário orgânico. Iludida, age como alguém que espera o perfeito desempenho de um computador, olvidando a indispensável atuação do programador para que o conjunto opere de modo eficaz. Fato igualmente comparável a quem intencione produzir uma música primorosa, disponibilizando unicamente o instrumento capaz de realizá-la. Embora a justeza do aparelho seja imprescindível, não se executa, em absoluto, uma melodia irreprochável sem o preponderante adestramento do músico.

Medicina Inorgânica

A ciência, sagrada em seus fundamentos, uma vez que objetiva unicamente desvendar os mistérios da natureza para utilizá-los em prol da humanidade, unida ao estéril materialismo, desvirtuou o seu caminho por faltar-lhe uma segura orientação filosófica. Negando-se a admitir qualquer sabedoria ínsita nos fenômenos naturais, empenhou-se em estudá-los com o precípuo interesse em substituí-los por artifícios, antevendo nessa possibilidade uma inesgotável fonte de favorecimentos e lucros. Movida por esses novos interesses, a se sobrepor aos seus nobilitantes princípios, tornou-se antinatural e antiecológica, a exemplo da Revolução Industrial que, no início da Era Moderna, também se desenvolvia com obcecado desrespeito ao meio ambiente.

Abraçada à nova e estéril filosofia materialista, a medicina fez-se igualmente uma prática antinatural de saúde, ao optar por intervir de forma ostensiva, através de compostos inorgânicos, nas delicadas reações bioquímicas, consideradas então a base da patologia física. Conquistando conhecimentos e apuradas técnicas que lhe permitiam interferir nas complexas interações biomoleculares, ela pecou por se distanciar da sabedoria que as edificou. Passando a empregar substâncias artificiais, completamente estranhas ao metabolismo e em doses massivas, tornou-se antivital e perigosa, embora não se reconheça, na atualidade, a extensão de seus danos à espécie humana – fato que somente o futuro poderá legitimar.

Se a natureza foi vitoriosa em implantar a vida na Terra, cuidando-lhe e dotando-a dos mais surpreendentes recursos para que se desenvolvesse até a manifestação da consciência humana, justo seria que a ciência médica procurasse seguir os seus passos e não se antepor a eles. Seus resultados seriam mais eficazes e seus meios mais amenos para a cura dos males humanos.

Acorrendo a coibir a dor mediante imposição química, a medicina inorgânica inibe os mecanismos de auto-regulação que tendem naturalmente a silenciá-la – como se constata, por exemplo, nas dores que terminam por se agravar perante o excessivo uso de analgésicos. Suprimindo a tristeza ou mesmo a ansiedade de forma abusiva, ela corre o risco de fragilizar o psiquismo humano, tornando-o incapaz de superar os naturais desafios da existência. Impondo demasiada defesa artificial ao organismo, conjectura-se que ela irá decretar, em breve, a incapacitação do sistema imunitário. Assim, ao exercer uma cura inatural, a iatroquímica corre o risco de promover a falência da homeostasia que dirige com perícia o organismo e o orienta na constante manutenção do próprio equilíbrio.

Ora, a vida, se sabe transmitir com eficiência suas conquistas metabólicas de uma geração para outra, igualmente faz migrar os seus prejuízos, fato constatado nas populações de bactérias. Por isso, é possível que o imoderado emprego de drogas artificiais, alheias à organicidade da vida, não se restrinja ao dano unicamente do ser que a elas se expõe, mas termine por incorporar-se como resíduo genético de uma raça, a carrear efeitos danosos para as futuras gerações. O resultado a longo prazo poderá ser a fixação de sérios prejuízos ao delicado equilíbrio bioquímico do homem, terminando por produzir na Terra uma raça de seres frágeis, impróprios para superar os desafios naturais da existência. Desse modo, faz-se premente que o médico, na atualidade, receie pelo uso imoderado do quimismo medicamentoso, utilizando-o com cautela.

Depois de um século de abusos, impregnando a natureza de resíduos inorgânicos, altamente nocivos à saúde do planeta, os setores industrializados da sociedade reconheceram o erro inicial, compreendendo, enfim, que os sagrados fundamentos da vida não podem ser violados sem graves conseqüências para o bem-estar da humanidade. Por isso, hoje, eles se esforçam por coibir o dano, empreendendo um desenvolvimento sustentado por irrestrito respeito à natureza e cuidadosa preservação do meio ambiente. O mesmo se observa, por exemplo, nos segmentos mais conscienciosos da agricultura, que se esmeram na produção de alimentos desprovidos de defensivos químicos reconhecidamente impróprios ao consumo humano.

A medicina, embora tardiamente, deverá também seguir esse roteiro. Ingressando na Era Ecológica, ela compreenderá, enfim, que os fármacos inorgânicos poderão perturbar, antes que solucionar o adoecimento humano. Conscientizada, ela aprenderá a priorizar as terapias naturais, organicamente afeitas ao metabolismo celular. A vida agradecerá, respondendo com saúde estável e verdadeira, ao estímulo que se iguale e se abrace ao seu inerente e multimilenar funcionamento.

 

III – A MEDICINA NA VISÃO PÓS-MODERNA

Crise No Cânone Mecanicista

A despeito do grande sucesso da visão mecanicista de mundo, a influenciar decisivamente todas as áreas da atuação humana, no segundo decênio do século XX, suas sólidas bases começaram a se desmantelar, mediante novas descobertas, nascidas no âmbito da própria ciência, ao pesquisar na ribalta das imensidões cósmicas e nos escaninhos do infinitamente pequeno. Com base na relatividade de Einstein, na teoria do Big Bang e nas surpreendentes constatações da física quântica, inicia-se a edificação de uma revolucionária visão de mundo, que terminará por desfazer por completo a cosmovisão materialista, como prevêem os grandes visionários da história.

Crise no Absolutismo do Tempo e do Espaço

Nos anos de 1905 e 1915, Albert Einstein (1879-1955) enuncia a sua famosa teoria da relatividade, propondo mudanças fundamentais no comportamento da fenomenologia física, destituindo-se o absolutismo do tempo e do espaço que vigorara nas concepções newtonianas. Agora, submetidas ao império da constância da velocidade da luz, o tempo e o espaço não são mais entidades absolutas. E com Einstein, o universo se curva à relatividade de todas as suas medidas, tornando-se um campo elastecido pela fluidez do continuum espaço-tempo e dobrado sobre si mesmo. O tempo se dilata e as distâncias se encurtam no âmbito das grandes velocidades e das variações gravitacionais. O cosmo deixou de ser o imenso relógio de engrenagens estáticas e perfeitamente uniformes da clássica visão newtoniana para se fazer um amálgama aglutinado pelas próprias dimensões.

Neocriacionismo Cosmológico

Entrementes, é no campo da cosmogênese que uma nova ordem de conceitos insurge com o ímpeto das grandes revoluções ideológicas. Com a descoberta da recessão das galáxias e a formulação da teoria do Big Bang, como já visto, o universo desfez-se como entidade eterna, imutável e incriada, que vigorara na visão mecanicista-atomista da Era Moderna. Constatou-se que houve um dia em que ele nascera e existe um “outro lugar” de onde necessariamente proveio. Renascia no âmbito da própria ciência a idéia criacionista, agora colorida pelos jargões da nova física que também irrompia. E nos dias atuais, as chamadas “questões do começo” permanecem intrigando o homem moderno, que reluta em pronunciar o nome do Sagrado como o criador do cosmo e da vida, ainda ressentido da longa coerção que a teologia medieval lhe impusera. Nesse neocriacionismo científico, Deus ainda não encontrou o seu devido lugar como uma hipótese científica viável, embora suscitado com outras denominações que o valem, como mar quântico inicial, não-localidade, supersimetria, singularidade e outros evasivos cognomes.

Contorcido pela curvatura do continuum espaço-tempo e subordinado a uma vertiginosa expansão da ordem de 200 mil quilômetros por segundo, o universo transformou-se em uma estonteante entidade, contida em intrigantes limites. Agora finito e cerceado pelas malhas do tempo e do espaço, ele se converteu em uma imensa bolha de realismo físico, imersa em outra suprajacente dimensão, não-física e inacessível à análise instrumental: a imponderabilidade, que a ciência, estarrecida, trata ainda de compreender.

Sem o saber, é o próprio pensamento científico que, nos dias atuais, cuida de refazer a antiga visão de mundo da tradição judaico-cristã, ao apregoar um universo fechado, encerrado nos limites de uma instância supradimensional, cujas características nos fazem recordar a esfera divina, segundo as descrições de todas as visões religiosas e intuitivas do passado.

Revolução Quântica: Morte da Matéria

Em 1900, Max Planck, estudando a irradiação dos corpos negros, descobriu o curioso fenômeno do empacotamento da energia. Ou seja, os campos de força que entrelaçam e sustentam as partículas atômicas e se irradiam a partir delas não se expressam como processos contínuos, porém acham-se fracionados em unidades indivisíveis, às quais se denominou quantum – a quantidade mínima. Nascia a física quântica, a determinar uma diferenciada maneira de se conceber a realidade em que vivemos. Recebendo, ao longo das próximas três décadas, as importantes contribuições de grandes nomes, como Niels Bohr, Louis Victor de Broglie, Erwin Schrödinger, Heisenberg e o próprio Albert Einstein, fixou-se, vitoriosa, como a nova ciência a redesenhar o mundo segundo concepções até então inimagináveis.

Nessa nova visão, que a cada dia tem se mostrado a mais compatível com a fenomenologia do universo, a matéria deixou de ser uma realidade concreta para se desfazer como evanescentes campos de energias –propriamente chamados de eventos. Matéria e energia, partícula e onda são agora entidades de mesma natureza, compartilhando idênticas propriedades, a se diferenciarem apenas por tonalidades vibracionais.

E descobriu-se que o espaço infra-atômico coexiste com uma perturbadora dimensão, na qual inexistem o tempo e o espaço. Denominada não-localidade, por aí não imperarem os parâmetros euclidianos de localização, tornou-se o reino do absurdo. E terminou-se por identificar essa mesma realidade como a supradimensão de onde partiu o nosso universo, antes de explodir-se no Big Bang – a chamada singularidade inicial.

Além disso, Heisenberg enunciou o princípio de incerteza, fixando o indeterminismo como uma realidade subjacente do mundo quântico. Nada pode ser determinado ou previsto com exatidão, como queriam a física clássica e a ciência mecanicista. O mundo passa a ser produto de escolhas que sobrevivem como possibilidades constantes, sem jamais se decidirem – instala-se o reino das probabilidades como o sustentáculo da realidade. Nada é mais concreto, fixo ou perfeitamente ordenado. Tudo agora é questão de possibilidades. Morre o determinismo e a objetividade que sempre sustentaram o saber científico.

Verificou-se que, nesse novo reino, a não-localidade, coisas realmente inesperadas acontecem como a transmissão de informações que não consomem tempo e não percorrem espaço algum; partículas que ocupam dois lugares ao mesmo tempo; ondas que se revelam como partículas e partículas que se manifestam como ondas; corpúsculos que surgem do nada, o vazio quântico, e para lá retornam; fenômenos que ocorrem de forma instantânea, como os saltos quânticos realizados através dos orbitais eletrônicos; e outros intrigantes fenômenos que a lógica clássica não pode mais explicar, mas que se revelam como o mais surpreendente realismo.

E finalmente, descobriu-se que, no mundo quântico, são determinantes as escolhas do observador na aferição de parâmetros mensuráveis. A não-localidade sofre a interferência de uma vontade que lhe é aparentemente exterior, levando os pesquisadores a compreenderem que eles próprios são campos quânticos de idêntica natureza. A despeito de muitos ainda negarem esse surpreendente fato, a fenomenologia quântica sugere assim a presença de uma imponderável instância nos seres vivos, identificada como a consciência, capaz de interferir no mundo subatômico, exatamente por compartilharem propriedades comuns. Ou seja, a alma faz-se também um reduto quântico. Une-se definitivamente a realidade física com a dimensão da consciência.

Neo-Espiritualismo Quântico

Todos esses fatos, revelados pelas pesquisas científicas, desfraldam agora ao homem do século XXI um novo cenário de compreensão do universo. Este se torna, no dizer do físico Fritjof Capra, um grande pensamento, interligado por conexões não-locais, compondo uma teia de eventos inteligentes que se pode conceber como extensão de uma Consciência cósmica de unificação.

Com o indeterminismo, estampado na realidade quântica, a linearidade causal perdeu sustento e a ciência objetiva entrou em crise – nem tudo pode ser determinado como queria o antigo rigor científico. Com a morte da matéria, morre também o materialismo, e com ele o seu cosmo epifenomênico, edificado pela própria matéria. Sem existência própria, a matéria pode agora ser considerada uma ilusória criação de uma consciência apriorística e autônoma.

Assim o universo tornou-se uma realidade não-física, feito de não-localidades, ou seja, urdido em uma teia de imponderabilidades. Os fenômenos físicos são agora entidades subjacentes oriundas desse novo realismo, evidenciado nos experimentos quânticos. Tudo se origina de um oceano de forças invisíveis e abstratas, a quiescência quântica, que ninguém mais pode dizer de onde provém e quem orienta a sua inerente expressão fenomênica. O mundo se desvaneceu aos olhos do homem, feito agora uma rede de eventos – manifestação imaterial de poderosos campos de energias e vontades, e nada mais.

Estendidos à biologia, esses conceitos sugerem que a vida é manifestação de um complexo campo de forças, produzido por uma consciência independente, própria dos seres vivos. De máquinas aleatórias, antes geradas nada mais que pela própria matéria, passam agora a entidades alicerçadas em eventos quânticos. Eventos que somente podem ser expressão de um campo consciencial, explicando-se assim como a vida é capaz de identificar regularidades no meio em que se expressa, efetuar escolhas coerentes, construir estruturas anatômicas segundo propósitos inteligentes e colocar em vigência uma fisiologia voltada para as suas necessidades. Explicação esta muito mais coerente do que aquela que entrega tais habilidades à casualidade da matéria – fato que nenhum observador sincero pode negar.

Dessa forma, a nova ciência, ao demonstrar a existência de um realismo subjacente à dimensão física e a participação de uma consciência no domínio quântico, abriu caminho para se readmitir as concepções do espiritualismo – uma vez que em tudo se assemelham. Basta aplicar esta simples dedução: se a matéria, em sua intima composição, é um campo de energias, a vida, com muito mais propriedade, também o será. Volta-se assim, nos bastidores da ciência, a se conceber como viável a crença vitalista que considerava a vida produto de um potencial irredutível ao domínio físico. Nesse neovitalismo quântico, rasgam-se os véus do materialismo, desfraldando-se uma nova visão de mundo, a qual ressuscitará o antigo espiritualismo como inquestionável expressão da realidade fenomênica.

Crise na Biologia Mecanicista

A biologia do século XX, alimentada pelo preponderante materialismo científico, acreditou haver desvendado os principais mistérios da vida e do ser, e os que ainda lhe faltavam seriam em breve solucionados. Pelo simples fato de haver compreendido os seus íntimos mecanismos bioquímicos, difundiu-se a idéia, com critérios de cientificismo, de que Deus e o espírito não se faziam mais necessários para explicar a criação. Esquecia-se o materialismo que, embora se possa deslindar o funcionamento intrínseco dos fenômenos biológicos, não se pode aclarar, por sua vez, de onde se originam os fundamentos que os orientam. Ou seja, a ciência, em todas as suas áreas de atuação, é capaz de demonstrar a existência de princípios, mas estes, por sua vez, não são objetos de demonstração.

E hoje é a mesma ciência que, atônita, admite que, a despeito das vastas e surpreendentes descobertas no campo biológico, não se chegou ainda a uma conclusão precisa e coerente sobre o que é a vida e o que produz a sua admirável proficiência. Acreditava-se que o DNA, com sua intrigante inteligência, seria suficiente para explicar a organização dos seres vivos. Contudo, o projeto genoma que destrinchou a correta seqüência do código da vida a serviço do homem, chegou à conclusão de que as informações aí contidas não são suficientes para se justificar a alta complexidade do ser humano. Considera-se que cada par de genes, contendo suas longas cadeias duplas de bases nitrogenadas, contém o registro seqüencial de uma única proteína – complexa cadeia constituída por milhares de átomos de carbono, oxigênio e nitrogênio, ordenados segundo uma seqüência exata. Constatou-se que existem 33 mil pares de genes no DNA, ou seja, o suficiente para o registro de 33 mil modelos protéicos – número muito inferior aos supostos dois milhões de tipos de proteínas necessárias para se fazer um ser humano. E assim, conclui-se que o genoma é mero rascunho de como formar seres vivos, explicando-se porque o homem detém 96,4% de semelhança com o arquivo genômico do chimpanzé. A idéia de que o mecanicismo genético é o único a se responsabilizar pela edificação biológica começa, com isso, a ser questionada.

Exatamente por isso, Francis Collins, chefe do Projeto Genoma Humano, reconhecendo a insuficiência do arranjo genético para explicar a vida, declarou, ao fim dos trabalhos que o seqüenciaram: “A complexidade do ser humano surgiu de alguma outra fonte, pela qual devemos agora começar a procurar.”

No cenário da biogênese, igualmente, a biologia ainda se debate com dificuldades, ante a falácia da teoria do acaso para elucidá-la. Sabe-se hoje que a vida na Terra surgiu assim que a sua superfície se resfriou, e formaram-se as rochas sedimentares, ou seja, há 3,85 bilhões de anos – e não há 1,5 bilhão como anteriormente se julgava. Os mais antigos registros fósseis da vida, compostos carbonados de origem microbiológica, datam dessa mesma época – e assim comprova-se que não houve tempo para que o acaso atuasse na produção aleatória de biomoléculas viáveis. Formaliza-se a destituição do milagre do acaso como proposta viável. E poderá restar à ciência admitir a possibilidade de que a vida seja produto de uma intrínseca inteligência, que orientou o seu nascimento e a conduziu numa subseqüente trilha de edificações engenhosamente ordenadas e viáveis. O bom senso exige encarar essa possibilidade como uma tese científica, enfrentando-a sem os preconceitos que permanecem contaminando a ciência moderna. Não se justifica negar possíveis verdades simplesmente por suscitarem um caráter religioso em suas premissas.

Grandes pensadores da atualidade já se dão conta dessas proposições e anseiam por novas teorias que venham melhor desvendar os mistérios que permeiam a vida. Francis Crick, por exemplo, um dos descobridores do DNA e prêmio Nobel de biologia, admirando-se da fantástica sabedoria que permeia os fenômenos vitais, reconheceu a inviabilidade das teses mecanicistas para explicá-los, declarando com sinceridade: “Um homem sensato, armado de todo o saber à nossa disposição hoje, teria a obrigação de afirmar que a origem da vida parece dever-se a um milagre, tantas são as condições a se reunir para viabilizá-la”.

E, de fato, como adotar o acaso por diretor da vida se, partindo da simplicidade das formas, ela produz a beleza de organismos cada vez mais aprimorados? Somente um telefinalismo superior poderia justificar a complexidade crescente e a supremacia de seres admiráveis, capazes de sobreviver em meio às dificuldades descomunais e aparentemente insuperáveis do planeta. Na infatigável esteira do tempo, a vida soube vencer todos os obstáculos, a fim de produzir o seu fruto mais sagrado: a consciência superior, representada pelo despertar de um psiquismo que, ao que tudo indica, já dormitava na carne desde os seus primórdios.

Seguramente, a vida somente pode ser definida pela forma como ela se expressa e não pelos seus atributos, cuja origem e essência se ignora. Pensadores modernos a definem como um domínio caracterizado pela capacidade de se auto-organizar, embora não se compreenda de onde advenha seu inerente padrão de ordem. Os seres viventes, diferentemente dos corpos inanimados, têm a possibilidade de crescimento intrínseco, de liberdade de movimento, de reação aos estímulos do meio e de se copiarem a si próprios, através do fenômeno da reprodução. Tais propriedades, no entanto, em última análise, não são mais um atributo exclusivo da vida. Ao se penetrar na intimidade atômica, desaparecem e se igualam todas as possibilidades verificadas fisicamente no ser vivo, onde se identificam entidades interativas e tão vivas quanto a própria vida. E, se no microcosmo, a vida se confunde na complexidade dos campos quânticos, no macrocosmo, ela permanece intrigante em suas multifárias expressões, adaptadas, de forma admirável, às mais diferentes condições ambientais do planeta.

Isso, sem se considerar o milagre da consciência, síntese inefável do pensamento, que a vida permite ao homem secretar através de incompreensível e imponderável alquimia. Percebendo-se como uma unidade senciente, interativa, habilitada à cognição, à lógica e à criatividade, torna-se evidente o absurdo de o homem considerar-se mero epifenômeno neuronal, produzido nada mais que por intrincadas correntes elétricas, originárias de um casual amontoado de células.

Neocriacionismo Biológico

Ante essas novas inferências no campo biológico, pesquisadores se movimentam em busca de melhores explicações para o fenômeno da vida e da consciência, um dos mais enigmáticos do universo.

Os seres vivos exibem qualidades e habilidades tão fascinantes que, para alguns pensadores da atualidade, chamados neocriacionistas, seriam obras de um requintado projeto – então denominado planejamento inteligente. Enquanto a crença derivada das idéias de Darwin afirma a criação da vida por ato aleatório dos elementos químicos, submetidos à seleção natural, os defensores dessa idéia acreditam que o mais lógico seria admitir a existência de um padrão inteligente, não físico, imprimindo-se na matéria viva. Fato que torna possível a sua alta complexidade e a repetição de seus padrões sempre idênticos.

Um dos protagonistas dessa nova tese, o bioquímico Michael Behe, apóia suas concepções na teoria chamada complexidade irredutível, segundo a qual um sistema orgânico existe e funciona somente quando perfeitamente integrado aos objetivos superiores da unidade que o sustenta. Um exemplo típico seria o olho humano – órgão que não pode ser compreendido como um encontro casual de peças, porém parte de um projeto sabiamente idealizado, que executa um programa, mediante a participação dos seus variados componentes, perfeitamente orientados a uma finalidade última. Finalidade que cada parte isoladamente desconhece e que se cumpre somente se as peças estiverem sob o comando de um sistema central de integração. Como o olho humano, todos os órgãos fazem parte de uma programação coerente que conhece objetivos a se cumprirem, os quais estão muito além do conhecimento particular de seus componentes.

Para se compreender a complexidade irredutível basta imaginar uma simples ratoeira – ela não é uma organização aleatória de peças, porém um instrumento habilmente planejado por uma inteligência superior, reunindo peças com uma precípua finalidade: pegar um rato. Objetivo naturalmente desconhecido por cada peça em separado. A base de tábua, a mola, a haste de ferro e o queijo são elementos simples que não respondem isoladamente pela função última do conjunto, somente conhecida por quem o arquitetou – portanto, deduz-se facilmente, a complexidade global de uma ratoeira não pode ser explicada pelas suas partes. O reducionismo cartesiano deve ser assim formal e cabalmente abandonado como um modelo capaz de explicar a sábia fenomenologia da vida e do universo, pois as partes não justificam o todo.

O mundo orgânico, sobretudo nos domínios biomoleculares, está referto de complexos sistemas irredutíveis, precisos e interdependentes, que somente funcionam e se explicam mediante um conjunto de intermediações e estratégias. Táticas caracterizadas pela lógica e pelo conhecimento da finalidade do conjunto que unicamente uma inteligência, a extrapolar os limites de ação dos segmentos, poderia arquitetar. A surpreendente cascata de coagulação é um exemplo clássico, composta de reações interligadas e complexas que conhecem muito bem o resultado último a ser atingido: estancar o sangue, impedindo o seu extravasamento do sistema circulatório.

Outro fato, antes aparentemente simples, que vem suscitando a presença de uma perturbadora inteligência nos processos biológicos é o dilema das penas das aves. O reducionismo não pode explicá-las, pois são formadas por meras moléculas de queratina, às quais não contam com a “inteligência” do DNA. Produzidas em folículos pilosos, os mesmos que nos mamíferos confeccionam os pêlos, as moléculas de queratina deixam-se moldar, na pena, em filetes com espículas e canaletas que se encaixam com precisão, a fim de proporcionar à estrutura final uma perfeita lâmina de sustentação ao vôo. E modulam-se com a exata curvatura necessária à aerodinâmica da ave. Além disso, cuidam de preparar uma penugem próxima ao corpo do animal, a fim de aquecê-lo e se dão ainda ao luxo de se desenhar e se colorir segundo o padrão da pena vizinha, conferindo, ademais da perfeita funcionalidade, um belo resultado artístico ao conjunto final. Como as moléculas de queratina são capazes de realizar tais proezas, se os DNAs das células que as secretam estão à distância, nos bulbos pilosos, e todas essas queratinas são quimicamente iguais? Imagina-se que seriam produzidas com determinados comandos elétricos que as obrigariam a se conformar segundo a estrutura final desejada. Todavia, a inteligência requerida para essa complexa operação não poderia estar contida nos genomas das células pilosas. Seria algo comparado a um engenheiro que erguesse um prédio imprimindo ordens em cada tijolo para que, por si mesmos, ocupassem a sua exata e coerente posição no edifício a ser construído – uma sabedoria por demais complexa para se pedir a um conjunto de moléculas ou mesmo atribuir-se à ação do acaso. Assim, tudo leva a crer na existência de um psiquismo diretor que conhece aerodinâmica e, através de impulsos sutis, constrói com arte e funcionalidade o seu requintado instrumento de vôo.

O biólogo Rupert Sheldrake chegou a essa mesma conclusão em 1981, ao intuir que o acervo genético não poderia conter um sistema de orientação da conformação dos seres vivos. Propôs então o interessante conceito de campos morfogenéticos para se explicar a correta moldagem dos organismos, repetindo a cada existência o exato protótipo característico da espécie. Campos que seriam moldes de natureza extrafísica, capazes de obrigar as células a ocupar posições pré-determinadas por um psiquismo que conhece não só funções, mas igualmente a forma anatômica necessária para desempenhá-la com proveito.

Em decorrência de todas essas conjecturas, o darwinismo, baseado em mutações completamente aleatórias, realçando a falta de propósitos e de intenção nos processos evolutivos, está igualmente sendo contestado em determinados segmentos do mundo científico, os quais se negam a adotar o “acaso” por condutor da complexa e multifária vida planetária. Não se admite mais que um simples encontro de átomos de carbono, oxigênio, hidrogênio e nitrogênio seja responsabilizado pela organização biológica, produzindo, com crescente aperfeiçoamento, seres de altíssimo funcionamento inteligente e complexos sistemas irredutíveis. E sequer se pode explicar como esse amontoado de partículas atômicas desenvolveu a capacidade de elaborar pensamentos e tornar-se consciente de si próprio, no admirável milagre da cognição patente no homem.

A essas revolucionárias idéias no campo da biologia, somou-se ainda outra interessante teoria, que veio melhor elucidar a evolução darwiniana, embora contestada por muitos na atualidade: a tese do equilíbrio pontuado. Segundo essa elegante hipótese, elaborada pelo biólogo Stephen Gould (1941-2002) em 1996, a evolução biológica seria entrecortada periodicamente por grandes revoluções. E assim o gradualismo darwiniano estaria interrompido por súbitas criações no campo da vida, que comparecem com soluções já prontas para os seus intricados desafios. A evolução seria então produto de saltos revolucionários, plenos de criatividades, produzindo subitamente novos seres, dotados de diferenciados recursos biológicos, prontos a superar os desafios da existência na Terra. Assim se explicaria o aparecimento súbito, na evolução, de novas espécies, justificando-se a ausência dos chamados elos de transição. E desse modo, a evolução biológica não se estabeleceria como um processo aleatório, porém, um movimento sabiamente orientado por uma inteligência superior, que conhece objetivos a serem atingidos e trabalha para alcançá-los.

Essa tese não pressupõe a negação da seleção natural e do gradualismo adaptativo como genuínos mecanismos da evolução, conforme originariamente propostos pelo darwinismo. Ela apenas elucida melhor o seu funcionamento, pois se o progressivo desenvolvimento dos seres estivesse entregue unicamente a mutações aleatórias e graduais, não se observaria a curiosa predominância de resultados coerentes, funcionais e perfeitamente coordenados, como facilmente se constata. Se o acaso a dirigisse, ocorreria exatamente o contrário, ou seja, a nítida preponderância de desacertos e fracassos, o que não corresponde à realidade. São fatos que não podem ser negados por quem analisa o fenômeno destituído de preconceitos.

Desse modo, o acaso está sendo eliminado da história da vida, suscitando-se a existência da criatividade em todos os seus particulares processos, sejam humanos, animais ou vegetais. Criatividade que patenteia a presença de uma inteligência na fenomenologia biológica, a qual faz escolhas e determina direções.

Portanto, acreditar, atualmente, na possibilidade da existência de um campo imaterial e organizador em ação nos seres vivos não caracteriza mais uma atitude anticientífica, oriunda de preceitos religiosos. Não se trata de crença alicerçada em ilogicidades, porém uma bela e viável hipótese filosófica e científica, capaz de solver elegantemente muitos dos paradoxos e dúvidas que permeiam a maravilhosa fenomenologia da vida.

De acordo com essa atraente teoria, a suscitar um neocriacionismo biológico, uma entidade abstrata, a qual se poderia muito bem denominar espírito, cria e rege a vida, através de um dinamismo intermediário – o campo vital. Além de sustentar e organizar o corpo físico, conferindo-lhe as sensações próprias da consciência, esse campo vital, que nada mais seria do que um hálito dinâmico do espírito, responsabilizar-se-ia ainda pela manutenção da saúde e pelos desequilíbrios a fomentar a doença orgânica.

A existência dessa energia não pôde até hoje ser comprovada, mas admite-se que estaria próxima de outras manifestações energéticas do ser vivo, como a energia calórica e a bioelétrica. Não seria dotada de uma sabedoria própria e independente, porém funcionaria como um sensor da inteligência espiritual que rege o ser como um todo. E não estaria afeita a um potencial meramente mecânico e pertinente à movimentação dos órgãos, mas evocaria um dinamismo inerente à vida, antecedente das atividades elétricas do organismo, as quais, na verdade, originariam.

E assim, nos dias hodiernos, uma nova biologia não tarda a insurgir nos bancos acadêmicos – a biologia espiritual – a qual adotará o primado do espírito como explicação para a admirável sabedoria presente nos seres vivos. Biologia que não será mais um estudo de cadáveres, porém ciência do espírito. Filiada à essência superior que comanda a vida, ela saberá conduzir o pensamento humano ao reencontro com o sagrado que se oculta em sua própria substância.

Novos Horizontes Humanos

Todas essas florescentes idéias, verdadeiros saltos evolucionários empreendidos no campo da física, da cosmologia e da biologia, estão imprimindo na Era Pós-moderna uma renovada visão de mundo, pronta a modificar substancialmente os horizontes conceituais humanos.

Nos febricitantes dias atuais, em que todos os valores culturais e éticos ainda se acham macerados pelas imposições do agonizante materialismo científico, os mais atentos estão presenciando o nascimento dessa nova cosmovisão, a qual recrudescerá as velhas verdades que alimentaram o saber humano em todos os tempos. E em breve se verá o alvorecer de um novo Renascimento cultural, restaurando o antigo espiritualismo no cenário epistemológico do novo século que se inicia, atendendo às necessidades da lógica humana, amadurecida pelos tempos, e ante a falácia do reducionismo determinístico em explicar a fenomenologia do cosmo e da vida.

Torna-se a cada dia mais evidente que, embora hábil em analisar os fatos objetivos que integram o campo físico, o indutivismo científico da Era Moderna não pôde elucidar os mistérios que se escondem na imponderabilidade, que a tudo sustenta no universo – como constatado pela mecânica quântica. Tendo acumulado um número expressivo de dados, a ciência materialista atingiu a sua máxima expressão. Detida em meio a infindas análises, ela se mostra insuficiente para realizar a síntese do conhecimento. Falta-lhe uma orientação geral e uma visão de conjunto que somente o dedutivismo, veiculado por genuíno espiritualismo, é capaz de lhe facultar.

Priorizando a análise reducionista, o objetivismo científico ignorou a imponderabilidade essencial que cria e sustém a fenomenologia universal. Por isso, assiste-se hoje a uma sistematização de conhecimentos altamente pragmáticos, produtores de inegáveis comodidades, porém desprovidos de uma segura orientação filosófica.

A ausência de crenças espiritualistas fez do homem moderno um perfeito hedonista, ao destituir a sua vida de finalidades superiores. Desse modo, vive-se em uma sociedade sumamente tecnológica, servida por máquinas extraordinárias, porém moralmente carente e sob exíguo critério de humanização. O desrespeito às necessidades alheias e à ecologia do planeta, que sofre sob o gládio de um progresso incontrolável e ganancioso, e uma economia voltada ao enriquecimento de poucos, caracteriza o nosso atual estado social, ainda muito distante de uma verdadeira realização humanitária, orientada para a felicidade de todos. A produção de bens e consumos, o conceito de vida e de evolução, de saúde e de doença e o próprio exercício da medicina ainda reverberam essa ética pueril e acanhada, produto da equivocada visão materialista de mundo, semeada pelo frio mecanicismo científico dos séculos XIX e XX.

Se a ciência pós-moderna já constatou que a matéria é nítido produto de uma emanação não-física – um campo imponderável, subjacente ao universo físico, de onde certamente provém toda a sabedoria que o orienta – então há urgente necessidade de se rever todos os conceitos aprendidos do velho materialismo científico. E estender, sobretudo para o campo biológico, essa inovadora e mais coerente compreensão da realidade.

Nesse novo cenário epistemológico, o conceito de vida, de homem, de saúde e de doença modificar-se-ão substancialmente, favorecendo igualmente o nascimento de uma nova medicina. Urge, então, derruir os vigentes corolários materialistas que ainda maculam a medicina, a fim de moldá-la a essa nova cosmovisão que já desponta no alvorecer do terceiro milênio. É para lá que o progresso humano se dirige a passos rápidos. Por isso os novos tempos se apressam a convocar todos aqueles que podem compreender para colaborar na edificação dessa revolucionária visão médica.

Crise Na Medicina Materialista Contemporânea

Apesar da ciência pós-moderna haver derruído os fundamentos da matéria, a medicina atual segue estacionada no cânone materialista, que coloriu os dois últimos séculos de sua existência e moldou a sua particular visão da vida e do homem. Quimiocêntrica e mecanicista, ela ainda não se entreabriu a novas possibilidades para a compreensão do ser, do destino e da dor. E, substancialmente afeita à fenomenologia física do mundo orgânico, permanece carente de uma visão mais abrangente do ser humano, a qual somente o espiritualismo poderá lhe facultar.

Mediante a análise estritamente reducionista e reproduzindo o determinismo científico da Era Moderna, a medicina ainda acredita que terminará por impor ao cosmo celular o mais absoluto controle, estabelecendo, por meios exteriores e artificiais, a perfeita saúde na raça humana. Adesa a essa interpretação incompleta do ser e obediente a uma visão unilateral e materialista da vida, a nobre ciência ainda procura as causas últimas das enfermidades nos escaninhos biomoleculares. E a seguir o caminho estabelecido, cuja conseqüência é o largo emprego do quimismo medicamentoso, é justo admitir que ela está longe de conquistar a vitória final sobre todos os males que assediam o homem na jornada dos séculos.

Ambientada em alta tecnologia diagnóstica e tendo à sua disposição recursos farmacológicos efetivos, a ciência médica ainda se debate com sérios obstáculos à perfeita compreensão do homem e sua patologia, por lhe faltar uma visão de síntese que elucide a fenomenologia orgânica. A refinada interferência nas reações biomoleculares impõe, inquestionavelmente, momentâneo controle às doenças, porém, até então ela não pôde impedir que o homem recrudesça o seu adoecimento e aprofunde-o ao longo da vida, comprometendo, paulatinamente, órgãos mais internos e nobres. Por isso, é possível afirmar: impregnada de renitente materialismo, a medicina necessita urgentemente abrir-se a novos campos de pesquisas, a fim de conquistar a visão do todo mente-corpo e penetrar, de fato, nas razões últimas do fenômeno humano e sua substancial patologia.

Faz-se necessário compreender que a natureza encontra-se sob orientação de forças superiores e sábias, as quais a prática médica deveria conhecer e buscar seguir. Embora sejam inegáveis as importantes conquistas do artificialismo medicamentoso, hoje é a própria ciência que se dá conta de que a vida, afastada da natureza, enfraquece e se distancia da verdadeira saúde. Prova-o o fato de que ratos de laboratório, criados sob criteriosos cuidados artificiais, adoecem muito mais e facilmente sucumbem comparativamente àqueles que vivem sob um regime natural. Pesquisas recentes atestam igualmente que crianças excessivamente protegidas por medicação artificial estão muito mais propensas ao adoecimento que aquelas que experienciam uma vida isenta de sobrecarga medicamentosa. Comprova-se assim que, se a iatroquímica muitas vezes pode salvar vidas, termina por interferir negativamente na sabedoria orgânica, vitoriosa há milhões de anos na condução da vida, e que deveria ser respeitada.

É indiscutível que o bom funcionamento da parte é importante, entretanto, sem o perfeito desempenho da unidade não se impõe equilíbrios definitivos. Por isso, constata-se que, a despeito do avanço da indústria farmacêutica, segundo estudos recentes, hoje 50% das pessoas nos EUA têm algum tipo de alergia, o dobro do verificado em 1980. Considerando somente os asmáticos, em 1980 existiam na nação americana cerca de 13,7 milhões, e na atualidade eles superam a casa dos 20 milhões. É visível o aumento das doenças psiquiátricas, sobretudo a depressão, assustando-se o mundo moderno ante a incrível ampliação do número de suicídios. Inegavelmente, nunca se impôs controle sobre tantas doenças, contudo, o homem não se tornou mais feliz do que antes aparentava, e prossegue a sua assustadora carreira de padecimentos.

Torna-se evidente que a medicina não conseguiu curar de forma definitiva o homem. Sem uma visão holística do ser, o heroísmo médico se empenha no tratamento segmentar supressivo de um desequilíbrio, cuja raiz é incapaz de atingir e, por isso, retorna sempre ao palco de suas manifestações, por vezes agravado. Como verdadeiramente curar, se a medicina desconhece o que é o fenômeno humano, ignora a sua origem, o seu passado multimilenar, o seu destino e o verdadeiro móvel de suas dores? Os grandes enigmas do homem necessitam ser respondidos não só pelas filosofias e religiões, mas sobretudo pela ciência médica, pois não se pode pretender sanar enfermidades, sem antes conhecer integralmente o enfermo.

A ausência de uma segura orientação filosófica a respeito da natureza humana fez da medicina uma prática imediatista, disposta a tratar as partes enfermas sem se ocupar com o espírito, onde reside a fonte das enfermidades, advindo daí seus fracassos terapêuticos. Emprega-se largamente potentes antiinflamatórios que inibem os processos reumáticos, mas que não atingem a real causa que os desencadeia. Eficazes hipotensores são desenvolvidos, porém não podem aquietar o pulso mórbido que segue tensionando o sistema circulatório. Antibióticos de última geração eliminam microorganismos, destarte não silenciam a tendência a albergá-los novamente no campo orgânico, deixando o organismo cada vez mais desguarnecido de defesas naturais. Drogas de ação antidepressiva abafam a angústia humana, todavia, apenas anestesiam momentaneamente a alma, terminando por enfraquecê-la na superação de seus dramas existenciais. Substâncias induzem o sono, entretanto instalam o grave vício medicamentoso no enfermo, incapacitando-o ao sono natural. Ansiolíticos suprimem a ansiedade, no entanto, inibem o potencial humano de solucionar a problemática que a gera. Estabilizadores do humor acalmam as oscilações do caráter, porém eximem o doente da conquista do próprio equilíbrio. Eficientes inibidores químicos sobrepujam reações imunológicas, contudo, desconsideram a inteligência intrínseca que as fazem operar em favor da integridade orgânica. Antineoplásicos de última geração aplacam a multiplicação das células tumorais, não obstante, são incapazes de interferir na tara hipertrófica que as incentiva ao crescimento desordenado, além de promoverem grave enfraquecimento geral do organismo. Analgésicos amenizam a dor, entretanto não agem na dissonância que a origina, levando ao seu paulatino e posterior agravamento. Reposições hormonais inegavelmente substituem o trabalho de um órgão que faliu, no entanto, não objetivam a solução dessa falência. Técnicas cirúrgicas avançadas corrigem defeitos anatômicos, mas não intermedeiam o desequilíbrio que os produzem.

Enfim, a terapia materialista trata deficiências orgânicas de toda natureza, porém não prioriza a correção dos perniciosos excessos e vícios que, em última análise, os produzem. Conclui-se, assim, que o exercício médico ainda não aprendeu a curar o homem em sua totalidade. E, com enorme afã, cuida unicamente de impor momentâneo freio ao adoecimento segmentar, empregando meios sempre paliativos ou supressores de males que retornam sempre ao seu sítio de manifestação.

Embora sejam nobres as suas intenções, e muitas vezes o suprimento medicamentoso da parte se faça reconhecidamente necessário, parece não interessar ainda à medicina moderna a arte de estimular o organismo à sua própria cura. Arte que as faculdades médicas deveriam se apressar a ensinar ao artífice da saúde, em obediência à sabedoria hipocrática que nos recomendou seguir a natureza, adotando-a como o primeiro médico do enfermo.

Ao priorizar a interferência medicamentosa, como regra geral, a medicina termina por condenar o paciente ao adoecimento crônico, fixando-lhe a permanente dependência do artificialismo químico, como única possibilidade para o seu bem-estar. Técnica terapêutica muito distante de um regime salutar de vida que o homem verdadeiramente almeja. Assim, além de expor o doente aos drásticos efeitos colaterais das drogas de uso contínuo, exige-se dele uma sobrecarga econômica a cada dia mais insustentável. E vive-se numa estranha sociedade que cobra pesado ônus de seus enfermos, subordinado-os a um sistema de saúde pronto a consumir toda a riqueza que são ou foram capazes de produzir. Como inferem pesquisas recentes, hoje, paradoxalmente, um cidadão comum gasta para morrer muito mais do que é capaz de acumular em vida – um contra-senso, pois, se ele consegue com sucesso sustentar-se na vida, assoberbado pelos exorbitantes custos do tecnicismo médico, já não pode mais financiar a própria morte nos hospitais modernos.

Não se nega que muitas vidas são salvas graças à hodierna ação médica. Drásticas intervenções medicamentosas artificiais fazem-se necessárias e úteis, perante graves falências orgânicas. Destarte, acreditando apenas na inexorável atuação do acaso no arranjo da vida, terminou a medicina moderna por iludir-se de que encontrará soluções para todas as dores humanas na baqueta mágica da farmácia.

Ignorando ainda que os sintomas cumprem importante papel no restabelecimento do equilíbrio orgânico, a medicina tornou-se excessivamente intervencionista, impondo decisivo bloqueio à linguagem da enfermidade. Por isso, pode-se inferir que ela terminará por induzir prejuízos para a saúde humana, ao invés de benefícios – fato ainda não oficialmente reconhecido, embora passível de ser deduzido e observado na prática. Nos acessos febris, encontra-se um exemplo típico: a conduta terapêutica em voga impõe suprimir sempre a hipertermia, mediante intervenção química, desconsiderando a possibilidade de que se trate de processo natural e necessário para a eficácia das defesas orgânicas. Estudos criteriosos já demonstraram que a “febre é sinal de saúde” – ela acelera, como é próprio da ação do calor, a atividade leucocitária e as interações antígeno-anticorpo, ao mesmo tempo em que induz o doente ao necessário repouso. Contudo, nos dias atuais, a este é vedado ter febre. O resultado imediato de tal hábito é o uso abusivo de antibióticos, pois o organismo, impedido de adequada reatividade, já não é mais capaz de se defender convenientemente.

Assim como a febre, a farmacoquímica moderna desenvolveu as mais diversas drogas capazes de suprimir a variada sintomatologia humana. Evidentemente que há situações em que se torna indispensável coibir um sintoma, a fim de favorecer algum conforto ao doente. Entretanto, essa tática terapêutica fez-se um injustificável costume. “Os sintomas são defesas naturais, o organismo os produz como se fossem enfermidades, porém não são mais que remédios que visam curá-las” – diz um importante aforismo hipocrático, completamente ignorado pela medicina contemporânea. Todavia, tão antiga e criteriosa observação não tardará a encontrar respaldo na medicina do futuro, e será adotada como o caminho mais eficaz e natural de cura.

A intempestiva interferência na sintomatologia preconizada pela iatroquímica gerou na sociedade moderna a mais absoluta intolerância aos mínimos incômodos físicos – quase sempre necessários ao restabelecimento da saúde. E terminou por subsidiar o consumo exagerado de drogas de toda sorte, que impõem bloqueios a toda e qualquer reação salutar empreendida pelo organismo. Natural que tais hábitos terminem por trazer sérios prejuízos à saúde humana.

A crescente rejeição à iatroquímica por importantes segmentos da sociedade contemporânea demonstra que seu ciclo já se esgota e torna-se indesejável na atualidade como método de cura. Acicatados por ofertas de remédios de toda sorte, muitos já se dão conta de que a interferência química nos delicados processos vitais não pode conduzi-los à conquista da verdadeira estabilidade orgânica. Acossados pelos excessos e danos do artificialismo medicamentoso, anseiam evadir-se, tratando-se com recursos naturais, ao alcance de suas posses e afeitos à organicidade da vida.

A precípite busca pelo naturalismo fala hoje da intolerância de muitos aos tecnicismos e quimismos artificiais e aviltantes, os quais, se podem sofrear momentaneamente a dor, deprimem e menoscabam os delicados equilíbrios da vida. Por isso, prenuncia-se que se tratar de forma natural será novo costume e necessidade imperiosa de sobrevivência em futuro próximo, pois a sabedoria da natureza, milenarmente vitoriosa sobre todas as adversidades do planeta, fala muito mais alto do que todas as teorias reunidas. É assim que o cidadão atual sonha em evadir-se da tecnologia médica hodierna e, confiando-se aos cuidados da natureza, terminar seus dias condignamente, sob o amparo dos afetos, distante do frio e dispendioso instrumental hospitalar.

Reconhece-se que, na atualidade, o médico, por mais bem intencionado esteja em atender os imperativos da natureza, não tem outra opção que seguir o modelo vigente, por lhe faltar conhecimento teleológico e ferramentas para atuar na saúde global do doente e obedecer à lei natural de cura. As faculdades não lhe ensinam tais habilidades. Não obstante, faz-se premente que ele reconheça a necessidade de se adestrar na terapêutica holística e natural. Que busque tratamentos mais amenos que sigam a sábia orientação da vida. E que, sobretudo, aprenda a aproveitar a manifestação sintomática como o mais vigoroso estímulo para a cura. Esse é o novo caminho que o academicismo médico deverá trilhar doravante, para o bem da humanidade.

Todavia, para que a medicina contemporânea adentre esse novo roteiro faz-se necessário ventilá-la com alvissareiros princípios que lhe façam superar o seu insuficiente materialismo e lhe capacitem a uma interpretação mais completa do ser humano, propiciando-lhe intervenções mais eficazes no seu adoecimento.

Depois que a nova física destituiu o primado da matéria como fundamento do universo – agora considerada nada mais que produto de diáfanos vórtices precipitados em aparentes massas – faz-se imperioso à medicina compreender os fenômenos biológicos igualmente inseridos nessa mesma realidade. Ela não pode prosseguir vendo o homem como um amontoado celular, organizado pela casualidade de átomos que a si mesmos se criaram e gerenciam as próprias necessidades, justificando assim o seu intervencionismo.

Falta à ciência médica inserir-se no novo contexto da fenomenologia universal e abrir-se à possibilidade da existência desses campos subjacentes a integrarem o ser vivo e a se responsabilizarem por todos os seus fenômenos vitais – abrangendo, evidentemente, a saúde e a doença. Se esse é o derradeiro sítio do adoecimento humano, então é aí que a medicina deve aprender a impor estímulos terapêuticos. Para isso, ela não poderá dispensar os conhecimentos que somente o espiritualismo pode lhe facultar, permitindo-lhe penetrar com eficiência nos grandes mistérios do ser e da dor.

Abraçando-se à visão espiritualista e abrindo suas portas às perquirições dedutivas, ela irá constatar que o ser humano é uma edificação organizada pela dinâmica da consciência, a fluir da transcendente alquimia do espírito. Então, sanada do materialismo e liberta de seu cipoal de infindas análises reducionistas, a medicina estabelecer-se-á como lídimo caminho de cura e segura fonte de bem-estar para o homem que jornadeia no grande oceano do tempo.

Novos Paradigmas Médicos

Apesar de destituído pela ciência quântica, o materialismo científico ainda vigora preponderante na prática médica vigente e sua influência nas escolas médicas, sobretudo no mundo ocidental, ainda se faz sentir fortemente nos dias de hoje. Não obstante o indiscutível valor de suas descobertas e o controle eficaz de muitas enfermidades humanas, ele fez do médico um mero leitor de análises laboratoriais, esquecido de que tem diante de si um doente, que está enfermo, sobretudo da alma. Os novos profissionais formados nesses frios panoramas materialistas ressentem-se de uma medicina humanitária e espiritualista, que lhes facultem uma compreensão mais abrangente do ser humano. Cansados de tecnicismos vazios, buscam por uma prática médica holística que trate o paciente com critérios teleológicos de totalidade e considere a doença de suas partes como um desequilíbrio de sua unidade. Uma medicina não somente espiritualista, mas igualmente social e psicológica, que reaprenda a ouvir o doente, considerando a globalidade de seus sentimentos e necessidades. Enfim, uma arte médica que saiba ver e cuidar da alma humana e recupere a relação médico-paciente então deteriorada, satisfazendo, assim, os anseios dos enfermos – os principais interessados no ato médico, então perdidos entre complexas e frias máquinas de diagnósticos, medicamentos dispendiosos e interesses por vezes mercantilistas.

Reconhece-se, evidentemente, que os recursos supressivos da medicina moderna são muitas vezes indispensáveis e vitoriosos na manutenção da vida e da preservação da integridade orgânica, ante suas graves falências. Não obstante, tudo faz crer que a doença não é mero desalinho biomolecular e, sim, um produto sutil das unidades superiores do homem. Logo, pode-se considerar como provisória toda interferência no cosmo celular, mero palco de efeitos. Para se atingir um desiderato terapêutico abrangente e eficaz, necessita-se, portanto, de uma nova visão médica que compreenda o enfermo como um ser espiritual, e a enfermidade, como alteração do todo substancial espírito-corpo.

A medicina terá que evoluir para essa compreensão unitária do ser humano, como única forma de lhe proporcionar seguros benefícios terapêuticos. Não se pode mais cuidar de um doente fragmentado, suprimindo-lhe momentaneamente a linguagem da enfermidade, sem ensiná-lo a lograr as lições que suas dores lhe facultam. Não se silencia sinais e sintomas, sem atender os imperativos maiores da vida humana. E não se pode pretender substituir-se à natureza, sem conhecer-lhe as finalidades superiores a se cumprirem na esteira do destino.

Por tudo isso, seguramente, os dias vindouros seguirão persuadindo a medicina a unir-se à interpretação espiritualista da vida, elevando-se à condição de uma genuína filosofia que cura. Na atualidade, movida por nobres objetivos, porém doente de frio tecnicismo e fragmentada até a sua máxima dispersão, ela permanece esfacelando o homem, tratando-o como um sítio de reações bioquímicas independentes. E por isso o perdeu completamente no emaranhado molecular, onde pensa encontrar a razão última de todos os seus males. Em breve, ela terá de recorrer ao espiritualismo para recompor a sua bela trajetória, diante do fracasso dos pressupostos materialistas na promoção da lídima saúde humana.

As mais recentes descobertas da natureza da matéria e sua origem, empreendidas pela mecânica quântica, revelam que o estofo físico do universo não é o último elemento, e jamais pode ter gerado a si mesmo. Portanto, o epifenomenismo sucumbiu. A matéria não pode mais explicar a si própria. Esta se revela agora nada mais que um entrelaçado de puras energias, completamente imponderáveis. Assim, o materialismo, privado do seu apoio, morreu. Em seu lugar está nascendo uma nova visão da realidade, estruturada não na aparente solidez de partículas, mas nos processos imponderáveis que as constroem. Processos que a ciência está caminhando para considerar como irradiações da consciência – um domínio abstrato ainda inacessível à compreensão atual, ao qual se pode conferir as atribuições do espírito. A nova física já se deu conta disso e em seu porvir já marcou o seu reencontro com o espiritualismo, a fim de completar o entendimento da fenomenologia universal. É para esses novos horizontes que a inteligência humana se dirige, a passos largos, pois não há outro caminho a seguir.

As evidências da física quântica atestam então, como afiançado pelo antigo espiritualismo, que a realidade fenomenológica encontra-se mergulhada em domínios não-físicos. Sendo o homem parte dessa realidade, torna-se evidente que ele igualmente está confeccionado segundo esses mesmos moldes energéticos, orientados por uma consciência que extrapola o seu cosmo celular e bioquímico. Logo a medicina precisa urgentemente de um novo modelo de patologia, para então desenvolver métodos mais propícios à cura dos males humanos. Como ciência por excelência, por pesquisar e atuar no campo do sofrimento, ela deveria ser a primeira a despertar para esse realismo subjacente da vida, compreendendo que todo ser é um reduto espiritual, a sustentar-se, em última instância, em mantos de imponderabilidades.

Faz-se hora, portanto, em que a medicina deve priorizar a intuição como genuína fonte de conhecimento, capaz de orientá-la na aquisição dessa nova visão do homem. Afeito ao imperceptível, esse é o único método que lhe possibilitará penetrar nas instâncias imateriais que consubstanciam o ser, inacessíveis à análise indutiva até então desenvolvida pela ciência. O reducionismo analítico, apropriado aos fenômenos passíveis de instrumentação física, se foi importante em uma época, atingiu o seu máximo rendimento e agora não se mostra mais suficiente para enfrentar os grandes mistérios que permeiam a intimidade da matéria, tanto a inerte quanto a orgânica, e despontam agora como grandes desafios para a razão humana. Assim, a metodologia dedutiva deve ser considerada um meio eficaz de conhecimento, pronto a auxiliar a ciência na busca da verdade. Esse tem sido o caminho que muitos pesquisadores modernos, como os chamados físicos místicos, estão trilhando para penetrar de modo mais efetivo na compreensão da complexidade universal.

Um convincente raciocínio a determinar a preponderância do espírito na unidade orgânica foi apresentado pelo físico Amit Goswami, na obra O Médico Quântico. Segundo o pesquisador, um inovador modelo para se explicar a fenomenologia biológica, tendo por base as inquestionáveis descobertas da física quântica, deve partir da existência apriorística de um domínio completamente abstrato que, além de interferir preponderantemente nas instâncias ultra-atômicas, igualmente as produzem. Identificando esse domínio como a consciência, passa-se a responsabilizá-lo pela manifestação e organização da biomassa. Portanto, a vida seria o resultado de forças imateriais, cujo maior atributo é uma inerente inteligência formativa. Logo, inverte-se a compreensão da estrutura dos seres vivos. Pressupunha-se, antes, tomando por base os postulados da física clássica, que as partículas atômicas e suas forças interativas produziam moléculas, que geravam células, as quais edificavam a vida e desenvolviam o conjunto neural – finalmente, esse conjunto neural tornar-se-ia capaz de sintetizar, por inerentes impulsos neuroquímicos, o fluxo de consciência, que então observa e analisa o mundo ao derredor. Agora, ao contrário, de acordo com mecânica quântica, é a consciência, cuja existência é apriorística, que, segundo propósitos inteligentes, ordena átomos e confecciona moléculas, organiza o cérebro e direciona o seu emaranhado de correntes elétricas e sinapses neuronais, a fim de se manifestar na dimensão exterior e com ela interagir. Seqüência que evidencia a presença nos organismos de uma vontade superior a atuar com sabedoria e conhecimento de finalidades. E assim, apresenta-se uma tese muito mais convincente para explicar a vida e seus atributos. Tese que o materialismo científico do século XX renegou com veemência, unicamente por suscitar preceitos de natureza religiosa.

 

Quadro sinóptico da nova visão da causalidade fenomenológica, sugerida pela mecânica quântica (adaptado do livro O Médico Quântico, de Amit Goswami, Editora Cultrix; 2006).

A despeito daqueles que ainda se fixam no objetivismo da ciência, hoje se torna aceitável cientificamente que um campo de natureza espiritual sustente a realidade última do fenômeno humano. Há nele um potencial de realização a lhe conferir unicidade e que extrapola nitidamente o seu amontoado de carnes – grita os anseios de sua alma, angustiada pelo materialismo frio que, se lhe deu confortos, assassinou-lhe a crença no espírito. Mas este, como uma nova Fênix, irá renascer das cinzas do materialismo, pois os séculos vindouros não se estagnarão em fantásticos tecnicismos. A história acena que uma nova Era do Espírito será implantada na Terra, quando o homem, realizando a mais surpreendente de suas jornadas, aquela que se dirige ao seu interior, deparar-se-á com a própria alma, desnudada diante de si mesmo.

Uma medicina sustentada por essa visão espiritualista já vem sendo exercida há tempos no mundo ocidental, com largo apoio da sabedoria popular, praticada sob variados nomes, como reiki, fluidoterapia, acupuntura, tratamento espiritual, leitura corporal, fitoterapia, antroposofia, homeopatia e outras correntes. Práticas complementares de saúde que já intentam compreender a doença como uma pulsão energética alterada, que somente pode ser corrigida em sua imponderável origem.

Novas descobertas têm demonstrado aos pesquisadores, sobretudo no cenário médico, que as teses espiritualistas se fazem indispensáveis para explicar a vida e a complexa manifestação humana. Já se estuda, em escolas ainda não oficialmente reconhecidas, a presença de um domínio de energias sutis no ser vivo, chamado por muitos de modelo de organização biológica ou campo-psi, a engendrar o arcabouço físico. Acredita-se que os registros kirliangráficos sejam esboços de detecção dessa unidade, ainda imperscrutável pela ciência humana, mas já há tempos estudada e perquirida pelas ciências ditas ocultas. Há registros de curiosos exemplos, como as folhas de mamona que, tendo amputada uma de suas pontas, revelam, na kirliangrafia, um arcabouço íntegro de linhas de forças a manterem o seu contorno físico original; e o fenômeno hado, descoberto pelo cientista japonês Masaru Emoto, que evidencia o poder da mente humana na modelagem da estrutura final das moléculas de água. São fenômenos que suscitam a existência desse biomagnetismo organizador, a se irradiar do campo psíquico.

Esses fatos representam novas crises paradigmáticas a agitarem a superfície epistemológica humana, pedindo à ciência moderna, e em especial à medicina, renovados modelos de conhecimento para explicá-los. Modelos que não mais partam de uma absurda inteligência da matéria, porém se conformem, de uma maneira mais lógica, à imponderabilidade fenomenológica, como demonstrado pela nova física e confirmado pela intuição humana.

Evidentemente que aqueles que se acham detidos no cipoal materialista, subjugados ao gládio da medicina quimiocêntrica e supresssiva, apressar-se-ão a negar essas janelas visionárias, condenando-as ao sufrágio das equivocadas utopias. Enceguecidos pelas necessidades imediatas do exercício médico vigente, eles não podem antever os albores dessa nova efervescência de conceitos, a anunciar o renascimento da medicina espiritual. E precipitam-se a condená-la à fogueira da inépcia humana. Sem o saberem, repetem no presente as mesmas atitudes misoneístas do passado – como se pode observar, ao longo da história humana, as idéias progressistas sempre tiveram de digladiar com a intolerância conservadora, enfrentando-a na arena das ideologias, onde muitos pagaram com a própria vida a missão de renovar os horizontes humanos. Justo que isso ocorra, pois, assim como na evolução biológica, na estrada do progresso cultural, o novo deve igualmente confrontar-se com o arcaico, na luta pela seleção natural, a fim de sobrepujá-lo e impor-se como o melhor modelo a ser seguido. Portanto, a vida sabe decidir pelo que mais convém à caminhada humana, eliminando naturalmente tudo o que é mero devaneio de sonhadores.

A Medicina do Futuro

Prevê-se, nos agitados dias hodiernos, a morte do materialismo médico mais rápido do que se imaginava, sob os clarões desses novos conceitos, nascidos no âmbito do próprio cientificismo pós-moderno e não das religiões, como julgam pensadores desavisados. Em breve, acredita-se, o pensamento vigente retomará o espiritualismo, pela falácia das concepções mecanicistas em explicar os intrigantes fenômenos da vida e do ser. Embora semeadas em um século de estonteantes avanços científicos e alardeadas como verdades inquestionáveis, estão esgotando-se as possibilidades para que a matéria orgânica explique a si mesma, quando observada em seus espetaculares e ínsitos mecanismos.

Saneada do seu mais grave empecilho, o materialismo, e abraçada aos salutares postulados espiritualistas, a nova medicina convencer-se-á de que a origem última da enfermidade humana não está nas tramas biomoleculares, mas nas expressões imponderáveis da consciência. Admitindo-a como única e insofismável realidade a entretecer e sustentar a vida, a medicina compreenderá, enfim, o que é realmente o homem, conhecerá o seu telefinalismo e a motivação de suas dores. E então poderá verdadeiramente curá-lo.

Essa revolucionária ciência médica, sustentada pelo espiritualismo, já desponta nos horizontes humanos e pode-se antever alguns de seus corolários fundamentais, em oposição àqueles que ainda dominam o saber médico atual. Compreendendo o absurdo de julgar que a matéria orgânica seja regida por si própria, a medicina espiritualista levará em conta a existência de um ser imaterial no comando da rede biomolecular, o qual se deve priorizar na manutenção da própria estabilidade. E concluirá que as partes enfermas podem e devem receber intervenções localizadas, porém apenas como suporte, jamais como intento de cura.

Sem dispensar, evidentemente, os conhecimentos adquiridos pela medicina materialista no domínio da fisiologia e da patologia, a doença não será mais entendida como um mero desalinho de órgãos e funções, células ou moléculas, mas um distúrbio da totalidade do ser. E o doente, não mais interpretado como uma quimérica coleção de órgãos independentes, será tratado como uma unidade consciente e sensível, dotado de natureza e origem imaterial e predestinado à eternidade dos valores divinos que carreia consigo.

Priorizando o emprego de produtos os mais naturais possíveis, a nova medicina disponibilizará compostos artificiais somente quando absolutamente indispensáveis à sobrevida do enfermo. E utilizará, sem sombra de dúvida, os avanços efetivos da técnica cirúrgica moderna nos casos que se mostrem imprescindíveis à vida do paciente. Entrementes, abrir-se-á à possibilidade de intervenções não-locais no tratamento das doenças, como as cirurgias espirituais, as preces intercessoras, as imposições de mãos, os toques terapêuticos e outras práticas ainda não reconhecidas de cura, as quais, no entanto, demonstram inquestionável eficácia.

O pensamento, considerado uma intermediação de impulsos físico-químicos pelo materialismo médico, na medicina espiritual será compreendido como um campo de forças imponderáveis, emanado da consciência, com decisivo poder sobre a organização física e que deve ser devidamente orientado no estabelecimento do seu próprio equilíbrio. E o espírito, senhor absoluto da vida, será aceito como a fonte única e soberana da consciência. Seus propósitos superiores serão então respeitados, compreendendo-se que este edifica e dirige a unidade orgânica e estabelece a doença como premente recurso evolutivo, e não mero fracasso biológico.

Embalada por esses novos e alvissareiros critérios, a nova medicina complementará o diagnóstico técnico-laboratorial com o indispensável diagnóstico holístico. A doença natural será compreendida essencialmente como uma perturbação da conjunção mente-corpo, a refletir desarmonias do todo em suas partes. Concordará, porém, com grande proveito para o crescimento moral do homem, que toda enfermidade cumpre nobilitante missão na condução da consciência eterna, servindo-se para a correção de seus abusos e erros.

Logo, aprendendo que a doença traz importantes lições para a evolução humana, a finalidade nobre da prática médica deixará de ser mera imposição de momentâneo silêncio orgânico ao carro fisiológico, para se tornar uma sublime orientação à conquista da verdadeira saúde pelo próprio enfermo – este, sim, o lídimo desiderato terapêutico priorizado pela nova ação médica. Dessa forma, a futura medicina reconhecerá a existência de leis fenomênicas em ação tanto na realidade física quanto no mundo orgânico e consciencial, as quais deverão ser seguidas, a fim de se favorecer o doente com a aquisição da harmonia plena.

Convencendo-se de que a cura não é produto somente de técnica, mas, sobretudo de arte, a nova terapêutica deixará de concorrer com as vias naturais da cura e abandonará o emprego exclusivo de compostos químicos artificiais e supressivos, para se fazer um estímulo à autocura. A arte da cura tornar-se-á, então, um prioritário impulso capaz de se incorporar às intrínsecas reações vitais, direcionando-as na ordenação do equilíbrio interior. Logo, deixando a vigente tática de combate à doença, a medicina aprenderá a suscitar no doente as suas próprias defesas. O medicamento essencial far-se-á uma força endógena e natural capaz de somar-se à diretriz curativa do organismo, jamais contrapondo ou substituindo-se à sua sábia ação.

Redesenhando procedimentos genuinamente hipocráticos, essa nova metodologia de saúde será ainda um retorno à valorização da natureza como o primeiro e indispensável médico do enfermo. Ela aprenderá a interferir o mínimo possível, atuando artificialmente quando absolutamente indispensável para se salvaguardar uma vida. Abandonando assim seu desairado intervencionismo, saberá respeitar a movimentação sintomática de ação autocorretiva como o caminho fundamental da cura. Então a medicina conquistará a nobre arte de não medicar. E o profissional da saúde, de artífice da cura, transformar-se-á em coadjuvante do mais importante e indispensável médico do enfermo: a divina natureza.

Além de conhecimentos de fisiologia e da patologia humana, a educação médica concitará o novo médico a uma formação eminentemente humanitária, embasada em segura orientação filosófica, exigindo-lhe moral elevada como quesito indispensável ao exercício da arte da cura. O culto à beleza e à vida, o respeito ao determinismo divino que norteia a ordem orgânica, e a valorização da subjetividade e dos sentimentos humanos na abordagem da dor e do sofrimento serão quesitos incorporados com naturalidade à formação do novo profissional. E assim, medicina e espiritualidade estarão unidas para a cura do homem em sua totalidade.

Desse modo, o incentivo à fé, a disseminação da esperança e do otimismo e o desprendimento financeiro farão do exercício médico um real sacerdócio, interessado em apaziguar todo e qualquer sofrimento, voltado, sobretudo, para os impreteríveis anseios da alma humana, sob os auspícios da complacência divina. Então, formação moral e disponibilidade para o bem serão considerados quesitos indispensáveis à prática da nova medicina, tão importantes quando o conhecimento técnico.

Admitindo que a real fonte das doenças humanas se encontra muito além da matéria, o novo médico, sem dispensar o diagnóstico tecnológico quando estritamente necessário, adestrar-se-á prioritariamente na faculdade de ler o campo espiritual do enfermo, a fim de divisar, pelas vias intuitivas, as mais profundas causas de suas dores. Valorizando prioritariamente a subjetividade do doente e o seu mundo emocional, o novo terapeuta compreenderá então que a enfermidade humana é produto de importantes desequilíbrios internos, arremetidos de distante passado, os quais precisam de urgente correção.

A especialização, embora necessária em decorrência do enorme acúmulo de dados da ciência analítica atual, não se estacionará na fragmentação do ser humano. Encaminhando-se decisivamente ao encontro da unidade abstrata que se esconde além da junção das partes, ela saberá cuidar do corpo, sem, contudo, descuidar do elemento essencial na manutenção da saúde: o espírito.

A relação médico-paciente, priorizando a prática do amor fraterno em todos os atos terapêuticos, será verdadeiramente humanizada. Altruísmo, sensibilidade e sincero desejo de ajudar serão disponibilizados como recursos medicamentosos de inestimável valor para a cura daquele que sofre, considerados muitas vezes mais importantes que a simples intervenção medicamentosa. Dotada, assim, de uma verdadeira estratégia de saúde embasada no amor, a nova medicina contribuirá, de uma melhor maneira, para a solução definitiva dos padecimentos humanos.

E, tornando-se muito mais preventiva do que curativa, essa futura medicina aprenderá a orientar devidamente o homem no aprimoramento de sua conduta, pois não se pode pretender curar o seu corpo sem saber guiá-lo na lavoura do comportamento. Convencida de que somente a obediência à Lei divina, inscrita em sua consciência, poderá proporcionar-lhe a saúde integral, a ciência médica adotará então fundamentos éticos elevados como recurso de saúde, contribuindo assim para que o indivíduo mais rapidamente se aposse da plenitude para a qual foi criado.

Em síntese, fazendo da atitude espiritual o fundamento do verdadeiro bem-estar, a medicina compreenderá que o homem é produto direto do que pensa, sente e da forma como age no contexto essencial das inter-relações sociais. Desse modo, a nova medicina, aderida à sagrada substância da vida, far-se-á coadjuvante da Lei de Deus, em prol da evolução humana. E assim cumprirá o seu insigne papel de contribuir efetivamente para que a saúde plena se estabeleça como genuína conquista da humanidade.

 visaomedicina

Quadro sinóptico da medicina materialista versus espiritualista.

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